Ricardo Vieira diz que “a direita está encolhida”, não vê objetivo no discurso do PSD e tem a certeza que Cafôfo vai “além do próprio PS”

Ricardo Vieira
“Não se faz política na Madeira dizendo só que a culpa é do Costa. Então, se a culpa é do Costa, está resolvido o problema, arranjamos um amigo do Costa e pronto”. Foto Rui Marote

Ricardo Vieira, advogado, esteve doze anos na liderança do CDS Madeira, foi cabeça de lista por três vezes, em 1988, 1992 e 1996. Primeiro, foi deputado sozinho, depois subiu os resultados, chegou a eleger três parlamentares na Assembleia Regional. Um homem que fez dos valores a base das suas candidaturas e das suas lideranças, considerava ser esse o caminho do futuro, ainda acha que sim, uma “bandeira” que levou até onde foi possível, até ao momento em que a política e a partidarização dessa mesma política permitiram. Um dia, sem abdicar dos seus princípios, saiu quando considerou que era essa a melhor opção para bem do partido. O CDS subiu, o que lhe dá o “direito” de dizer que fez bem ao tomar essa opção. Não é líquido que a subida fosse apenas por esse motivo, mas é sua convicção, e isso chega.

É verdade que estou desencantado com a política

Não esconde uma certa “desilusão”. Com a política e com os partidos. Mas salvaguarda que aquilo que sente é, em primeiro lugar, “gratidão”. Diz que aprendeu muito com a política, conheceu muita gente e do ponto de vista profissional “trouxe-me muito, foi útil. Fiquei a conhecer a Madeira, não há sítio que não conheça, contactei com milhares de pessoas”. Essa “gratidão” convive com o desencanto, admite sem reservas, diz que “de alguma forma, é verdade que estou desencantado com a política”.

Explica melhor o que sentiu, o que sente. “Desencantei-me quando saí de líder do CDS, atendendo a que o partido não estava a registar o crescimento que merecia e, de certa forma, achei que era eu quem estava a atrapalhar esse crescimento. E fiz bem porque o CDS cresceu nas eleições seguintes”. De desencanto em desencanto foi uma questão de tempo, era mais do que previsível em função do desenrolar de determinados acontecimentos. Aconteceu, de alguma forma, da primeira vez, voltou a acontecer mais tarde, nova desilusão na segunda fase, quando foi deputado na liderança de Lopes da Fonseca, passava o ano de 2017, diz mesmo que “talvez aí o desencanto tenha sido maior, a política entretanto mudou muito”. Acabou mesmo por renunciar ao cargo de deputado. “A renúncia é a atitude necessária de desapego a quem sente este desconforto face à sua consciência”, disse na altura.

Pensava que ia ser uma renovação além do trato

Hoje, olha a anunciada renovação no PSD como sabendo a pouco em termos de projeção política da Madeira. Era a expetativa que tinha, estávamos no ano de 2015 e Jardim dava lugar a Albuquerque. O PSD era o partido que desde sempre governou a Madeira com a marca do jardinismo. Ricardo Vieira pensava uma coisa e saiu outra, era inevitável juntar, também isso, à desilusão. “Pensava que ia ser uma renovação que fosse além do trato, que fosse também de reflexão, de debate, de liberdade de expressão e de pensamento sobre o futuro na Madeira, factores que tinham sido trucidados pelo jardinismo. Os Açores, neste aspeto, dão-nos cartas. Julgava que, com Miguel Albuquerque, essa alteração iria dar-se naturalmente, mas não, não foi isso que aconteceu”.

