Arquiteto do Estádio do Marítimo admite oito anos de sofrimento

Pedro Araújo

Celso Gomes

Pedro Araújo. Um nome que pouco ou nada poderá dizer à maioria dos madeirenses. Neste caso, importa dizer que se trata do responsável pelo projeto de renovação do  Estádio do Marítimo, ex-Estádio dos Barreiros. Sócio do Marítimo há 30 anos, o arquiteto acedeu falar ao Funchal Notícias sobre o processo, numa entrevista onde começa por confessar o orgulho por idealizar a tarefa, uma espécie de concretização de um sonho. “Em pequeno, o meu sonho era mesmo jogar, mas acabei por pisar aquele relvado como arquiteto e, de facto, é e foi uma grande alegria”, adianta.

Explica que o conceito de bancadas a toda a volta teve como objetivo principal potenciar o clima de festa próprio do desporto rei, o futebol, à imagem dos estádios ingleses. Por ser um projeto de grande complexidade construtiva e arquitetónica, salientou que a obra obrigou à constituição de uma grande equipa de arquitetos (5) e desenhadores e envolveu a coordenação de muitas especialidades, incluindo muitos engenheiros, técnicos e empresas. Minimiza ainda o facto de o seu nome não aparecer associado à obra, mas compreende. “O protagonismo tinha que ser para os políticos que apoiavam as obras com os orçamentos regionais”, refere. Todavia, está convencido de que a comunicação social na Madeira terá um papel importantíssimo nesta mudança de atitude.

Quanto ao pagamento pela obra, confessa que têm sido oito anos difíceis. “A história é muito longa e muito dolorosa… Envolve famílias, técnicos, advogados, contabilistas, vários tribunais e, principalmente, o clube, empreiteiros, e os serviços de Finanças do Funchal. Espero que, brevemente, tudo se resolva depois de oito anos muito difíceis”, afirmou.

Estádio dos Barreiros

Funchal Notícias – Como surgiu a oportunidade de projetar a remodelação do Estádio dos Barreiros?

Pedro Araújo – Foi na sequência do projeto do Estádio do Marítimo que tínhamos realizado para os terrenos da Prebel, no Bairro da Nazaré, por nossa iniciativa e, depois, para a zona da Praia Formosa, a pedido do presidente do C.S.M, mas que, por razões que nos são alheias, foram abandonados, surgindo então a remodelação do Estádio dos Barreiros.

FN – O que sentiu ao idealizar a tarefa?

PA – Esta possibilidade foi, de facto, como um sonho a tornar-se realidade. Eu acompanho os jogos do Marítimo naquele Estádio, desde os 7, 8 anos, na companhia de meu irmão. Íamos com os meus tios, mas, muitas vezes, a pé ou de autocarro, desde casa, no centro do Funchal. Raramente falhávamos um jogo. Em pequeno, o meu sonho era mesmo jogar, mas acabei por pisar aquele relvado como arquiteto e, de facto, é e foi uma grande alegria…

FN – O que procurou privilegiar neste projeto?

PA – Este projeto tinha três objetivos principais. O primeiro era que fosse um estádio moderno, multifuncional e comercial, e adaptado aos nossos dias, o segundo é que fosse bem dimensionado, de acordo com a dimensão do clube e da Região – 10.000 lugares. Finalmente, pretendíamos manter o maior número de referências e características do velhinho Cadeirão dos Barreiros de que eu tanto gostava. Os portões norte, a cor verde, e a implantação/orientação (paisagística) foram possíveis de manter, assim como muita da cantaria utilizada nas bancadas antigas do Estádio.

Estádio dos Barreiros

FN Mas porquê bancadas a toda a volta incluindo no antigo setor conhecido por peão?

PA – Costumo responder a essa pergunta com esta história. O grande arquiteto Óscar Niemeyer concorreu em 1950 para o projeto do mítico Maracanã no Rio de Janeiro. Ele fez um belo projeto juntando todos os espetadores de um lado abrigados do sol, deixando o outro lado vazio. O projeto foi recusado e foi construído o que todos conhecemos, com bancadas a toda a volta. Mais tarde o famoso arquiteto compreendeu que a decisão de perder o projeto foi acertada, já que o clima de festa próprio do Futebol só é possível em Estádios com bancadas a toda a volta, tal como são quase todos os Estádios Ingleses e, agora, o nosso Estádio dos Barreiros.

FN – Passou muitas vezes pelo estádio?

