A Capela de Santo António: até à ruína total?

Votada ao abandono, vandalizada, furtada e arruinada está a Capela de Santo António, no Lombo do Salão do município da Calheta. É, no entanto, um imóvel com valor concelhio, classificado pelo Decreto 129/77, de 29 de Setembro. Faz parte do Património Cultural da Região Autónoma da Madeira.

FOTOS: © NELSON VERÍSSIMO, 11 OUTUBRO 2023

Trata-se de uma capela maneirista, à qual foi posteriormente acrescentado um alpendre, para protecção dos fiéis que participavam nas celebrações litúrgicas. Denota diversas intervenções ao longo dos séculos, bem visíveis em soluções de circunstância e materiais de diferentes épocas.

Uma cruz da Ordem de Cristo e a inscrição do ano de 1622 encimam o portal, em arco quebrado biselado. Junto à entrada, do lado da Epístola, encontra-se uma pia de água benta de cantaria basáltica, com incisões decorativas no exterior da borda.

A data poderá indicar a construção ou a reconstrução da capela. Desconhece-se, porém, quem a fundou, bem como o ano em que foi edificada. Segundo os autores do Elucidário Madeirense, em 1921, era propriedade de Juvenal R. de Vasconcelos.

De acordo com Jorge Valdemar Guerra, no seu muito bem documentado estudo sobre ‘Judeus e Cristãos-Novos na Madeira: 1461-1650’, a capela integrava a quinta do Vale de Amores, que, no século XVII, teria pertencido a Bento de Matos Coutinho, auditor militar, e sua esposa, D. Filipa de Vasconcelos. Nesta quinta, viveu o seu filho, António Teixeira de Vasconcelos. Em 1654, Lourenço de Matos Coutinho, irmão de Bento, instituiu, por cédula testamentária, um encargo perpétuo destinado ao azeite da Capela de Santo António (2003, pp. 187-188).

Conforme informação recolhida no local, a pintura e a escultura de Santo António foram furtadas. E do retábulo-mor restam poucas tábuas soltas.

O Inventário do Património Arquitectónico registou, com fotografias, um «retábulo-mor de madeira, com arco pleno central, sobre pilastras, com moldura interior de talha, espaldar lateral superiormente recortado, tudo decorado com motivos vegetalistas.»

No passado, os bispos, quando faziam as visitas pastorais, indagavam sobre o estado dos edifícios religiosos e elaboravam provimentos, tendo em vista a sua conservação. Incumbiam ainda os vigários de procederem em conformidade com o que fora prescrito. Não sei se actualmente há esse cuidado.

Nos dias de hoje, por razões económicas e demográficas e pela diminuição progressiva do número de cristãos praticantes nas comunidades, os párocos dificilmente podem garantir obras de manutenção ou recuperação das capelas da sua área pastoral, quando pertencem à Fábrica da Igreja. Alguns proprietários mostram-se também indisponíveis para investir em capelas. Contudo, nalgumas localidades, o afecto do povo tem contribuído para a sua preservação.

O problema, por conseguinte, só poderá ser ultrapassado com investimento público, das autarquias ou do governo regional, porque está em causa a memória histórico-cultural da Madeira, bem maior da nossa identidade. Caso contrário, correm sérios riscos esses pequenos templos, que proliferavam nas fazendas e casas senhoriais.

A Calheta teve um número considerável de capelas, quase todas de instituição vincular. Muitas desapareceram por falta de rendimentos dos proprietários, envelhecimento sem descendência, disseminação da herança por vários herdeiros, desinteresse, incúria e severidade do tempo, quando a conservação foi descurada.

A Capela de Santo António agoniza. Caminha para a ruína completa, apesar da sua classificação como Património Cultural do concelho da Calheta. Se não houver uma intervenção urgente, será, lamentavelmente, mais uma que se foi.