Ricardo Vieira
“Falta uma reforma interna na Assembleia Regional, que sempre recusou fazer. Falamos que é preciso acabar com o Representante da República, mas a principal reforma era da Assembleia”. Foto Rui Marote

Assembleia Regional com produção diminuta

Mas há ainda um outro aspeto que Ricardo Vieira aponta e que até considera como “o mais preocupante”, a produção legislativa da Assembleia Regional. Lembra o objetivo de um Parlamento, fazer leis e trazer cá para fora regimes jurídicos adaptados à Madeira e que, de alguma forma, defendessem a Região daquelas que são as normas nacionais e europeias, que muitas vezes são pensadas noutras circunstâncias e noutras realidades que não as nossas. Acontece que a produção legislativa da Assembleia Regional é diminuta, diria até que nestes quatro anos a produção foi inferior, relativamente a Legislaturas anteriores. E a verdade é que a Assembleia da Madeira transformou-se em duas coisas, uma em espaço de discussão puramente política e outra de oposição a câmaras municipais ou ao governo de Lisboa, quando deveria assumir, prioritariamente, um papel de defesa dos nossos interesses. Confesso que, para mim, foi uma desilusão enorme”.

Falta uma reforma interna na Assembleia

As razões que levam a que este contexto subsista prende-se, na perspetiva de Ricardo Vieira, na falta de um quadro técnico que “prepare, estude e faça comparações, que forneça aos deputados elementos fundamentais para que eles possam legislar, isso nunca foi feito. Mais, falta uma reforma interna na Assembleia Regional, que sempre recusou fazer. Falamos que é preciso acabar com o Representante da República, mas a principal reforma era da Assembleia, que não foi feita”.

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Admite, quando colocado perante a questão, que a falta de preparação de alguns deputados pode ser, também, um factor que pesa nessa falta de produtividade. “Pode ser, realmente a Madeira não é muito rica de quadros técnicos preparados para a política”. E é “socorrendo-se” da memória que recorda um escrito no manual de direito administrativo de Marcelo Caetano, que provocou uma polémica por considerar que a Madeira não conseguia criar juntas de freguesia porque não tinha gente preparada, por isso tinha os regedores. Se calhar não é mentira, se calhar essa falta de preparação ainda hoje se sente. Estuda-se pouco e a maior parte das leis representam meras adaptações, prefere-se a linguagem de café. E não é isso que traz mais valia às populações”.

Partidos tornaram-se fonte de empregos, de favores

Fala da dialética partidária como “essencial”, mas considera que “os partidos tornaram-se em instituições que viciam este regime. Repare os alertas feitos, até pelas instituições europeias, sobre a corrupção. Consideram que uma das principais causas da corrupção está no funcionamento dos partidos. E é preciso fazer uma grande reforma, é claro que os partidos não querem, tornaram-se fontes de emprego, de favores, ali está a canalização precisa de interesses, é muito mau para democracia e para os partidos. Senti-me desiludido com esse funcionamento”.

Desiludido também com o seu CDS? “Claro que sim, o CDS não está excluído. São todos. O que se passa nos partidos é um mundo à parte, ninguém controla as decisões. Não deveria ser assim”.

Para Ricardo Vieira, há também um outro problema do ponto de vista ideológico. Diz que “a direita está encolhida, o PSD e o CDS. A direita demitiu-se de sugerir coisas. Dá exemplo: “Quem trouxe o debate sobre as questões ambientais em Portugal, foi a direita. E a direita, hoje, não fala disso”, Afirma que “está tudo muito igual, vão atrás das mesmas questões, parecem cordeirinhos, atrás da espuma das notícias. As questões de valores, de fundo, não são discutidas. Tenho pena que os partidos à direita não liderem o debate político. Não se projeta a Madeira apenas dizendo mal de Lisboa ou das câmaras que são da oposição. Não se faz política na Madeira dizendo só que a culpa é do Costa. Então, se a culpa é do Costa, está resolvido o problema, arranjamos um amigo do Costa e pronto”.

CDS deixou-se ficar num papel secundário

Defende que os partidos devem olhar o futuro de forma inovadora, virados para a “malta nova”, que se afasta muito da política mas tem perspetivas para a Madeira muito interessantes, olham para nichos de desenvolvimento mas não têm espaço na sociedade. E acabamos por viver, cada vez mais, numa sociedade assistencialista, dependendo muito dos governos. Isto é um desastre. E quando falamos disso, os políticos à direita são frouxos, não entendo isto”.

