Fotos: Rui Marote
O Festival Raízes do Atlântico ofereceu na noite de ontem um leque bastante alargado de sonoridades, num serão preenchido por três concertos de três diferentes protagonistas. A primeira parte, iniciada às 20 horas, foi preenchida pela Banda d’Além, o grupo do singular Mário André Rosado, figura incontornável do panorama musical tradicional regional, que já desde há muitos anos a esta parte vem desenvolvendo um trabalho extraordinário neste campo, e na reinvenção do género através desta sua banda, que também se soube, ao longo dos tempos, reinventar a si própria.
Por entre sons e refrões tipicamente madeirenses, cantigas ao despique e um domínio dos instrumentos temperado por muitos anos a “andar nisto”, Mário André animou a audiência ao abrir este ‘Raízes do Atlântico’, estabelecendo com a mesma uma fácil identificação.
Sucedeu-lhe um curioso agrupamento, os ‘Criatura’, que actuou já por volta das 21h30, e que fez jus à fama de uma das mais surpreendentes bandas dedicadas a reinventar a música tradicional portuguesa dos últimos tempos. De facto, as suas sonoridades misturam-se de forma intrincada e surpreendente, num resultado que, se não agradou a todos, pelo menos mostrou ser dono de um experimentalismo levado ao extremo e que cruza estranhas vocalizações com refrões típicos de histórias e provérbios, violinos com gaitas de foles, guitarras com trompetes. Não faltou, porém, quem, estando bem por dentro das sonoridades da música tradicional e das suas novas tendências, se deixasse cativar pelo arrojo dos onze músicos que compõem este grupo, o qual se prepara já para lançar um segundo disco.
A terminar a noite, já a meia-noite vinha a caminho, o flamenco invadiu o palco com toda a pujança e extroversão que o caracteriza, pela voz da espanhola Maria Toledo e dos músicos que a acompanhavam. Uma alegria efectivamente contagiante, guitarras tocadas como ninguém mais o faz, e um instrumento pouco associado a este género de música, o piano, a justificar porque Maria Toledo já foi nomeada para vários “Grammy” e venceu prémios como o ‘Cante de las Minas’. O seu primeiro disco data de 2009, tendo desde então lançado mais três. Uma voz notável e uma capacidade interpretativa que não foi para desprezar, Maria Toledo encerrou a noite com chave de ouro, mas foi a última numa série demasiado longa de actuações. Três concertos é muito para uma noite, e exige demasiado do público, ainda para mais dados os tipos diversificados de música que se propõem à assistência. O desafio acaba por, em certos momentos, pecar por excesso.
De qualquer modo, um Festival com uma dimensão digna de assinalar. Hoje actuam o angolano Toty Sa’ Med, referência da nova geração da música popular urbana do seu país, que já colaborou com nomes como a cantora cabo-verdiana Sara Tavares ou o escritor José Eduardo Agualusa; o brasileiro Guilherme Kastrup, baterista e percussionista, além de produtor, que já tocou com Adriana Calcanhoto, Ney Matogrosso ou Zeca Baleiro, entre outros e que propõe o seu primeiro trabalho como autor, marcado por raízes nas Terras de Vera Cruz mas com muitas sonoridades modernas; e, finalmente, Maïa Barouh, do Japão, uma cantora que usa uma técnica vocal de uma pequena ilha meridional no Japão, misturando-a com sons modernos e eléctricos.