Cerca de 30% dos edifícios do centro do Funchal estão devolutos e Danilo Matos defende inventariação e vistorias

O edifício do antigo Seminário da Encarnação está devoluto.

O engenheiro Danilo Matos está a fazer um levantamento dos edifícios devolutos do centro da cidade do Funchal e estima que rondem os 30% do total edificado.

O activista colocou um “post” no facebook dando especial enfoque ao antigo seminário da Encarnação. Eis o “post” denominado “Funchal Devoluto(2)/Reutilizar o que está devoluto”:

“Ainda não terminei o levantamento, mas estimo que cerca de 30% dos edifícios do centro do Funchal se encontram total ou parcialmente devolutos, isto sem falar no que está degradado e em ruína. É um património de valor incalculável que não se compagina com a cidade culta, coesa e competitiva que todos queremos. A situação dos prédios devolutos deve merecer especial atenção por duas razões: pelo risco de incêndio e de derrocada que lhe está em geral associado, e pela especulação que esconde – alguns proprietários recusam a recuperação na mira de forçar a degradação e ruína e obter licenciamento para uma construção nova, mais área, mais volumetria, etc. Esta especulação escondida tem sido, em muitos sítios, responsável por grandes desastres patrimoniais e humanos. É por isso que em muitas cidades estas situações são penalizadas.

O que caracteriza os prédios devolutos é que eles, na sua maioria, podem e devem ser reutilizados mediante operações simples de reabilitação a preços muito mais baratos que as construções novas. Reutilizar como? quando os devolutos são, quase sempre, o resultado duma terciarização anárquica  da cidade, que atirou os residentes para as periferias e desertificou o centro. Não interessa reabilitar e reutilizar se não for para retribuir à “cidade existente” a alma que lhe foi roubada – as pessoas. E isso só pode ser concretizado privilegiando uma política de habitação coordenada, que envolva senhorios, cooperativas, a Diocese, empresários da construção e da hotelaria, a Investimentos Habitacionais, o Governo Regional e a Câmara, não esquecendo um programa de incentivos e benefícios, fiscais e outros, designadamente comunitários. Antes, insisto, é preciso diagnóstico, levantamento, estratégia e um plano a médio e a longo prazo, amplamente discutidos. Serão todos estes agentes capazes deste compromisso com a cidade? Acredito que sim!

O Seminário da Encarnação
Também conhecido pelo antigo Seminário, é um edifício singular e muito representativo de uma “arquitectura eclética” dos inícios do século XX, em que destacamos uma cornija em betão, a simetria de vãos com lintéis, arqueados no caso das janelas e em arco perfeito nas portas, os guarnecimentos e molduras em argamassa de cimento e reboco estanhado, os tapa-sóis, os gradeamentos, os balaústres em betão e os pavimentos exteriores empedrados. No interior tem dois salões, ao que parece relativamente bem conservados, inspirados em Arte Nova. É um projecto do engenheiro João Florêncio Costa.

É um edifício com uma história muito interessante. Segundo Nuno Mota, num artigo publicado na Islenha (39), o edifício foi mandado construir em 1905 pelo bispo da Diocese, num terreno cedido provisoriamente pelo Estado, e foi inaugurado em 1909. Com a implantação da República e a lei de separação do Estado das Igrejas, o Seminário foi extinto. A Junta Geral instalou aí, em 1914, a Escola de Utilidades e Belas Artes, projecto que durou pouco. Em 1919 passa a sede da própria Junta Geral, com o nome de Palácio da Encarnação. Em 1927, a ditadura aprova a lei que manda devolver o usufruto para reinstalação do Seminário. A Junta Geral reage e não aceita a devolução imposta pelo Estado Novo. Depois de muitos conflitos, só em 1933 é que a J.G. acata a decisão e a sua sede é transferida para o antigo Hospital Civil, na Avenida Arriaga. Mas a Comissão Administrativa da J.G., numa manifestação de grande coerência, demitiu-se em bloco. Esta investigação deixa em aberto a questão da posse da propriedade, uma vez que a lei de 1927 apenas mandou devolver o usufruto.

Com o 25 de Abril o Seminário foi ocupado por populares e transformado na Escola Bartolomeu Perestrelo. Ficou devoluto em 2004. É um tempo bom para tratar da sua reabilitação, salvando um património de indesmentível valor histórico. As fotografias mostram, apesar de tudo, um estado de conservação ainda muito razoável.
Enquanto nada for feito, a Câmara tem obrigação de vistoriar este e outros prédios devolutos para avaliar o estado de segurança do ponto de vista da estabilidade e de prevenção contra incêndios”.