A escultura ao Professor e Educador, de Francisco Simões

 

Por iniciativa do Sindicato dos Professores da Madeira e com o patrocínio da Câmara Municipal do Funchal foi inaugurada, no passado dia 5, uma escultura dedicada ao professor e ao educador, da autoria de Francisco Simões.

Trata-se de uma figura feminina, sentada com as pernas cruzadas e os calcanhares sob as pernas, a lembrar uma posição de meditação das culturas orientais. No colo, exibe livros, amparados por mãos enormes. O tronco é de uma mulher elegante, com mamas jovens, bem delineadas. Apresenta um rosto compenetrado, um olhar perscrutante e um toucado na cabeça. Já as pernas e os pés volumosos contrastam com o busto, como que a representar a senescência. Estilisticamente, segue a linha de outros trabalhos do escultor, nos quais a figura feminina surge com a mesma postura corporal.

ESTÁTUA AO PROFESSOR E AO EDUCADOR. FOTO: © NELSON VERÍSSIMO

Tenho dificuldade em identificar-me profissionalmente com esta escultura. Vejo-a como mais uma das muitas representações realistas femininas do escultor. Até me faz lembrar uma que se encontra na Estação Ferroviária do Pragal.

Segundo Simões, a sua opção por uma mulher decorre da maioria feminina no grupo profissional dos docentes e do facto de ser a mãe a primeira educadora.

O ESCULTOR FRANCISCO SIMÕES JUNTO DA SUA OBRA. FOTO: © MIGUEL A. PALMA COSTA

Sublinhe-se que a mulher é tópico principal da sua obra. Como um dia escreveu: «A mulher é a coisa mais bonita do universo. Não há pássaro, não há Sol, não há mar, não há nada que se lhe compare. O corpo da mulher é redondo, não tem arestas, tem uma policromia harmoniosa, cheira bem.» (In Francisco Simões: escultura, desenho e cerâmica: “sobre a pele da pedra”, Figueira da Foz, 2017).

Desconhecendo os termos da encomenda, registo a explicação do autor. Contudo, não deixo de questionar: Se tivesse escolhido uma figura masculina, porque, durante muitos séculos, o homem foi o pedagogo, mestre ou professor, porque o pai é também educador, porque Cristo foi o maior dos mestres e, ainda, porque o masculino tem a particularidade de funcionar como englobante, constituindo «o género indiferenciado», como reagiriam as professoras e as educadoras? É, por isso, que, como professor, preferia uma alegoria não vinculada ao género. Uma obra conceptual, contemporânea e não figurativa.

FOTO: © RUI MAROTE

É verdade que, ao longo da História, simbolicamente a mulher tem representado valores, instituições e regimes políticos: a Justiça, Marianne e a República Francesa; a República em Portugal e no Brasil; a Liberdade na Roma Antiga; a Estátua da Liberdade em Nova Iorque; a Deusa da Democracia, durante os protestos estudantis na Praça de Tiananmen na cidade de Pequim, em 1989…

Relativamente à estátua instalada na Ponte de São João, a reflexão crítica não se pode cingir à representação plástica. Mas também ao lugar escolhido para a sua colocação.

Instalar uma escultura num pequeno tabuleiro de uma ponte de uma ribeira revela, no mínimo, deficiente educação visual. Não valoriza a obra nem o espaço público. Está repleta de interferências visuais. Por mais que alguém se esforce por obter o melhor ângulo para observar ou fotografar, sempre sobressairão a muralha e o leito da ribeira, o viaduto da cota 40 ou um contexto urbano desfavorável à fruição plena da estátua. Nalguns registos, dá a impressão de que está debaixo de uma ponte ou sentada na ponte à espera da próxima enxurrada.

Esta escultura requer um lugar condigno. Nunca um sítio por onde, em 1566, passaram os corsários franceses para assaltar a cidade do Funchal, e ali começaram a ser combatidos, embora sem sucesso.

Adquiriria maior relevo se tivesse um fundo neutro ou com vegetação, ou se fosse colocada num jardim, permitindo a sua observação em diversas perspectivas.

No Funchal, já muitas esculturas mudaram de lugar, porque não se estudou previamente o sítio ideal. A localização da Estátua do Professor e do Educador merecia também ser repensada.

No caso, parece ter valido o argumento de que ficava próximo do Sindicato dos Professores, mas este não colhe. Primeiro, porque o Sindicato já teve outras sedes, onde se desenrolaram importantes batalhas; segundo, porque a homenagem – ao que julgo – não se circunscreve aos sócios deste Sindicato; terceiro, porque o que verdadeiramente interessa é valorizar a homenagem, a obra escultórica e o espaço urbano, tanto mais que foi paga pela Câmara Municipal do Funchal.

Assim, mais importante do que alterar o nome da ponte, ideia infeliz aventada por ocasião da inauguração, é mudar o lugar da estátua do Professor e do Educador, conferindo dignidade à obra.