Já é tempo da Madeira ter um secretário regional ligado à diáspora, alerta o conselheiro das comunidades na África do Sul José Nascimento

José Nascimento
José Nascimento diz que o programa do Conselho da Diáspora apareceu feito sem intervenção dos conselheiros e considera que há pouco tempo para explanar os assuntos importantes. Foto Rui Marote

A diáspora está com um grave problema de representatividade em Portugal. Tanto no todo, o País, como na parte, a Região, o problema é o mesmo. Sem ministro, sem secretário regional, apenas com departamentos que são “manifestamente insuficientes” para defender os interesses de quem está lá fora. E isto porque, quem está cá dentro, na maioria das vezes, “não conhece, em profundidade, os problemas reais, por isso não pode dar resposta adequada”. Os deputados “são escolhidos em Portugal, ninguém os conhece nas comunidades. Depois admiram-se da abstenção elevada. Pudera…”. Estamos a falar daqueles a que habitualmente damos o “rótulo” de emigrantes, desde sempre, mas que José Nascimento, advogado, conselheiro na África do Sul, prefere chamar madeirenses não residentes. Que querem mais, muito mais.

Pai do Funchal, mãe de Machico

José Nascimento, 59 anos de idade, nasceu na África do Sul, filho de pai do Funchal e mãe de Machico. Casado, pai de duas filhas e uma carreira no Direito que lhe confere uma notoriedade inigualável no contexto do País de acolhimento, com acesso direto aos mais altos representantes do ANC, partido no Governo, membro de uma aliança entre gregos, cipriotas, italianos e portugueses, homem de causas, advogado de grandes casos, alguns deles mediáticos. Uma figura incontornável na vida sul-africana, reconhecido e respeitado na extensa comunidade portuguesa, em geral, madeirense em particular, naquele país de vida, tantas vezes de bandeira, também portuguesa.

Programa do Conselho da Diáspora apareceu feito

Está na Região para participar no Conselho da Diáspora Madeirense, que a 30 e 31 de julho, reúne no Funchal. Veio antes para estar presente na inauguração do memorial a Nelson Mandela, na Praça do Povo. Quando estiver sentado e puder falar, leva as preocupações de quem representa. Sabe que será difícil chamar todos os assuntos candentes para cima da mesa, está consciente disso e até pensa que os temas, que lhe dizem para abordar na terça-feira aquando da reunião com o Governo, bem poderiam ser enquadrados no primeiro dia, que efetivamente é o do plenário, no Pestana Casino Park. “Temos no primeiro dia, uma hora para plenário, não chega nem para tocar nos assuntos. O segundo dia será mais útil. Dizem que os assuntos a sério discutem-se no segundo dia, mas no entanto o plenário é no primeiro dia.” O segundo dia será já em contacto direto com Miguel Albuquerque, na Assembleia Regional.

josé nascimento
O advogado, um dos representantes da comunidade na África do Sul no Conselho da Diáspora, esteve presente, com a esposa, na cerimónia recente de homenagem a Nelson Mandela, na Praça do Povo. Foto Rui Marote

Encolhe os ombros quando questionamos sobre o programa. Quem fez, como fez, que contributos deram as comunidades e seus conselheiros, se foi ou não articulado. Diz que não, fala por si, o programa apareceu feito. “O programa foi preenchido por outros artigos e questões sem que expresse qualquer intervenção por parte dos conselheiros”.

Quatro deputados representam 5 milhões

Reconhece aquilo que chama de “política de marketing”, entabulada pelos governos, central e regional, no sentido de estabelecer uma maior aproximação às comunidades. Mas também diz que “faltam aspetos muito básicos que devem ser colmatados”. Aponta aquele que considera mais “gritante”, a “falta de representatividade nos orgãos políticos em Portugal”. Basta recordar quem representa os não residentes, lembra que “são quatro deputados responsáveis pela representação de cinco milhões de pessoas. Dois pela Europa e dois fora da Europa. Nem sequer conseguem tocar no cerne dos problemas das comunidades. Ainda por cima são eleitos em Lisboa quando deveriam ser indicados e eleitos pelas comunidades. Que resultado estão à espera? Estamos a eleger pessoas que nem conhecemos”.

Falta de representação nas ilhas ainda é pior

José Nascimento sabe que muitos vão dizer que os não residentes também não demonstram interesse pela vida política em Portugal e estão mais empenhados na vida do país de acolhimento. Mas também não é isso que está em causa, falo apenas por uma questão de igualdade. E digo mais, as comunidades deveriam ter outro peso na escolha do próprio secretário de Estado que tem a tutela das comunidades em vez de ser uma escolha que muitas vezes obedece a critérios dos partidos políticos sem ter em conta o que efetivamente está em causa”.