Chegámos a estas eleições com um cenário previsível de bipolarização, de um lado Albuquerque, do outro Cafôfo. Ricardo Vieira vê o papel do CDS Madeira, de potencial “fiel da balança”,  e diz que “a meu ver, deixou-se ficar num papel secundário, quando é hoje o terceiro maior partido. O CDS continua a falar que aquilo que é preciso acabar é com maioria absoluta para ver se consegue coligar-se com alguém. Acho que o CDS deveria ser um partido de causas e não um partido de aritméticas. Mas é o que é”.

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“Acho que o CDS deveria ser um partido de causas e não um partido de aritméticas”. Foto Rui Marote

Falar de coligação ou de entendimentos parlamentares, uma realidade cada vez mais previsível nos resultados das eleições de 22 de setembro, traz para debate, agora, a possibilidade do CDS ascender ao poder. Ricardo Vieira coloca o problema em dois patamares. Por um lado, o CDS foi muito maltratado pelo governo durante estes anos, não os mais recentes mas num passado, criando alguma relutância relativamente a um eventual acordo com o PSD. Além disso, não estou a ver o Dr. Paulo Cafôfo, com a coligação que teve na Câmara e com o entendimento que o PS tem na governação nacional, vir na Madeira a dar a mão ao CDS para ir para o Governo. Não estou a ver isso. Nem estou a ver o CDS aceitar isso. Acho que o melhor ainda seria um acordo parlamentar, que viabilizasse algumas das causas principais que o partido deveria ter para as eleições, causas essas que infelizmente até agora, ainda não vi claramente assumidas. Há coisas importantíssimas que o CDS deveria fazer”.

Diz que esta solução de liderança encontrada pelo CDS “não é clara”, mas também não considera que seja um problema, diz que “mais importante teria sido o CDS adotar procedimentos de abertura, transparência e de participação, que cheguei a sugerir em estatutos que deitaram no lixo. Não é uma questão de pormenor, é dar a importância aos militantes e tornar os partidos transparentes. Essa é uma das tais reformas necessárias.

Albuquerque está a fazer um regresso ao jardinismo

Vê Albuquerque de uma forma muito clara, “está a fazer um regresso ao jardinismo da primeira fase. O discurso assenta no inimigo externo, é capaz de mobilizar algumas pessoas, mas na prática não vejo nada de novo sobre questões importantes, como Saúde, transportes, que possam corresponder aos anseios da nossa população. O problema do PSD é de projeto, está à porta da Quinta a defender o que está dentro quando deveria era sair da Quinta. Pode dar votos para quem está dentro da Quinta, mas não dá para os que estão fora. E o PSD liderava o debate político. O Dr. Alberto João tinha um objetivo, dizia-o e motivava. Hoje, não vejo objetivo no discurso do PSD”.

E o que vê em Paulo Cafôfo? “Vejo que tem na manga dinheiro e apoios de Lisboa. E tem uma coisa importante, que é dizer “eu trago a mudança”. E para muita gente, a Madeira precisa de mudar. Eu ainda acreditava que a direita pudesse ser esse motivo da mudança, mas agora não acredito, neste momento não é, fechou-se, está mais preocupada em defender o que tem do que propriamente dar o salto em frente. Tenho receio que esse discurso não vença”.

PS parece-me um pouco dividido

Concorda que Paulo Cafôfo “vale mais do que o PS, sem dúvida. O PS parece-me um pouco dividido. E passou-se uma coisa curiosa nas europeias, em que o militante do PSD foi votar e alguns militantes do PS não foram, porque a candidata socialista já estava eleita e porque não reunia o consenso que a candidata do PSD detinha. Há um certo PS que não está totalmente conciliado com esta solução diretiva, mas o Dr. Paulo Cafôfo pode ter o mérito de ultrapassar essa situação indo além do próprio PS. Tenho a certeza que isso vai acontecer”.