Tribunal de Contas recomenda ao Governo Regional que respeite o Código dos Contratos Públicos quando autoriza retirada de inertes das ribeiras

O Tribunal de Contas (TdC) recomenda à Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas que aplique a disciplina procedimental do Código dos Contratos Públicos em matéria de contratação de serviços de conservação e reabilitação da rede hidrográfica.

A recomendação surge no âmbito de uma Auditoria de Apuramento de Responsabilidade Financeira no âmbito da contratação de serviços de conservação e reabilitação da rede hidrográfica que pode ler aqui  na íntegra.

Na origem do processo esteve uma denúncia apresentada em 2018 por um particular junto do TdC dando conta de eventuais ilegalidades/irregularidades em dois contratos da Direção Regional do Equipamento Social e Infraestruturas da então Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus (atualmente, Secretaria Regional dos equipamentos e infraestruturas) com a aquisição de serviços de equipamento mecânico pesado para remover inertes na Ribeira de São João.

Em causa dois procedimentos lançados em 2017 pela Direção Regional de Equipamento Social e Conservação que autorizou a realização de trabalhos de conservação e reabilitação da rede hidrográfica que incidiram na Ribeira de São João, denominadas pela entidade pública, do seguinte modo:
a)Intervenção 1A/2017, localizada na bacia de retenção da barreira hidráulica contínua no troço superior da mencionada ribeira feita pela empresa Irmãos Abreu Henriques, Lda., no período compreendido entre 2 de maio a 30 de junho de 2017; e
b)Intervenção 1B/2017, localizada na foz da referida ribeira executada pela empresa Fernando & Correia, Ld.ª, no período compreendido entre 6 de setembro e 15 de dezembro de 2017.

Na prática, tratou-se de uma autorização dada a estas duas empresas para retirarem inertes da ribeira sem qualquer contrapartida financeira exigida pela entidade pública.

As intervenções foram viabilizadas pelo então Diretor Regional do Equipamento Social e Conservação, Amílcar Gonçalves.

E a questão era simples, ou as empresas eram pagas pela Região pelo trabalho realizado ou, em alternativa, ficavam com o material inerte recolhido resultante da limpeza/desassoreamento/corte/transporte. A decisão incidiu sobre esta segunda opção.

Contudo, segundo o TdC, pela utilização privativa dos recursos hídricos, a lei obriga os particulares ao pagamento de uma taxa. E isso não aconteceu.

“Ora, no plano do direito constituído, os presumidos encargos para a Região resultantes do depósito
dos materiais recolhidos na dita ribeira, referidos pelo ex-Secretário Regional, constituem uma justificação inaceitável, não só porque as entidades públicas (Secretaria Regional e Direção Regional)
sempre poderiam encontrar no quadro normativo invocado pela própria, designadamente, o DL n.º
226-A/2007 de 31 de maio, solução para este (suposto) problema, em cujo âmbito (de resto) está
prevista a alienação em hasta pública dos inertes extraídos que não sejam depostos nos locais indicados pela autoridade competente para reforço da proteção de margens, praias, etc., que estivessem porventura em desequilíbrio (cf. art.º 78.º n.ºs 3 a 7 daquele diploma)”, refere o TdC.

“Mas também porque não é verosímil que as empresas envolvidas, ambas ligadas à construção civil
e obras públicas, tenham atuado graciosamente ou sem interesse empresarial próprio, não só custeando a despesa com a limpeza da Ribeira de São João, como custeando elas também o transporte do material inerte recolhido (no pressuposto de que este nada valia) e, ainda, o armazenamento desse mesmo material que pouco ou nada lhes serve para o exercício das respetivas atividades”, prossegue.

“Em síntese: a Administração Pública regional estava aqui legalmente vinculada a utilizar o Código
dos Contratos Públicos, ou seja, a fazer um procedimento de contratação previsto naquele Código
para efeitos de adquirir os serviços prestados pelas empresas privadas citadas. Ao não o fazer, cometeu uma ilegalidade; pelo que há o pressuposto da ilicitude (objetiva) para efeitos de eventual
responsabilidade financeira”, revela o TdC.

Esta responsabilidade poderia ser assacada a Amílcar Gonçalves e ao ex-Diretor de Serviços de Hidráulica Fluvial, Sérgio da Silva Lopes mas o TdC decidiu relevar tal responsabilidade financeira de tipo sancionatório imputável a Amílcar Magalhães de Lima Gonçalves e a Sérgio da Silva Lopes

Quanto ao ex-Secretário Regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, Sérgio Marques (até 12 de outubro de 2017) nada disse ao TdC.  A sua responsabilidade limitou-se ao início do procedimento e quando já estava de saída do Governo.

O TdC determinou ainda que o atual Secretário Regional de Equipamentos e Infraestruturas informe a Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, em junho de 2023, sobre quais as diligências efetuadas pela Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas para dar acolhimento à recomendação constante deste Relatório, enviando a documentação comprovativa, nomeadamente cópia dos contratos entretanto feitos para fins semelhantes ou iguais aos das atividades aqui sindicadas e atividades conexas.