Fotos: Rui Marote
É o único elemento feminino a integrar a oitava Força Nacional Destacada para o Iraque, praticamente toda constituída por militares madeirenses e que partirá em breve para o Iraque. Chama-se Verónica Barros e a sua patente é primeiro cabo. É, obviamente, uma “mulher de armas” e adivinhamos-lhe logo um lado “operacional”, mas, ao mesmo tempo, é simpática e feminina quanto baste. Aos 24 anos, é claramente já não uma rapariga mas uma mulher, e não lhe terá faltado preparação e disciplina, já que ingressou na vida militar aos dezoito, depois de acabar os estudos secundários. Encara como um desafio aliciante a missão no Iraque, um país islâmico onde o elemento feminino ainda é olhado de forma muito tradicional. Obviamente, isso não a amedronta, já que se apresentou como voluntária para esta missão.
Conforme o Funchal Notícias já referiu numa série de artigos publicados no final do mês de Setembro, uma trintena de militares têm-se estado a preparar no RG3 para actuarem como instrutores das forças militares e de segurança iraquianas, no campo Besmayah, a cerca de 50 km a Nordeste de Bagdad. O FN inclusive publicou fotografias e vídeo de um exercício militar que encenava as condições e as tarefas a desempenhar naquele país do Médio Oriente.
No total, recorde-se, são 12 oficiais, 15 sargentos e 3 praças (cabos) a formarem o contingente comandado pelo major Eduardo Ribeiro. Ontem, realizaram a versão final do exercício a que o FN antecipadamente assistiu, desta feita perante uma plateia de visitantes ilustres no designado “Distinguished Visitors Day”. No domingo, dia 21, pelas 11 horas, na Praça do Município, frente à igreja do Colégio, envergarão já o uniforme camuflado padrão do deserto, que utilizarão no teatro de operações. Na ocasião, receberão ainda o estandarte nacional que levarão consigo para o Iraque, e bem assim uma imagem de Nossa Senhora do Monte, a qual será previamente abençoada pelo bispo do Funchal, D. António Carrilho, no decorrer da Eucaristia na igreja do Colégio. Verónica Barros será, orgulhosamente, um dos elementos alinhados em parada.
Para esta jovem, natural do Curral das Freiras, esta missão no estrangeiro será a “cereja no topo do bolo”, conforme nos diz, da sua experiência militar.
Quisemos conversar com ela porque achámos que, pela sua singularidade nesta missão – uma mulher numa equipa quase inteiramente constituída por homens – teria uma palavra interessante a dizer. Não nos desiludimos, pois encontrámos uma jovem militar resoluta. Questionámo-la: o que a levou a interessar-se, em primeiro lugar, pela vida castrense?
Responde-nos com simplicidade. “Comecei a pensar nisto no [Ensino] Secundário, porque não tinha interesse em ir para a Faculdade. E para não entrar sem mais nem menos no mercado de trabalho, pensei nisto”. Buscava uma certa estabilidade, e não a amedrontavam a exigência que iria enfrentar, ou o cumprimento de regras. De facto, já tinha interesse numa actividade deste tipo, embora pensasse antecipadamente na possibilidade de trabalhar nas forças de segurança, como a GNR ou a PSP.
“Tive conhecimento de que, ao entrarmos no Exército, tínhamos mais probabilidades de entrar para a PSP ou GNR, podíamos ter acesso a um número “X” de vagas. Era essa a minha intenção original”. Acabará por não seguir esse caminho, confessa-nos, porque entretanto ficou a saber algo que anteriormente ignorava: ao entrar para as forças de segurança, teria de cumprir vários anos de serviço no continente, aguardando vaga para vir trabalhar para a Madeira. Isso desencorajou-a um bocado da intenção inicial de ser polícia ou guarda.
“Eu não queria sair da Madeira, preferia ficar aqui, junto das minhas raízes”, explica. Isso acabou por ditar a sua permanência no Exército até ao momento. Entrou como soldado, depois candidatou-se ao curso de cabos, agora tem a patente de primeiro cabo, mas já está na recta final do contrato com as Forças Armadas. Para o ano termina o compromisso que a uniu ao Exército. Mas nenhum do tempo que passou na instituição militar considera desaproveitado. Foi, afirma-nos, uma boa experiência.
“Nos anos em que estive cá, tirei formação, tirei cursos, e logo que saia, procurarei emprego nas áreas da formação que tirei. Propõe-se, pois, aplicar-se a um lugar como técnica de farmácia.
O tempo passado no Exército, da sua perspectiva, foi uma boa preparação para enfrentar os desafios do mercado laboral. Uma pessoa habitua-se a cumprir regras e horários, a disciplinar-se, concorda. “Além do mais, não se trata de um trabalho individual: no Exército somos um grupo, em equipa, todos para o mesmo fim. E isso é muito bom. Representamos Portugal. E aprendemos algo muito útil, a camaradagem entre todos. Isso é muito importante, do meu ponto de vista”.