PA – Ia ao Estádio com a regularidade em que o Marítimo jogava. Conhecia todos os seus cantos, as virtudes e os defeitos, as casas de banho diminutas, os bares, o peão onde se via o futebol em pé e com o sol de frente, a central com a cobertura para muito poucos, as cabeceiras onde se via o campo a grande distância. Cheguei a ver os jogos em todo o lado, até mesmo na pequena tribuna, sem qualquer dignidade para o efeito. Mas, muito importante na conceção do Estádio foi o facto de eu conhecer muito bem as acessibilidades, já que me deslocava para lá de variadíssimas maneiras: de carro, de autocarro desde a Avenida do Mar e, como já disse,  mesmo a pé.

FN – Quando é que percebeu o que tinha de ser feito?

PA – Durante todos estes anos, o futebol evoluiu muito e os estádios modernizaram-se e adaptavam-se aos novos desafios – televisão, publicidade, marketing e até a imagem dos atletas –  tornaram-se mais confortáveis, cobertos, com bancadas mais próximas do campo de jogo e com melhor visibilidade do terreno de jogo. Nos Barreiros, era o contrário. A pista de atletismo tinha aumentado e as bancadas ficaram cada vez mais longe do campo, as cadeiras eram de má qualidade, ou seja,  as condições degradaram-se de tal forma que os adeptos começaram a não ir assistir aos jogos (obviamente, também, por causa da proliferação  de clubes de futebol na Madeira a jogar em campeonatos nacionais, à mesma hora que o Marítimo, que podiam ser vistos pela televisão). Na altura do Campeonato Europeu em Portugal, penso, que todos os madeirenses perceberam que seria necessário intervir no Estádio dos Barreiros, não da forma como foi feito no continente, mas remodelando o Estádio de forma inteligente.

FN – O Estádio dos Barreiros tinha como um dos grandes trunfos o facto de permitir observar o anfiteatro do Funchal. A ideia foi mesmo romper com o passado ou existiram alguns obstáculos à sua ideia?

PA – A ideia é minha e não houve qualquer obstáculo na conceção de todo o projeto do Estádio. Mas a vista sobre o anfiteatro foi e é um dos grandes trunfos do Estádio dos Barreiros e foi uma das nossas maiores apostas, até em termos comerciais, senão vejamos:

  1. No estádio antigo, o anfiteatro era observado apenas por quem ficava na parte superior da bancada central (TV, jornalistas, tribuna e sócios de central) e da cabeceira sul. Quem ficava no peão ou na cabeceira norte nada via do anfiteatro.
  2. Agora, com esta remodelação, todos terão a possibilidade de observar o anfiteatro do Funchal, os mesmos que verão o jogo na parte superior da nova central que ainda não esta construída – imprensa, TV, camarotes, tribuna – e quem for para as bancadas norte, sul e nascente, já construídas que terão a oportunidade de observar o anfiteatro antes do inicio dos jogos, nos intervalos e no final dos jogos, até porque estas bancadas são servidas por um amplo terraço onde estão as casas de banho, os bares e as zonas de convívio com uma vista soberba para o anfiteatro.
  3. As zonas para exploração comercial (espaços para lojas, restaurantes, camarotes, escritórios etc…), quer na bancada nascente já construída, quer na bancada central, em construção, foram concebidas exatamente para usufruir do nosso magnífico anfiteatro. Uma prova do que afirmo, é que no dia do final do ano de 2014 o Estádio dos Barreiros foi utilizado por muitos estrangeiros e locais para observação do fogo-de-artifício e que foi um verdadeiro sucesso, devido a excelência da vista sobre o anfiteatro do Funchal.

Todavia, penso, que essa perceção, errada do meu ponto de vista, resulta da obra da central ainda não estar executada e da paragem prolongada. Com a obra concluída, todos perceberão que o fator vista panorâmica foi aproveitado ao máximo, do ponto de vista comercial.

Apenas um pequeno aparte: quando o jogo está a decorrer, penso que  quem está no Estádio e gosta de futebol não se importará de não ver a paisagem. Nos tempos “mortos” e, principalmente, na TV. É, de facto, sempre agradável ver a paisagem e isso irá acontecer, certamente, com a conclusão da obra da bancada central.

FN- O que é que este projeto tem de diferente dos outros que já efetuou?

PA – A diferença é mesmo o facto de intervir num estádio de futebol – desporto de que sou adepto incondicional – de ser do Marítimo, clube de que fui atleta e sócio há quase 30 anos, num local “especial” que conheço e frequento há 40 anos. E, ainda, por ser um projeto de grande complexidade construtiva e arquitetónica que obrigou à constituição de uma grande equipa de arquitetos (5) e desenhadores e envolveu a coordenação de muitas especialidades, incluindo muitos engenheiros, técnicos e empresas.

Estádio dos Barreiros

FN – Foi o seu primeiro trabalho nesta área, ou seja, reconstrução de campos de futebol?

