As recordações dos nossos “mestres” e do muito que com eles aprendemos

Há dias, em conversa com antigos colegas e amigos desses tempos passados, relembrámo-nos daqueles que quer pelo saber, quer pelas suas atitudes, nos deixaram marcas.
No dia 1º de Dezembro, dia da “Restauração de 1640”, grupos de setimanistas do nosso Liceu do Funchal, de madrugada, percorriam as ruas da cidade dando VIVAS e cantando o Hino da Maria da Fonte, junto à residência dos professores que eles mais apreciavam ou gostavam.
Eram apenas estudantes rapazes, pois as meninas não participavam; lembra-me de ver diariamente duas irmãs da Ponta do Sol, as Vieira da Silva, o Carlos Ornelas Monteiro, os Mendonça (Nélio Mendonça e a irmã Vanda, mais tarde minha colega de turma no Liceu, que se cruzavam comigo, ainda miúda da 4ª classe, a caminho da Escola da Rua da Conceição.
O nosso Liceu e a Escola Industrial Francisco Franco eram na época, e ainda durante muitos anos, os dois únicos estabelecimentos de ensino oficial, de modo que após o “exame de admissão”, os mais bem classificados iam para o Liceu (as “Lesmas” , era a nossa alcunha), e os menos bons, ou porque queriam seguir um curso – a que chamamos hoje “cursos profissionais” iam para a Escola Francisco Franco, a chamada Escola Industrial (as “Especiarias”, eram as alcunhas deles).
Após os dois primeiros anos, tínhamos o exame do 2º ano e então a partir daí o currículo escolar trouxe-nos novas disciplinas e novos professores do Continente.
Recordo o nome e alcunhas de alguns, pois as suas personalidades e atitudes para isso contribuíam.
Em Português, uma das professoras era conhecida por “Foca”; um casal já de meia idade, ele de Físico-Químicas e ela de Francês, eram conhecidos pelo “Sono” e a “Cama”; esse professor, sempre que fazia experiências com ácidos normalmente os tubos de ensaio rebentavam e o sr. Cró, o contínuo, vinha logo em socorro, tal era a confusão que se formava; a esposa vinha sempre com uma pequena carteira debaixo do braço que abria, beijava algo, e então começava a aula a ler e a traduzir e gramática !
Aí, a Susana Popot, cujo pai era francês e professor do E.P., que levava a aula a falar com a colega do lado, ouvia e dizia: “isso está mal”, e corrigia a professora. Tivemos mais tarde outra professora, também de Francês, muito mal-arranjada, que era conhecida por “Parraia”, uma pobre que havia no Funchal; em História veio um professor “o General”, boca à parte, que gostava de estar nos intervalos no alto da escadaria à entrada do Liceu; vieram também duas irmãs professoras, mas completamente diferentes: a mais velha era baixa e usava quase sempre preto como o cabelo, de saltos muito altos, lábios vermelhos e tinha alcunha da “mulher fatal “…
Em Inglês, havia um professor que tinha um ombro descaído e era conhecido por “Guiné”, navio que semanalmente vinha ao nosso porto; e em Latim, havia “o Porco em pé”. A meu pai (Horácio Bento de Gouveia) chamavam “o tio Bento”, era um professor que se aproximava dos alunos e conversava com eles à vontade, pelo que lhe tinham muito respeito…Mais tarde segui o seu exemplo, pelo que em 52 anos em Santo Tirso  deixei em cada aluno um amigo pois sabiam que podiam contar comigo.
Porém, outros professores houve que só de ouvir o nome deles nos assustava, caso do Camachinho, de Matemática, principalmente. Quantos de nós seguimos Letras por culpa dele. Mas havia bons professores, como a dra. Helena Pires de Lima, o dr. Santana Dionísio, o dr. Paulo Ramos, o Padre Maurício (que faleceu de acidente no Estoril), a dra. Alice Gomes, de História, etc.
O nosso Liceu para o tempo era dos mais modernos, com campo de futebol, piscina, esgrima, um grande ginásio, onde havia sessões solenes no início do ano lectivo, récitas e confraternizações.
Havia respeito, disciplina, e as aulas de Lavores e Canto Coral eram um escape às aulas de estudo. Havia ainda umas aulas de estudo com alunos de várias turmas, consoante as dificuldades, sob a vigilância de um professor e que duravam cerca de duas a três horas.
No fim do ano escolar havia sempre uma despedida e, na época da Páscoa, um passeio ao Jardim da Serra, por causa das cerejas e a linda paisagem. Belos tempos, belos passeios.