Criminalização dos piropos: a lei e a língua

muro_amor001OPINIÃO: Os nossos representantes na Assembleia da República aprovaram em Agosto uma  alteração ao Código Penal que criminaliza “propostas de teor sexual”.

Que propostas? As verdadeiras propostas, as culposas e dolosas, as que vêm acompanhadas de actos sexuais ou parasexuais relevantes? Não… Os tradicionais piropos.

Chamam-lhe “propostas não desejadas”.

E até preveram uma pena até três anos de prisão, se a vítima for menor de 14 anos.

Como é que o legislador arrisca meter-se num campo tão delicado como os desejos? Como é que se sabe se a proposta é ou não desejada?

E ainda que indesejada, como é que sem um linguista por perto, o julgador interpretará cada palavra, cada frase?

É que há piropos e piropos! Uns mais vernáculos e outros de se lhe tirar o chapéu, mesmo vindo de um trolha, pela pertinente associação e construção linguística.

Vejam exemplos: “És boa cm’o milho”, “ó estrela queres cometa”, “Deves ser mais apertadinha que os rebites de um submarino”, “ó joia, anda cá ao ourives”, “Queres florescer no meu jardim?”, “Meu Deus, não sabia que as bonecas andavam!”, “Como eu queria ser esse gelado!”, ou o apropriado ao caso sub júdice “Se beleza desse cadeia apanharias prisão perpétua”.

A aprovação desta alteração -como se o mais urgente a rever no Código Penal fosse esta alteração- trouxe-me à memória aquela história do beduíno que, em Outubro de 2007,  foi condenado em 46 camelos e arriscou que lhe cortassem a língua por ter mandado um piropo a uma mulher de outra tribo.

Com esta fúria legislativa qualquer dia alguém se lembra de propor na Assembleia da República que quem, das bancadas, invocar o nome da mãe do árbitro arrisca uma pena de prisão.