Relativamente às ilhas, desabafa que “ainda é pior porque não há qualquer representatividade. E existem mais madeirenses fora do que aqueles que cá vivem. E não há um único deputado que represente as comunidades. Devo dizer que já é tempo da Madeira ter um secretário regional especificamente ligado à diáspora. Pelo número de pessoas e pela componente económica que representam para a Madeira, mexem com vários setores. Além disso, era uma prova que o Governo dava no que toca à dignidade representativa das nossas comunidades”.

Não nos dão muito valor nem dignidade”

José Nascimento, um dos conselheiros na África do Sul, diz que sem um ministro e sem um secretário regional, a ideia que passa é que “não nos dão muito valor nem dignidade”, dizendo claramente que o sentimento vigente nas comunidades é que parece que em Portugal “só querem o nosso dinheiro, o nosso investimento. Pouco mais interessa. E repare que este sentimento ocorre de pessoas que investem em Portugal e pagam impostos em Portugal sem beneficiarem das instituições e dos serviços em Portugal, quer de Educação como a Saúde”.

O aparente paradoxo, entre a falha interna no estatuto a dar às comunidades e a (quase) permanente “sede” de fazer deslocar delegações nacionais e regionais aos países onde se encontram emigrantes, portugueses não residentes, constitui para o nosso entevistado “uma situação que, na maior parte dos casos, surge como uma tentativa de “marketing”.

E o Banco de Portugal? Onde andava?

Além da representatividade, as comunidades têm, para com o País, uma reserva muito acentuada. Nas instituições, nos políticos. Todas as questões ligadas à “queda” do BPN e do BES acabaram por prejudicar milhares de não residentes, “que perderam o seu dinheiro, para não dizer que foram roubados. Lembro-me que os Bancos enviavam pessoas à África do Sul, aliciavam os não residentes em Portugal para investimentos em produtos, mas não informavam, sei o que digo, sobre os riscos que esses investimentos representavam. Depois, as instituições bancárias desculpam-se com desastrosos investimentos em empresas que faliram. Então os Bancos não eram geridos por gente que parecia responsável? Essa gente não sabia onde estava a investir? Os investimentos foram só em empresas que faliram? É estranho. E o Banco de Portugal onde andava? Que fiscalização fez?”

Casos BPN e BES devem ser resolvidos politicamente

José Nascimento endurece o discurso quando fala deste assunto, sabe que muitos emigrantes perderam muito. E tem dificuldade em entender a falta de atuação dos Governos e das instituições de fiscalização. Por isso, não tem dúvidas em apontar o dedo a quem governa: “Isto já não tem a ver com os Bancos, isto tem a ver com política. Os emigrantes devem ser ressarcidos das verbas que perderam no BPN e no BES, mas essa deve ser uma decisão política para safar a falta de atuação do Governo. Lembro-me de Passos Coelho e Cavaco Silva dizerem que estava tudo bem com o setor da banca em Portugal e um mês depois rebentou o BES. Ou estavam a mentir ou estavam mal informados e alguém deveria ter sido responsabilizado. As pessoas não podem perder poupanças de uma vida devido a jogadas político/bancárias”.

Pessoas não estão seguras nem dentro das casas

A violência é um dos pontos sempre “quentes” quando se fala da África do Sul. O conselheiro José Nascimento diz que, hoje, “a situação continua complexa em termos de violência”. Diz que “o maior problema é que se trata de um crime violento, em que as pessoas não estão seguras nem dentro das suas casas, o que é preocupante”.

Revela que há muitos madeirense e luso-descendentes que têm vindo a abandonar a África do Sul, “até para prejuízo do próprio país de acolhimento”, uma vez que “os que saíram e continuam a sair, são quadros que se perdem, uma vez que para terem entrada noutros países devem ter categorias que fazem falta à economia sul-africana ou terem capacidade de investimento”. Ainda acredita, no entanto, na capacidade do presidente sul-africano Cyril Ramaphosa para inverter este ciclo.

Eliminem a burocracia nas equivalências

No Conselho da Diáspora, está disponível para lançar um outro alerta às entidades: “Eliminem grande parte da burocracia para que as mais valias possam vir para Portugal. Facilitem os reconhecimentos e as equivalências académicas aos filhos dos não residentes. Essa burocracia sem sentido, que existe em Portugal, afasta gente com qualidade”.