PA – Não, em 1999 já tinha sido coautor (no atelier PAL) do Complexo do Nacional na Choupana – 1ª Fase –  que foi concebido principalmente para treinos e ainda participei no concurso da 2ª Fase aquando da passagem para estádio. Em Lisboa, cheguei a elaborar uma ideia para a sala de imprensa do antigo Estádio da Luz e neste momento estou a tentar desenvolver projetos nesta área, já que existem centenas de clubes em Lisboa com campos de jogo, mas sem quaisquer infraestruturas condignas, quer sejam pequenas bancadas, balneários ou simples casa de banho.

FN – O que está a ser feito corresponde na íntegra àquilo que projetou para os Barreiros?

PA – Sim, praticamente na íntegra. As alterações que, entretanto, foram introduzidas em obra dizem apenas respeito a adaptações decorrentes do faseamento da obra. Por exemplo, os bancos dos suplentes, os balneários, a tribuna, e a sala de imprensa que foram executados na bancada nascente já construída, serão naturalmente transferidas para a bancada poente (central) aquando da sua construção, cumprindo a legislação da construção de estádios, regulamentado pela FIFA. Algumas cores, de paredes interiores e bancadas foram alteradas mas, de pouca importância, num projeto desta dimensão e desta complexidade.

Estádio dos Barreiros

FN – Trata-se de um processo que foi alvo de um pára-arranca. Falta de verbas e apoios… foi benéfico toda esta indecisão em torno da obra?

PA – Acho que foi muito mau para todos, mas parece-me que as coisas vão a tempo de se comporem já que o Estádio, quanto a mim, será um sucesso, quer no plano desportivo como comercial, e o grande beneficiado será mesmo o Clube Sport Marítimo.

FN – A segunda fase só agora arrancou, dentro dos moldes previstos?

PA – Tudo indica que sim. Esta fase engloba a bancada principal (central), e irá receber os balneários principais, os camarotes, a imprensa, a tribuna e um restaurante, no último piso, com uma soberba vista sobre o anfiteatro do Funchal. Em número de espetadores, esta bancada não é muito importante. São apenas mais 2.500 espetadores, para juntar aos cerca de 7.500 que já estão em funcionamento.

FN – Neste momento está no continente, mas no entanto, procura informar-se sobre como está a decorrer a obra e, nomeadamente, já teve a oportunidade de estar no estádio recentemente, em dia de jogo ou noutra situação? Sente orgulho pelo que está feito?

PA – Sim, estou em Lisboa, mas o arquiteto Luís Verga visita a obra todas as semanas e faz um relatório detalhado sobre o andamento da mesma. Trocamos ideias e transmitimos, quer ao dono da obra (C.S.M), quer à fiscalização, quer ao construtor TECNOVIA-ZAGOPE – que, por sinal, está a fazer um belo trabalho – as nossas ideias. Já assistimos a vários jogos, e, mais recentemente, o Arq. Luís Verga assistiu ao jogo com o Benfica onde teve a oportunidade de verificar algumas falhas que poderão ser corrigidas futuramente. Estamos muito contentes com o que estamos a ver, mas vamos esperar o final da obra, a opinião dos utilizadores e a sua plena utilização para fazermos um balanço final. Ficaria muito satisfeito se o estádio estivesse sempre cheio. Seria a prova que o trabalho valeu a pena.

Estádio dos Barreiros

FN – Considera que foi feita a melhor divulgação possível no que diz respeito à associação da obra ao seu autor? Acha que as pessoas estão devidamente informadas sobre a autoria do projeto?

PA – Normalmente na Madeira, e nos últimos 30 anos, ninguém se importava, nem ninguém queria saber dos autores dos projetos, o protagonismo tinha que ser para os políticos que apoiavam a obras com os orçamentos regionais. Esta situação servia na perfeição. Quando a obra corria bem era dos políticos, quando corria mal a culpa era dos técnicos. No caso dos Barreiros, passa-se exatamente o mesmo. Se a obra resultar num fiasco, a culpa será dos técnicos. Se for um sucesso, os técnicos nem aparecem. Todavia, estou convencido que, a partir deste ano 2015, nada será como antes e a comunicação social na Madeira terá um papel importantíssimo nesta mudança de atitude.

FN – E já agora, o pagamento pelo trabalho feito, está em dia?

PA – Relativamente a esse assunto, a história é muito longa e muito dolorosa… Envolve famílias, técnicos, advogados, contabilistas, vários tribunais e, principalmente, o clube, empreiteiros, e os serviços de Finanças do Funchal. Espero que, brevemente, tudo se resolva depois de oito anos muito difíceis.