
É mais uma polémica que levanta dúvidas sobre os limites da medicina pública e privada e possível conflito de interesses que poderá haver nesta acumulação de funções. No passado mês de julho, por ocasião da comemoração dos 30 anos da Clínica da Sé, a diretora do serviço de urgência da mesma Clínica deu uma entrevista ao “Jornal da Madeira”, no âmbito de uma publicidade paga, onde exaltava a qualidade do serviço de atendimento permanente e dos profissionais daquele estabelecimento de saúde privado. Acontece que esta médica também exerce funções públicas no Hospital Dr Nélio Mendonça, onde também é diretora do serviço de medicina interna do SESARAM.
Alguns dos seus pares, incomodados com aquilo que consideram ser “um caso possível de promiscuidade de funções e indícios de publicidade enganosa”, repudiados pela lei em vigor, levaram o caso ao então secretário regional da Saúde, Manuel Brito. O secretário, também ele sócio de uma quota ínfima da Clínica da Sé, remeteu o caso para a apreciação da Secção Regional da Ordem dos Médicos e esta, por seu turno, considerou que não tinha competência para analisar a questão, visto tratar-se de procedimentos de caráter deontológico, tendo enviado a queixa para a comissão de ética nacional da Ordem dos Médicos.
O FN contactou a médica em causa que remeteu as justificações para o administrador da Clínica da Sé, Jorge Araújo. Por seu tunro, este também médico cardiologista confirmou o incómodo que a notícia tinha causado em alguns colegas e as dúvidas sobre publicidade enganosa. No entanto, disse ter sido informado já de um parecer jurídico do conselho deontológico da Ordem a nível nacional, rubricado pelo jurista Paulo Santos, a considerar que a médica não violou nenhuma norma do código deontológico. Segundo citou Jorge Araújo, o causídico foi de opinião que não encontra “alguma violação relevante do preceituado deontológico” no artigo analisado. Razão pela qual, Jorge Araújo considera o assunto encerrado.
No entanto, o FN foi informado de que se estará apenas perante um parecer jurídico que não determina o fim da queixa num órgão criterioso como o conselho de ética da OM. “Um parecer tem o seu peso mas não é uma decisão sobre a queixa em apreço que normalmente leva tempo a ser analisada e exige confrontação das partes envolvidas”, observam alguns médicos.
Este jornal on line também tentou ouvir a presidente da Secção Regional da OM, mas não conseguiu chegar à fala com Henriqueta Reynolds.
Quanto ao artigo que deu origem a esta queixa, foi publicado no passado 8 de julho, na página 15 de Jornal da Madeira, no âmbito da “publicidade”, com fotografia em destaque da médica, e com declarações elogiosas sobre a Clínica da Sé e o seu serviço de urgência, do qual é diretora. Outros médicos da Clínica, também com funções hospitalares, enalteceram o estabelecimento privado, mas de forma sumária e sem especificar mais-valias e outros detalhes que levantam dúvidas na classe médica. O próprio administrador, o médico Jorge Araújo, também deu uma entrevista, noutra data, a explicar as valências da Clínica.
No artigo, também divulgado na página do Facebook da Clínica da Sé, a médica em questão faz declarações que suscitam dúvidas de haver ou não publicidade enganosa, Declara a médica ao JM, na respetiva página publicitária: “(…)O período da tarde é feito por médicos Hospitalares, neste caso, de Medicina Interna e de Cirurgia Geral. Todos os médicos que aqui [Clínica da Sé} trabalham têm formação e experiência em urgência e emergência, e por isso mesmo estão preparados para a abordagem de qualquer doente com patologia aguda e urgente». (…) «O que saliento na clínica é esta equipa médica experiente, não só ao nível de urgências e emergências, mas também no seguimento destes doentes quer no ambulatório quer em regime de internamento. Ao fazermos também a urgência hospitalar, estamos todos em intercâmbio e interligados na continuidade dos cuidados prestados aos doentes o que é uma mais- valia nessa área. Esta continuidade de cuidados também se faz sentir na interligação dos médicos de MGF que aqui trabalham com os cuidados de saúde primários. Por outro lado, temos uma localização excelente. Estamos no centro do Funchal, próximos de tudo e temos a possibilidade de internamento». (…) A Clínica da Sé tem ainda «exames complementares de diagnósticos atempados e adequados à abordagem do doente urgente e emergente. Temos um aparelho de gasometria arterial, cujos dados nos permitem perceber o estado de gravidade clínica do doente em algumas doenças como é o caso da Pneumonia da comunidade, quadros de sépsis, etc. Temos ainda a possibilidade de exames laboratoriais diver-os, radiografas, ecografas, TAC, MAPA,ECG, etc. Em suma, temos tudo o que é necessário para a abordagem do doente em ambiente de urgência».Lembra ainda que lidam com inúmeros subsistemas de saúde e seguros, explicando que «de momento, estão convencionados alguns exames complementares de diagnóstico, exames laboratoriais e as consultas…”
Ao que foi possível apurar, o conselho deontológico da OM leva tempo para analisar este tipo de queixas. Entretanto, a médica visada continua a exercer normalmente as suas funções públicas e privadas e o administrador da Clínica da Sé não vê razão para tanta celeuma, sobretudo com o parecer jurídico que lhe chegou às mãos da OM.