Cuba recebe a partir de hoje visita histórica de Obama

havana20.jpg

Fotos: Rui Marote

As relações entre Cuba e os Estados Unidos, dois países que têm, nos últimos tempos, desenvolvido esforços de reconciliação totalmente inéditos no contexto das últimas décadas, alcançam hoje um ponto alto com a visita do presidente norte-americano, Barack Obama, àquela ilha das Caraíbas.

obama

Depois de décadas de um autêntico bloqueio a Cuba, expresso no embargo que tornou a ilha-nação quase uma ‘fortaleza’ contra o “imperialismo” dos EUA, a diplomacia está finalmente a funcionar e regista-se uma aproximação notável que torna a visita que hoje se inicia um dos mais significativos acontecimentos na política internacional da segunda metade do séc. XX e inícios do séc. XXI.

havana59.jpg

Não quer dizer que as convicções políticas de ambos os lados se tenham necessariamente alterado, mas há de facto uma vontade de aliviar a tensão, que é compreensível após tantos anos de costas voltadas. Obama recebeu uma carta de uma cubana de 76 anos, Ileana Yarza, convidando-o para tomar um café em sua casa em Havana e respondeu-lhe do mesmo modo, agradecendo o convite. A missiva do presidente do país mais poderoso do mundo foi enviada para Cuba no primeiro lote de cartas enviado directamente dos EUA para aquele país, nos últimos 50 anos, já que os serviços postais entre ambas as nações tinham sido suspensas durante a Guerra Fria, sendo a correspondência reencaminhada, habitualmente, através de outros países, como o Canadá ou o México.

havana57.jpg

O embargo prossegue, e só o congresso, que é dominado pelos republicanos, o pode levantar, mas Obama e Raul Castro, irmão do histórico líder Fidel, buscaram modos de contornar o bloqueio comercial que asfixiou a economia cubana.

havana51.jpg
O Hotel Nacional, um dos mais emblemáticos edifícios de Havana

Obama chega hoje a Cuba com uma série de problemas na bagagem, sendo um deles o tão desejado encerramento da prisão de Guantanamo, com o qual se comprometeu até ao final do seu mandato, e que tem vindo a ser adiado. Mas a relevância histórica das imagens em que os líderes cubano e estadunidense apertam as mãos auguram um futuro melhor e têm um pouco a mesma carga das de Ronald Reagan a apertar a mão a Mikhail Gorbachov, nos anos 80.

varadero26.jpg
Permanecem os cartazes revolucionários e desafiadores

Cuba é um país de contradições. Por um lado, a sua população está mais que estafada da política cubana oficial de tantas décadas, e deseja abertura ao mundo e a oportunidade de usufruir de algumas das benesses da economia liberal. Ainda existe pouco empreendedorismo em Cuba, que tem uma economia largamente estatizada, apesar das autoridades incentivarem alguns pequenos negócios e fecharem os olhos ao surgimento de muitos outros.

havana49.jpg
Parlamento cubano

Por outro lado, a revolução cubana uniu a nação no confronto com um país muito mais poderoso do que ela, que a tentou invadir e por várias vezes divisou planos para matar o seu líder histórico Fidel, inclusive em conluio com forças do submundo do crime. Estas realidades não são esquecidas.

A divisão acentua-se ainda mais se pensarmos nos cubanos residentes em Miami, que são profundamente hostis ao regime oficial cubano do qual se afastaram e que se manifestam, inclusive, contra esta visita.

havana41.jpg
Os antigos carros americanos são autênticas relíquias que se passeiam pelas ruas

Mas a abertura recente de uma embaixada de Cuba nos Estados Unidos foi, recorde-se, um acontecimento político do maior significado, apesar de algumas manifestações hostis.

Encontra-se de tudo, em Cuba, hoje e dia e desde já há várias décadas, quando o turismo para a ilha disparou: cubanos e cubanas (os chamados ‘jineteros’) que se tentam aproveitar de todas as maneiras dos estrangeiros, solicitando-lhes todo o género de presentes e pequenas ofertas, que podem ir de dinheiro a bens de consumo, e que muitas vezes depois os vendem a outros cubanos, no mercado negro; os cubanos íntegros e dignos, que auferem um salário que pura e simplesmente não tem comparação com o auferido mesmo por um trabalhador remediado nos países ocidentais, mas que se recusam a estender a mão à ‘caridade’; os prostitutos e prostitutas de luxo, que andam à caça das suas ‘vítimas’ entre os turistas alojados nos ‘resorts’ da ilha e que lhes prometem, a troco de algum dinheiro, umas ‘férias exóticas’; os excelentes músicos que fazem as delícias dos turistas, oferecendo-lhes um sabor latino com toda a vivacidade – esta sim absolutamente natural – da sua cultura e das suas raízes; os pequenos restaurantes ‘ilegais’ (os paladares) que funcionam em casas partculares e à maior parte dos quais as autoridades fecham os olhos, embora de vez em quando adoptem medidas mais restritivas e obriguem ao encerramento dos estabelecimentos não autorizados… Cuba é um ‘melting pot’ de realidades, sensações e emoções que se multiplicam.

