Li uma entrevista com Ken Robinson, consultor internacional sobre Educação. Registei uma interessante passagem quando o jornalista o questionou sobre a importância da criatividade na Educação. Ken Robinson respondeu: “(…) o modelo educativo continua a assentar no industrial”. O jornalista, de forma incisiva, retorquiu: “como se a escola fosse uma fábrica? “Sim, e já não é assim. O futuro depende da capacidade de inovar. A criatividade permite desenvolver a imaginação, dá poder para pensar de maneira diferente”. O que significa, resumiu o jornalista, que “o sistema educativo precisa de mudar? A resposta veio célere: “Fala-se de eficiência para a educação tal como para a indústria automóvel e não se pode aplicar esse conceito nas escolas. Tem sido um desastre e, em Portugal, provavelmente, também”. Então, atalhou o jornalista, “qual é o segredo das boas escolas? “(…) ter bons directores, bons professores, uma boa relação com a comunidade. Os professores é que são o sistema educativo e não o Ministério da Educação”. E concluiu: “(…) é senso comum. Aceitamos a diversidade nos restaurantes, na arquitectura, na música. Em todo o lado procuramos a diversidade, porque não na escola? Querem que as escolas sejam todas iguais, mas as escolas não são máquinas, são organismos vivos”.
Ken Robinson equacionou dois aspectos de fulcral importância: a escola enquanto “modelo” aprimorado da Sociedade Industrial e a diversidade. Eu incluiria um terceiro elemento que o “modelo” não considera, a desigualdade. São estes três elementos que tornam a Escola, hoje, um lugar pouco apelativo, de abandono e de insucesso. A matriz da Sociedade Industrial está lá, bastando para tal que tenhamos presente o seu “código oculto” bem caracterizado por Toffler (1980): a maximização, centralização, estandardização, concentração, sincronização e a especialização. Depois, a ausência de respeito pela diversidade, não apenas aquela que resulta dos variadíssimos espaços geográficos, mas a diversidade de culturas, em um sentido lato, que aportam no grande espaço escolar. Finalmente, a desigualdade, consequência das diferenças económicas e sociais dos que ali vão beber o conhecimento. Ora, se envolvermos estes três vértices com a desorganização social do mundo laboral, através da escravização dócil dos trabalhadores (pais e professores) e a clara falta de financiamento, dir-se-á, então, que o caminho do abandono e do insucesso escolar é o corolário das políticas desenvolvidas.
A questão é saber se é possível um outro paradigma de escola. Eu digo que sim. Basta que haja vontade, uma “erecção da inteligência” como sublinhou o grande Mestre que foi Rubem Alves. Ele, repetidamente, contava uma história vivida em Portugal. Esteve na Escola da Ponte, em Vila das Aves. Uma Escola que segue, nos planos organizacional e pedagógico, caminhos diferentes da normalidade. Chegado à Escola, o director, depois de uma breve conversa com o visitante, pediu a uma criança que mostrasse e explicasse o funcionamento da escola. Assim aconteceu. Lá foi o velho e sábio Rubem Alves com essa muito jovem aluna. No patamar de entrada do edifício, a aluna olhou para o Rubem Alves e disse-lhe: “o senhor para visitar esta escola tem de esquecer tudo o que sabe sobre escola”. Nem mais.
Portanto, é possível uma escola diferente e com futuro. E porquê? Porque a Escola é socialmente produzida, ela brota da sociedade, logo, é socialmente transformável. Precisamos apenas de admitir que este “modelo” está esgotado e que existem paradigmas diferentes. Por que havemos de pensar que este é o modelo organizacional e pedagógico correcto? Ademais, trata-se de um modelo que garante o acesso, é verdade, por razões, até, constitucionais, mas que não garante o sucesso, também é verdade. É por isso que Ken Robinson avisou que temos uma Escola para ontem. Não temos uma Escola para hoje e muito menos para o futuro. A Escola para ontem não se preocupa com o insucesso. Fala, sim, de combate ao facilitismo. Fala de exames e não de conhecimento poderoso. É a Escola, como adiantou Rubem Alves, que desde muito cedo, em uma altura em que as crianças deveriam fazer perguntas, exige respostas. E quem as coloca perturba o “plano de aula”.
Trata-se, assim, de um sistema que secundariza o alicerce a partir do qual deveriam ser edificados os pilares onde assentam os andares seguintes do conhecimento. E, entretanto, o sistema vai chumbando, porque os alunos não deram a resposta que está no manual. E, entretanto, sobrecarregam com mais horas disto e daquilo. E, entretanto, aumentam a carga com trabalhos para casa, esquecendo o sistema que há uma oferta educativa fora da escola tão importante quanto a da escola: academias de línguas, de música, de teatro, de ballet, canto, dança, desporto, entre tantas actividades. Ora, a questão essencial centra-se, portanto, na necessidade de olharmos para a Educação e na esteira do escritor Carlos Fuentes questionarmo-nos “se estamos a morrer ou a nascer”. Se este sistema educativo está a morrer ou a renascer? Se a tendência é aferrolhar o sistema educativo em uma espécie de torre de marfim, ou, pelo contrário, somos capazes de libertá-lo dando largas à imaginação geradora de felicidade e sucesso para os nossos alunos e, simultaneamente, recompensadora no plano da satisfação profissional de quem exerce a nobre missão de ensinar. Tão complexo e tão simples de entender!
Nota: Este texto, no essencial, faz parte de uma minha intervenção nas Jornadas Pedagógicas da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco.
*Professor aposentado.