A Saúde, sendo embora um bem inestimável que a todos interessa, quando é discutida no plano de uma estratégia de serviço público “geral e tendencialmente gratuito” é, quase sempre, tratada por todos, profissionais de saúde, utentes, jornalistas e, o que é mais preocupante, por decisores políticos, de um modo muito pouco profundo e útil tendo em vista o tema.
Por ser matéria sensível e de grande complexidade técnica leva a que quem dela fala ou se limite a emitir generalidades, mais ou menos politicamente correctas, ou se fique pela enumeração dos episódios de atendimento duvidoso, da falta de material de consumo, dos tempos de espera para atendimento nos serviços de urgência dos hospitais ou das listas de espera para exames e cirurgias.
Por outro lado, especialmente na Madeira, o grande pomo de discórdia é “hospital novo, sim!”, “hospital novo, não!”. Tudo isso é perfeitamente legítimo como tema de conversa de café ou de desabafo entre amigos. O problema é que, enquanto não se tratar o assunto com a profundidade que ele merece, indo à raiz dos problemas, não tomando efeitos por causas, estamos a fazer o que em Saúde só se deve fazer em situações extremas e como último recurso: tratamento sintomático que pode aliviar os efeitos da doença mas que não permite um diagnóstico correcto e, consequentemente, impede a cura.
Tenhamos, pois, coragem de enfrentar o problema de um modo radical. É urgente estudar o assunto, recorrendo aos que mais sabem dele, com a firme certeza de que, se não se construir um Sistema de Saúde novo de raiz, tendo unicamente como balizas as reais necessidades de uma população com as características da população da Região Autónoma da Madeira e as condicionantes económicas e financeiras actuais, estaremos a fazer mais do mesmo e o resultado será preocupante e cada vez menos do agrado de todos. Conhecimentos técnicos e coragem política, neste caso, são muito mais importantes e determinantes do que dinheiro ou a falta dele.
É necessário informar e esclarecer as populações acerca das medidas urgentes que devem ser tomadas para que o Sistema funcione bem e de um modo sustentado. É fundamental negociar com parceiros e fornecedores a reestruturação da dívida de um modo sério e realista, reganhando credibilidade, para evitar estrangulamentos que determinam desastrosas rupturas de stocks nos serviços.
É primordial velar pela qualidade dos serviços prestados, monitorizar o desempenho, quer dos serviços oficiais quer dos privados contratualizados, e tratar devidamente as reclamações dos utentes. O Serviço Público de Saúde deve ter um papel regulador muito importante no conjunto do Sistema Regional de Saúde ao decidir o âmbito de intervenção, ao estabelecer padrões de qualidade, ao constituir referências para ganhos de eficiência requeridos ao sector social e ao sector privado financiados pelo Estado.
Aos novos responsáveis pela Saúde Regional é exigida capacidade de análise e direcção estratégica, preocupação com a regulação a contratualização e a qualidade. Devem possuir, também, coragem política (muitas vezes para dizer “não”) e capacidade de promover o relacionamento correcto mas firme com os profissionais, ouvindo-os e incentivando-os.
Capacidade para definir situações prioritárias de Saúde Pública e promover políticas de cooperação entre os diversos actores regionais, nacionais e internacionais. Inovar em articulação com entidades no domínio da “sociedade em rede” que é a realidade actual (universidades, fundações, centros de investigação, empresas, associações profissionais, etc.).
Reorganizar os organismos que constituem o suporte do Sistema dando-lhes meios e definição correcta do âmbito de intervenção (exemplo: reorganizar e clarificar o âmbito de actuação do IA-SAUDE, IP-RAM) evitando zonas de sobreposição de competências e áreas conflituais.
É, pois, necessário um “Novo Tipo de Serviços de Saúde” adaptados à nova realidade. Que tenha aprendido com os ensinamentos do passado do SRS. Com um enquadramento teórico e explicativo mais global e integrado, com um enfoque nos comportamentos em saúde, no envelhecimento da população, no acesso às novas terapias e às terapias ditas alternativas, nas novas ofertas tecnológicas, nas novas formas de pobreza, nos sistemas de informação, na circulação da informação.
Que incentive e apoie as escolhas individuais e colectivas na saúde. Que compatibilize as necessidades de crescimento económico, a escassez de meios de pagamento, a gestão de recursos e a democratização e transparência das instituições.
A nova equipa que irá liderar o SRS terá uma oportunidade de fazer história e, por outro lado, enfrentará constrangimentos de toda a ordem, resistências diversas e uma situação cujos contornos ninguém verdadeiramente conhece.
Há que ter em conta as sábias palavras de Sun Tzu que há milhares de anos aconselhava: “Concentre-se nos pontos fortes, reconheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças”.