havana38.jpg

Desde o momento em que a porta do avião se abre e o recém-chegado é atingido pelo impacto do calor e da humidade tão característicos dos trópicos, que se sabe que se está verdadeiramente num lugar diferente, com um pulsar muito próprio. No trajecto do aeroporto para o centro da capital, Havana, descobre-se uma cidade que, pela aparência, poderia ter acabado de sair de um qualquer conflito armado; mas os contrastes sucedem-se, quando verificamos que, entre os prédios envelhecidos, que não podem rivalizar em boa aparência com o verdadeiro património arquitectónico da humanidade que é, por exemplo, a cidade velha de Havana (Havana Vieja) ou Trinidad, se encontra na realidade um país fascinante, povoado por gentes que não o são menos.

havana30.jpg
A arte de fazer os melhores charutos do mundo

 

Para os apreciadores do tabaco, os charutos cubanos são uma referência, e visitar uma fábrica tradicional onde se pode ver como as folhas de tabaco são cuidadosamente produzidas e enroladas para proporcionar os melhores charutos do mundo é uma experiência verdadeiramente curiosa: esta ainda é uma indústria maioritariamente artesanal, e reside aí o segredo da sua qualidade. Os charutos, tal como a música, são omnipresentes: estão por todo o lado, podem ser fumados por homens e mulheres e encontrados nos mais diversos sítios. Caríssimos noutras partes do mundo, aqui são bastante acessíveis. Mas mesmo assim não faltam aldrabões que tentam vender charutos falsificados aos estrangeiros, prometendo-lhes preços mais acessíveis. E há muito quem se deixe enganar.

havana29.jpg

Das perambulações pelo ‘malecón’, o passeio marítimo de Havana, onde os transeuntes observam as ondas embaterem contra a costa, à tradicional estância turística ‘Varadero’, situada relativamente perto de Havana e conhecida pelas praias de areia fina e águas quentes, Cuba tem muito para oferecer ao viajante que busca desde momentos animados por música e excelentes bebidas (com destaque para os tradicionais ‘mojitos’ e ‘daiquiris’) à tranquilidade e à paz.

varadero06.jpg
Varadero, a ‘Riviera’ de Cuba

Experiência única é alugar um automóvel e percorrer as estradas da ilha, à sua descoberta: apesar dos mapas, por vezes é dificílimo encontrar o caminho e a melhor maneira de o fazer, na verdade, é ir pedindo indicações aos muitos cubanos que tentam ultrapassar as dificuldades de transportes públicos no país – desconfortáveis, poucos e atrasados – com o recurso à boleia. Tanto porque, nas localidades mais para o interior, a sinalética que indica as estradas está por vezes tão queimada pelo sol que nem a dois metros de distância se distinguem as indicações de quais as vilas ou cidades que estão nas proximidades. A distância mais curta entre dois pontos consegue-se descobrir, muitas vezes, simplesmente dando boleia a um cubano. Oportunidade também para descobrir o que pensam eles verdadeiramente sobre o seu país.

varadero18.jpg

Os autocarros em Havana são bastante peculiares, e praticamente gratuitos, de tão baratos. Mas são extraordinariamente desconfortáveis. Entre eles, há os chamados camelos (‘camellos’), e andar neles é verdadeiramente uma aventura, se é que se pode chamar aventura a andar espremido num transporte público, de pé, já que é difícil arranjar lugar sentado, com um cheirete a diesel e praticamente sem suspensão, pelo que se sente cada buraco, e tudo isto num calor tropical… Mas os ‘camellos’ estão a ser progressivamente reduzidos, e vão a caminho da extinção.

havana33.jpg
Museu da Revolução, em Havana

Transporte muito mais simpático de ver são os chamados ‘americanos’, os carros típicos dos anos 50 que ainda povoam as principais artérias cubanas, funcionando com base em peças “desenrascadas” pelos não menos desenrascados cubanos, já que as peças originais acabaram há muito e, de qualquer maneira, eles não teriam oportunidade de as arranjar. Emprestam cor e passeiam o seu design anacrónico pelas ruas de Cuba, e de facto são um regalo para quem os vê.

havana27.jpg havana23.jpg havana19.jpg havana17.jpg havana13.jpg havana02.jpg havana03.jpg

Tudo isto, e muito mais, terá oportunidade de observar Barack Obama, nem que seja à distância e do conforto de um carro oficial. E acreditamos, por muito se deixará fascinar, ou pelo menos observará com muita curiosidade. Pensamos mesmo que o presidente norte-americano não demorará a apanhar o “bichinho” de Cuba…

cubana01.jpg