Abstenção, inimiga da democracia

Desde 1984, tem vindo a crescer a abstenção nas eleições para a Assembleia Legislativa da Madeira. O fenómeno não se restringe a este acto eleitoral. Contudo, merece reflexão, em particular, por estar em causa a escolha dos deputados para o órgão máximo da Região Autónoma da Madeira e, afinal, a própria autonomia regional. Deste sufrágio, depende também a formação do Governo da Região.

Quando o número de abstencionistas é superior ao total de votantes, a representatividade do partido político vencedor fica fragilizada, apesar de não se poder contestar a sua legitimidade na acção política e governativa. Assim aconteceu em 2015, quando o PSD obteve 56 754 votos e se abstiveram cerca de 129 700 votantes inscritos, tendo votado apenas 127 539. É certo que estas eleições tiveram um contexto especial, nomeadamente a nova liderança do PSD. No entanto, a análise da abstenção não se pode resumir à mudança de protagonista.

Fala-se na desactualização dos cadernos eleitorais, da desmotivação e comodismo dos eleitores, do descrédito de alguns políticos, pela corrupção e o não cumprimento de compromissos assumidos, da falta de comunicação entre governantes e governados fora das campanhas eleitorais, pela arrogância de alguns e a negligência de outros.

Uma outra variante importa equacionar.

Vivemos numa sociedade de reduzidas dimensões, em território, número de habitantes, recursos e oportunidades. A democracia ressente-se da insularidade, das condicionantes sociais e das mentalidades. Ainda há muita intolerância. Falta de respeito para com a diferença. Quem pensa de forma diversa é visto como inimigo. Quem reivindica os seus direitos e pretende introduzir mudanças é perseguido e ostracizado. A delação é expediente frequente dos lambe-botas. Uma crítica, mesmo fundamentada, é tida como ofensa ou difamação. Há muitas virgens ofendidas, amparadas por chefias inscientes e poderes ocultos. O mobbing e o encobrimento não são invulgares. O medo também! A dependência da remuneração do trabalho, para satisfação das necessidades básicas, coarcta a liberdade, porquanto o que verdadeiramente interessa, para muitos, é preservar o emprego. A cunha é uma instituição. Persiste o corporativismo nalgumas organizações. Uma rede de clientelas gere apoios e votos. A mordaça na comunicação social obstrui a livre investigação jornalística. A informação não é isenta. A Justiça é cara e demorada…

Já caracterizaram esta sociedade com o labéu de «déficit democrático». Outros falaram em «democracia musculada». Os entraves a uma autêntica vivência democrática não são peculiares desta Região, mas por aqui estão enraizados.

Perante um poder que pouco valoriza a participação cívica no dia-a-dia, muitos eleitores refugiam-se no silêncio, no sossego do seu «cantinho» e na ideia de que não devem votar, pois para nada conta a sua vontade.

Se o cidadão não tem voz durante quatro anos, por que razão há-de ir votar? – é pergunta do senso comum, completada com o lamento: Só se lembram de nós nas campanhas eleitorais!

A abstenção, porém, nada resolve e retira razão a quem depois, no círculo mais próximo ou fora dele, protesta ou reivindica. Votar é não desistir da cidadania, da democracia, dos objectivos de vida e até do sonho.

Impõe-se aos partidos, concorrentes à eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira, a tarefa de convencer o eleitor a votar, não se abster, não votar em branco ou anular o seu boletim de voto.

A abstenção não beneficia ninguém e só contribui para a desacreditação da democracia.