Notando que ainda não saiu qualquer publicação oficial da investigação do acidente em Gbessia, torna-se necessário rotular este artigo do que é: exercício puramente especulativo. Tecem-se algumas considerações baseadas em informação proveniente dos media e de sites aos quais se reconhece “pedigree” de veracidade. A limitação mais natural é a de ausência de informação completa e do desconhecimento contextual do local.
O que se sabe, factualmente, é que um Airbus 320-251N da principal transportadora portuguesa, ao aterrar de noite em na capital da Guiné Conakry embateu num motociclo que rodava na pista. O motociclo impactou na “nacelle” do motor #1, ficando totalmente destruído. Os dois ocupantes foram sugados pela turbina e pereceram de imediato. Parte do motociclo ficou encastrada na parte inferior da “nacelle”, reconhecendo-se um amortecedor retorcido. O avião não declarou emergência prévia, nem lhe terá sido comunicado a existência de obstáculos na pista onde iria aterrar. Uma das vítimas mortais trabalhava na segurança do Aeroporto (entende-se “security”), não sendo claro se estava ao serviço no momento do acidente, ou qual é a função concreta que desempenha. Poderia fazer segurança de perímetro ou de passageiros sendo inconclusivo se a presença a meio da pista se enquadrava nas suas funções. É desconhecido quem era o condutor ou dono do motociclo. Presume-se, sem certeza, que o motociclo estava autorizado para rodar na zona de manobra do Aeroporto, mas falta averiguar se tinha autorização para circular na pista, e de que modo estava a ser supervisionada essa movimentação. Consta que está edificada vedação à volta do aeroporto, e que a probabilidade de entrada furtiva é muito reduzida.
Não se julgue que a “root cause” deste acidente seja forçosamente a estereotipada falta de rigor do Terceiro Mundo, nem de exclusividade geográfica. Ainda este ano um avião foi autorizado a aterrar em Ponta Delgada com um veículo na pista. Felizmente a iminente colisão foi detetada in extremis e a aeronave borregou a 150 metros do embate. Luz diurna poderá ter contribuído para redução do risco.
Nominalmente no aeroporto internacional Ahmed Sékou Tour são esperados cerca de 10 voos diários, e o de proveniência de Lisboa era o último do dia. Para lá voam aeronaves de grande porte da Air France (A350) e Emirates (777). O voo em questão era regular e vinha com uns minutos de atraso. Estranhar-se-ia que funcionários do aeroporto se deixassem surpreender por uma chegada agendada. Importa dizer que o motor CFM LEAP 1A do A320NEO é muito mais silencioso que os anteriores CFM 56, e que o vento contra quase elemina o efeito sonoro para quem esteja na dianteira do avião. Observando os destroços irreconhecíveis do motociclo não se percebe que modelo seria, mas seguramente que o ruido do motor deve ser mais intenso que o do A320 à distância. As fotos divulgadas dos motores foram tiradas após o estacionamento, e o reverse não está ativado, e assumiria que os pilotos terão voltado a fechar as portas. Terá sido feito após embate? Se foi antes implicaria já velocidade reduzida na colisão. Teria dado tempo para o motociclo acelerar e fugir, contrariando o efeito de sução do motor?
Nada se conclui de qual era potência metida no motor no momento do embate nem a perceção dos pilotos do evento, nem qual nem quando teria sido alguma ação tomada. Os danos no motor devem ser consideráveis porque já faz quase uma semana que a aeronave está no chão. São uns 10 a 15 milhões de euros em caso não haver viabilidade de reparação.
É injusto atribuir culpas na corrente instância, primeiro pela ausência de informação oficial da investigação, atividade que deverá levar meses, e depois porque o alvo será perceber os porquês e recomendações para evitar reincidências e se aumentar o grau de segurança. Creio que à companhia portuguesa não poderá ser-lhe imputada qualquer responsabilidade, estavam autorizados a aterrar naquela pista, o que equivale a garantia de estar livre de outrem. Seria humanamente impossível detetar um motociclo que provavelmente apareceria comum uma luzinha (farolim de trás) quase alinhada com as do centro da pista. Se atravessasse a pista, nem isso. Mesmo que tivesse sido detetada pelos pilotos com alguns segundos de antecedência do embate, também não é direto que pudesse ser tomada alguma ação racionalmente solucionadora. Desviar o avião para fora da pista não faria sentido, seria mais perigoso para mais de uma centena de pessoas a bordo do que o embate. Voltar ao ar também depende de vários fatores impossíveis de julgar neste momento: em que zona da pista se deu o embate? A que velocidade? Ainda era possível sair do chão em segurança?
Deve o leitor reger-se única e exclusivamente pelo relatório oficial do acidente para tirar conclusões fiáveis.