Pior que a censura é a auto censura

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A liberdade de imprensa e sua irmã mais velha, a liberdade de expressão, são os pilares da democracia. Estes princípios, limitados a uma parte do mundo, são agora reconhecidos em todos os continentes. Permanecem, infelizmente, muitos países onde a censura e a repressão impedem  os cidadãos – muitas das  vezes com ameaças e violência – de expressar qualquer dissidência relativamente as posições do governo. Mas, a maioria dos países do mundo, reconhecem agora, pelo menos no papel, o direito  à liberdade de expressão e defendem a liberdade constitucional da imprensa. Mesmo em África, onde, embora com muita dificuldade e contradições, a situação formal esteja muito melhor hoje do que há 30 anos.
Os problemas começam quando se passa da teoria à prática. E é onde as mais fortes diferenças entre a Europa e a África vêm  à tona. Porque, se é verdade que muitos países africanos têm alguma variedade na paisagem da mídia e que a internet e as redes sociais não são geralmente sujeitas a censura, ao sul do Mediterrâneo, acesso real à informação independente é extremamente limitado.
Tomemos por exemplo o caso do meu próprio país, Moçambique.  A liberdade de expressão e de informação estão bem definidas pela Constituição e incluem várias garantias que, aparentemente, deveriam tornar possível ter um panorama de opiniões variadas e muito livres. A realidade, no entanto, é um pouco diferente.
Primeiro, há um problema de meios e recursos, insuficientes para cobrir todas as informações num país grande e complexo como Moçambique. O que acontece nos distritos rurais, nas áreas remotas, simplesmente a cobertura dos acontecimentos não tem oportunidade de sair à luz do dia porque zonas há em que não há nenhuma presença dos media (rádio, jornal, internet) nem jornalistas capazes de falar sobre isso. Incidentes, abusos de poder e injustiças a que o cidadão está sujeito acabam permanecendo ignorados por se tratarem de áreas isoladas, de difícil acesso e que não estão na ordem do dia. Em muitos casos esses lugares onde os nossos jornalistas não conseguem chegar tornam-se autênticas “ilhas” e nos espantamos quando alguém expõe o sofrimento do povo ali residente.
Mas, mesmo quando se trata de factos importantes, de que o povo fala e que são relatados nos jornais, encontramos dois problemas:
Primeiro é que as autoridades públicas continuam a ser muito cautelosas com a imprensa. Têm medo de falar com os repórteres e, nalguns casos, preferem manter distância e não fornecem informações. A cultura de partido único desde a independência (1975) até as primeiras eleições multipartidárias (1994) continua enraizada nalgumas mentes e sectores, o que afeta a atitude, por exemplo, da polícia, das autoridades locais e dos próprios políticos moçambicanos. O que contribui para a existência de muitas reticências e de receios de se dizer claramente o que se pensa (auto-censura).
O outro problema é  que a auto-censura se institucionalizou. Mesmo os jornalistas, apesar dos seus esforços, são condicionados pela história e educação e muitas vezes têm medo das autoridades, sejam estas de cariz político, económico ou mesmo uma entidade cultural . No final, o medo de retaliação ou sujeição ao poder são mais fortes do que a busca da verdade. Infelizmente é difícil ver bom jornalismo de investigação em Moçambique, salvo raras excepções.
 Se olharmos para o panorama mediático e suas propriedades, o problema da independência e da influência econômica é evidente, especialmente em TV e rádio…
Felizmente, há também sinais positivos e espero que as coisas possam mudar para melhor.
Por exemplo, consta-me que em Portugal antes do 25 de Abril de 1974, havia censura sistemática de todos os órgãos de comunicação social. Só se escrevia o que o Estado Novo consentia. Instituída a liberdade e a democracia, passou a haver liberdade de expressão e respeito pela diversidade de opiniões. Desenvolveu-se, consequentemente, um Jornalismo responsável e independente. Para o meu país, para Moçambique, ambiciono um voo de liberdade idêntico, não obstante estarmos em África. Porque os africanos merecem aquele sabor a liberdade que respiramos quando visitamos a Europa ou os Estados Unidos.
*Comunicóloga, Deputada da Bancada Parlamentar da Renamo na Assembleia da República de Moçambique.