Admite que passou por momentos de alguma exigência, e confessa que não fazia muito desporto antes de vir para o Exército. Foi ali que realmente começou, por inerência da profissão, a ter de “puxar pelo físico”. Mas, conforme sublinha, “isso é algo de bom para nós, para a nossa saúde. Puxaram por mim”, admite, entre risos. Mas foi positivo.
Ficamos algo curiosos: quase a terminar o seu período de comprometimento com o Exército, porquê voluntariar-se para algo que comporta eventualmente algum perigo, ou pelo menos e certamente algum desconforto e eventualmente até tédio, como uma missão de seis meses no Iraque, maioritariamente confinada, como os outros, a um campo onde a maioria dos militares são espanhóis, tirando um contingente de ingleses e canadianos? Porque não simplesmente deixar-se ficar na terra onde nasceu e que aprecia?
Detectamos algum entusiasmo nas suas palavras, e o desejo de fechar com “chave de ouro” a sua passagem pelas Forças Armadas: “Para nós, como militares – e falo por mim – penso que é sempre bom cumprir uma missão no estrangeiro, representar o nosso país lá fora, Acho que isso é uma experiência única. E nós, como contratados… oferecerem-nos a possibilidade de cumprir uma missão fora do país e como que a cereja no topo do bolo. Sinto que poderemos ser úteis também para outros”. Não há um certo elemento de perigo? Sim, mas isso existe como em tudo na vida, não é verdade?, retruca. Respondendo de forma desarmante, deixa claro: “Nós preparámo-nos para isto, para esta missão. Sinto que os treinos que fizemos ao longo destes meses deixaram-nos prontos para o que vamos enfrentar, inclusive a nível de técnicas ao manejarmos com o equipamento, o armamento… Fizemos tiro real, preparámos a nível físico… Tivemos de nos aprontar devidamente, até porque somos nós que vamos dar formação às forças de segurança do Iraque”.
“Acho”, declara, de modo sério, “que estamos realmente prontos para dar respostas no quadro das nossas missões e tarefas”.
Há anos atrás, era invulgar ver-se uma mulher nas forças armadas ou de segurança. Hoje, decididamente, já não é. Mesmo assim, as mulheres estão ainda em minoria. Se houve alguma atrapalhação no início? Verónica Barros desvia suavemente a pergunta: “O Exército já trabalha com o elemento feminino há vários anos. Todos os anos entram sempre mulheres. Sempre que há uma recruta, entra pelo menos uma mulher”, constata.
Quando lhe perguntamos se alguma vez se sentiu um pouco mais sozinha, apressa-se a negar. “Pelo contrário!”, afirma. “Dou-me muito bem com os meus colegas masculinos. E também com os femininos!”, ri-se. “Nós, todas e todos, estamos bem, damo-nos bem uns com os outros”, afiança.
A primeiro cabo Verónica Barros teve a sorte de sentir-se sempre apoiada nas escolhas profissionais que decidiu fazer. Os seus pais aceitaram bem, apesar de alguma reticência inicial do seu progenitor… “Mas mesmo ele reagiu bem à minha intenção de me juntar ao Exército. De uma coisa tem certeza: “Hoje estão, até, orgulhosos de eu ir a esta missão. E estão a apoiar-me, estão felizes, embora estejam um pouco ansiosos. Até da minha parte”, reconhece, “há alguma ansiedade com esta ida para o Iraque… mas é uma ansiedade positiva.
Por outro lado, desdramatiza: por longe que se esteja, com as facilidades comunicacionais que existem hoje em dia, não há grandes problemas. “As distâncias tornam-se um pouco mais curtas com a Internet”, refere. Por outro lado, não teme eventuais dificuldades, por conta com o Exército para a ajudar, ou à sua família, a resolvê-las.
A facilitar, por outro lado, as suas relações dentro do grupo que parte agora para terras iraquianas, está o facto de já conhecer muitos deles. “Alguns já foram meus comandantes de companhia, outros meus comandantes de pelotão, com outros já trabalhava e conhecia muita gente pois trabalhei inicialmente na secção de Recursos Humanos
Assim, a militar partirá em breve neste novo desafio: acompanhar os militares da Nação que levarão também com eles, para o Iraque, uma imagem da padroeira, Nossa Senhora do Monte. Só para garantir que corre tudo bem. “Vai correr, de certeza”, sorri-nos a primeiro cabo Verónica Barros. Despedimo-nos com um aperto de mão, e sorrimos para nós próprios: nesta jovem que esconde dissimulada e graciosamente das fotografias o aparelho que usa nos dentes, todos já muito bem direitinhos e ordenados, conjuga-se duma forma curiosa, ao mesmo tempo a graciosidade e a resolução, a juventude e a maturidade. Ficamos com a certeza de que o Exército lhe ensinou bastante – e que esta missão ainda lhe ensinará mais e marcará definitivamente as suas recordações.