D. José Tolentino recebe condecoração e aproveita para pedir atenção especial para com a educação e a ecologia

Fotos: Rui Marote

O cardeal José Tolentino Mendonça aproveitou a cerimónia na qual hoje lhe foi concedida uma condecoração na Assembleia Legislativa da Madeira para pedir, na “Casa da Democracia” e aos legítimos representantes do povo madeirense, que não descurem dois aspectos, antes pelo contrário, lhes concedam primazia, nomeadamente a educação e o cuidado do meio ambiente.

 

A causa da educação, disse, merece um cuidado especial, nomeadamente a qualificação do ensino, do pré-primário ao universitário. Fortalecer todos os aspectos educativos é algo de muito importante, advogou, salientando que não seria o mesmo homem sem os livros que leu, os professores que teve, as oportunidades de aprendizagem que lhe foram concedidas. Só assim, declarou, a cultura se pôde ir nele sedimentando com o passar do tempo. “O nosso maior recurso é sempre o humano”, sublinhou.

Por outro lado, e exaltando a “intensidade telúrica” da Madeira, com a sua floresta Laurissilva, as suas fajãs e encumeadas, pediu que a natureza seja protegida e cuidada, apelando a uma consciência ecológica mais activa, na senda do que defende o papa Francisco, que preconiza que a Humanidade não deve considerar a natureza uma mera “moldura da nossa vida”, mas algo de que efectivamente fazemos parte.

D. José Tolentino referiu sentir-se pequeno perante a distinção de que foi alvo na ALRAM, pois certamente “tantos outros dos nossos concidadãos provavelmente a mereciam mais do que eu, pelos seus feitos nas diversas áreas do saber ou da vida pública e pela sua dedicação à nossa terra”, na qual considerou não faltarem “eminentes valores, nem gente que se distinga pela força do seu pensamento criador (…)”.

Para o orador, “o verdadeiro heroísmo não está na maior parte das vezes nos brilhantes pontos de chegada, mas sim nos pontos de partida de cada história. O importante não é talvez perguntar onde é que tu chegaste, mas sim reconhecer de onde é que o outro partiu ou está a partir. É que nem todos os pontos de partida são iguais, e há passos que parecem invisíveis de tão discretos, mas que significam uma riqueza humana extraordinária”.

“Se olho para estes meus 54 anos de vida, sinto que fui sempre muito privilegiado”, reconheceu, “e isso dá-me, em ocasiões como esta, um sentido agudo, quase doloroso, da minha responsabilidade (…)”, salientou. “Eu tenho uma grande admiração pelo heroísmo anónimo, o heroísmo das vidas simples, das vidas amarradas a sofrimentos incalculáveis, e que mesmo assim não desistem. O heroísmo dos que dedicam a sua existência a cuidar dos outros, dos que não podendo mudar o mundo, não deixam porém de fazer a sua parte (…)”.

“(…) cada um de nós é uma obra dos outros, e é fruto de uma longa e polifónica genealogia. Quantas gerações de falantes de uma língua são necessárias, por exemplo, para fazer um escritor?”, interrogou-se.

Lembrando as gerações que o antecederam, afirmou que é impossível não as recordar com gratidão, “não sentir que faço parte de uma história coral, e que o mais importante da vida é receber e passar o testemunho”.

Dizendo orgulhar-se muito da Madeira, referiu: “Eu é que sou devedor”, declarou, considerando a condecoração que lhe entregaram “uma grande honra”.

À sua chegada, D. José Tolentino Mendonça foi recebido com cânticos interpretados pelo Coro de Câmara da Madeira. Curiosamente, porém, não foram interpretados hinos, nem o nacional nem o da Região. A preceder a entrega da medalha e a alocução alusiva do recipiente da mesma, o presidente da ALRAM, José Manuel Rodrigues, proferiu um discurso no qual exaltou o percurso académico, cardeal e clerical do cardeal madeirense, que, considerou, honra a Região, e traçou o panegírico da sua vida e obra. “Os seus diálogos com o mundo da cultura e das artes em Portugal, através da sua poesia e das suas crónicas, e das suas interacções com os criadores, abriram novos caminhos à igreja portuguesa, e fizeram com que muitos regressassem à fé e que outros vissem de outra forma os Evangelhos. Tem Vossa Eminência  a árdua tarefa de transpor para toda a Igreja essa abertura e essa modernidade que não pode ser confundida com relativismo ou hedonismo, pois é tão somente voltar às origens de uma Igreja que sabe estar com quem cria e com quem sabe, mas que também sabe levantar do chão os que sofrem e os que ficam na ultraperiferia do desenvolvimento”. Aliás, seria nota marcante na alocução de José Manuel Rodrigues a lembrança dos menos afortunados, que têm de ser incluídos e não enjeitados.

Considerando que José Tolentino Mendonça corporiza “a cultura do encontro de que tanto fala o papa Francisco, da necessidade olhar o outro, mesmo o não crente, não como um estranho ou como mais um, mas como alguém que precisa de ser ouvido mas com quem se pode aprender e conviver”,  o presidente do parlamento madeirense considerou o hoje condecorado capaz de ser um dos mestres necessários à época contemporânea, capazes de fazer uma síntese do conhecimento e dos valores e de nos alertaram para o que verdadeiramente importa.

Deixando uma nota para eventuais reacções anticlericais, José Manuel Rodrigues disse poder existir quem entenda nesta homenagem oficial a um vulto da Igreja Católica algo de menos apropriado por parte de um órgão legislativo, mas sublinhou que o Estado português pode ser laico, mas o seu povo não o é, perspectiva que alongou fazendo um amplo elogio da acção da Igreja em áreas como a Saúde ou a Educação na Madeira, sem esquecer quão pobres seríamos sem o património religioso que a Região tem hoje em dia para mostrar.

A ALRAM previu, conforme o FN referiu já noutro artigo, 250 lugares cobertos no exterior da Assembleia, para quem quisesse assistir, sentado, à cerimónia, através de écrans. Porém, e conforme constatado pelo nosso repórter fotográfico, faltou o interesse da parte da população, já que grande parte desses mesmos lugares foram deixados “às moscas”.