Fortaleza do Pico vai abrir com sala de exposições e cafetaria

Fortaleza do PicoA Fortaleza do Pico de São João Baptista será alvo de um processo de reabilitação com vista à sua abertura ao público. A intervenção está a ser planeada pelo Governo Regional e passa, numa primeira fase, pelo funcionamento de uma sala de exposições e cafetaria de apoio.

Rui Carita, investigador e especialista em património militar, não é porém tão otimista quanto ao destino a dar a um edifício daquela natureza. “A entrega de uma fortaleza é o pior veneno que se pode dar à Região”, alerta.

 

A Fortaleza do Pico tem estado de portas fechadas, mas o novo Governo Regional está apostado em tornar o espaço, composto pela cidadela, o espaço exterior e o portal de acesso, com um total 6.296 m2 de área, numa alternativa de lazer e cultural na cidade.

Os trabalhos de requalificação começarão pela primeira praça e vão estar a cargo de três entidades distintas. A Direção Regional da Cultura ficará com o conceito inerente à intervenção, enquanto que à Direção Regional de Edifícios Públicos caberá a execução dos trabalhos no edificado e à Direção de Florestas os arranjos dos jardins.

“A ideia será reabilitar a primeira praça da Fortaleza, oferecendo assim melhores condições a quem visita o monumento e procura a extraordinária paisagem que de lá se avista”, explica o gabinete de Sérgio Marques, o secretário regional que tutela os edifícios sob o domínio público.

fortaleza do pico

O FN apurou que a intervenção englobará a reabilitação das instalações sanitárias, de uma sala de exposições e de uma pequena cafetaria de apoio. Ao nível do edificado, serão intervencionados os alçados principais e algumas paredes das muralhas, bem como a entrada principal.

Relativamente ao restante espaço, nomeadamente ao edificado da segunda praça, explica a Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, ainda não existem ideias concretas e com a consistência necessária para a respetiva divulgação.

“Quando houver lugar a uma intervenção, esta deverá ser de âmbito geral e deverá abranger igualmente as muralhas exteriores”, esclarece a fonte oficial.

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(Paulo Dias de Almeida – 1804)

 

Demora agrava degradação

 

A verdade é que a definição de soluções para a Fortaleza do Pico, após a sua transferência para a tutela da Região, em meados do ano passado, não tem sido consensual nem fácil. O edifício centenário, de matriz militar, tem estado fechado, sem qualquer função específica, desde a saída dos militares.

O anterior executivo ainda ensaiou uma alternativa, lançando um concurso público de conceção para a reabilitação e revitalização da Fortaleza. No entanto, as propostas ou “ideias” apresentadas por dois concorrentes acabaram por ficar pelo caminho.

Mas a demora não tem jogado a favor daquele monumento, classificado como Imóvel de Interesse Público. Falta de manutenção e atos de vandalismos agravaram entretanto o estado da edificação.

Para além do desmantelamento da capela, em 1940, os edifícios lá existentes funcionaram durante muito tempo como quartel e messe, apresentando sérios sinais de degradação já que as últimas obras de fundo remontam às décadas de 50/60.

 

Processo complicado ideologicamente

 

Além disso, as características do imóvel, construído para fins militares há cinco séculos, não facilitam a sua reconversão nem requalificação. Ou seja, qualquer intervenção será sempre onerosa e complicada, técnica e ideologicamente falando. Rui Carita, especialista com doutoramento na área da “Arquitectura Militar na Madeira, Séc. XVI a XIX”, é bastante frontal quanto a esta matéria.

“A entrega de uma fortaleza é o pior veneno que se pode dar à Região”, sintetiza. “Eram para defesa, logo são grandes, fortes e brutas, construídas para albergar homens novos que viveram há 500 anos. Uma dimensão completamente diferente da atual. Instalações sanitárias são o mínimo possível e, dada a sua natureza, é um local inacessível.

Lembro que a Fortaleza do Pico tem como único acesso um beco e nas suas costas um bairro, o que impossibilita qualquer reaproveitamento futuro mais ou menos lógico do espaço para outros fins. Por outro lado, a sua reabilitação é igualmente um processo complicado do ponto de vista ideológico, pelo facto de não se saber o que se pretende para o espaço, qual a função a dar-lhe”.

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James Bulwer – 1827

 

Falta projeto com pés e cabeça

 

Na opinião do especialista e professor catedrático, qualquer intervenção estará também condicionada pela posição estratégica da fortaleza na fisionomia da cidade, não se podendo construir para além do nível visual do edificado existente.

A sua afetação a espaço público, com áreas de restauração e esplanada, seria o mais lógico no âmbito de um projeto visando a sua rentabilidade. No entanto, tal só será viável, adverte Rui Carita, se forem criadas novas formas de acesso ao interior da fortificação. “Passará sempre pela criação de novas entradas, a norte, talvez por túnel ou subterrâneas para não alterar as muralhas, de forma a dar apoio a uma eventual unidade de restauração ou hotelaria”.

Consciente dos desafios técnicos de uma tal obra, o investigador continua sem vislumbrar uma solução consistente e viável. “Não vejo ninguém a pensar a sério na reabilitação da Fortaleza do Pico. Tem de haver primeiro um projeto com pés e cabeça”.

 

De fortaleza a “Pico-Rádio”

 

A Fortaleza do Pico de São João Baptista foi cedida ao Governo Regional há quase ano e meio. A decisão tomada em Conselho de Ministros, a 26 de junho, desafetou o imóvel do domínio público militar, integrando-o no domínio privado do Estado, tendo em vista a sua cessão a título definitivo à Região Autónoma da Madeira, o que veio a acontecer em julho de 2014. A cessão, segundo consta nos termos nos acordo, implicou contrapartidas, como a transferência da embarcação Blaus VII para a Marinha e a cedência do direito de uso das instalações do Edifício 2000, onde funcionam os Tribunais das Varas Mistas e Conservatórias, ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.

A fortificação terá sido construída nas primeiras décadas do séc. XVII, sob a égide do governo filipino, constituindo parte integrando do sistema defensivo do Funchal contra os ataques de corsários e piratas frequentes nesta zona do Atlântico à época. Em meados do século passado, foi entregue à Marinha para ali se instalar o centro de comunicações, o que lhe valeu junto da população a designação de “Pico-Rádio”.