Participação da Sociedade Civil nas Políticas Públicas como factor de suporte social dos cidadãos

São desafiantes e extraordinariamente complexos os tempos em que vivemos; são-no em todos os campos e sectores da nossa Sociedade. Não admira, portanto, que a acção de governativa, de índole local, regional ou nacional, se consubstancie em algo árduo, exigente e susceptível de frequente escrutínio. Na verdade, nas sociedades modernas e democráticas as políticas públicas estão na ordem do dia já que delas decorrem ou deverão decorrer as respostas efectivas aos problemas e necessidades que os cidadãos enfrentam e vivenciam, sobretudo em tempos de crise como os que agora atravessamos. Por política pública entende-se usualmente “…um conjunto de decisões e acções que resultam de interacções repetidas entre os actores públicos e privados cujas condutas se vêem influenciadas pelos recursos de que dispõem e pelas regras institucionais gerais (sistema político-institucional) e específicas (âmbito de intervenção) ” (Asensio, 2010 – Instituto Nacional de Administração, IP). As políticas públicas encontram-se assim moldadas por actividades orientadas para a solução de problemas públicos (Dewey, 1927). A tipologia de políticas públicas mais comum é a de Lowi (1964); para o referido autor as políticas podem ser distributivas, redistributivas, regulatórias e constitutivas – podendo as mesmas ser caracterizadas quanto à sua natureza, conflitualidade implícita ou potencial e abrangência ou âmbito de aplicação (Rodrigues, 2014).

Independentemente das diferentes perspectivas e olhares teóricos sobre o processo de concepção, implementação e análise das políticas públicas, são basicamente quatro as fases comuns a todas as propostas academicamente apresentadas, as designadas “Etapas do Ciclo Político”. A primeira diz respeito à “definição dos problemas e agendamento político”; a segunda etapa remete para “formulação das medidas de política e legitimação da decisão”; a terceira relaciona-se com a “implementação”; a quarta e última etapa encontra-se intimamente associada à “avaliação e mudança”. Salvo melhor opinião, à luz do exposto e em linha com o tema de reflexão aqui proposto, serão sobretudo na primeira e segunda etapas do “do Ciclo Político” das políticas públicas (“definição do problema e agendamento” e “formulação das medidas de política e legitimação da decisão”) que a participação da sociedade civil ganha redobrada pertinência e acuidade, não deixando de considerar a mais-valia que representa ou pode representar, sempre, a sua actuação noutros contextos ou realidades do “processo político” (aconselha-se, a este respeito, a leitura de “Exercício de Análise de Políticas Públicas “, Edição da Imprensa Nacional Casa da Moeda e ISCTE – IUL, 2014).

Parece ser consensual a ideia de que a criação e o desenvolvimento de políticas públicas com o recurso à participação da sociedade civil, sendo este um traço característico das sociedades democratas e dos seus respectivos governos, produz efeitos manifestamente positivos nas populações que os mesmos “cuidam”, entre os quais o de suporte social dos seus cidadãos. Em termos práticos, e em contextos de crise e de maior dificuldade geral, o apelo das governações, dos poderes políticos à “participação política” das pessoas (de forma indirecta e/ou directa, como são neste último caso os debates, discussões e/ou auscultações públicas sobre problemas ou interesses) será sempre um factor de redução do impacto de acontecimentos causadores de stresse, ansiedade e mal-estar geral. Seja na saúde em concreto, seja na vida quotidiana em abstracto, contextos comunitários negativos são sempre e inevitavelmente promotores de sociedades menos felizes e, por conseguinte, deficitariamente resilientes e menos produtivas; já o inverso, os ambientes de apoio, de diálogo, de participação, de comunhão, de concertação, de partilha fomentam a mitigação e/ou erradicação da negritude dos eventos e das conjunturas socialmente adversas, potenciam a agregação e fazem aumentar a satisfação de viver nos cidadãos. Ser ouvido, auscultado, ser tido em conta despoleta sentimentos de pertença e com eles a identificação com a comunidade onde os indivíduos se encontram inseridos, desenvolve-se o espírito gregário essencial à busca do bem-comum e à regular vida em Sociedade. Na verdade, se a governação de proximidade é crucial ao entendimento, à edificação de projectos comuns, em última instância ao estabelecimento de políticas que procurem responder aos anseios e desígnios de todos (cidadãos e poder político), a participação consistente e voluntária dos cidadãos no processo de decisão pública é um dos maiores pilares da democracia (Dahl, 1971), consagrada, aliás, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pelas Nações Unidas em 1948.

Na Região Autónoma da Madeira, mais recentemente, o Projecto “Compromisso 2030 Madeira”, da autoria e responsabilidade do Partido Social Democrata, tem vindo a procurar analisar e avaliar 30 temas e áreas da Sociedade Civil. Assumindo-se claramente como Projecto de proximidade, de participação e auscultação colectiva, disponível e aberto a todos os cidadãos, o referido Projecto visa escutar e recolher contributos que sirvam de base, estrutura à elaboração do próximo Programa do Governo a apresentar nas eleições regionais de 2023, circunstância nobre e que muito se enaltece. Os contributos pretendidos pelos organizadores e promotores desta macro iniciativa e os efectivamente apresentados pela sociedade civil, sempre em contextos de reflexão e debate, têm despontado nas diversas acções realizadas, cujos seus “figurinos de funcionamento” têm sido mesas-redondas, conferências-debate, sessões de apresentação de temas de interesse público, workshops, fóruns temáticos, reuniões (de natureza formal e informal) e até videoconferências.

Na qualidade de cidadão participante em algumas das “reuniões de trabalho” até agora levadas a cabo, sobretudo naquelas onde o Social e a Saúde Regionais têm sido objecto de dissecadas, sustentadas e construtivas análises e reflexões sobre relevantes questões no âmbito de ambos os sectores, e, ainda, num mero exercício de reflexão individual sobre a circunstância de dar voz aos cidadãos na tarefa co-responsável de desenho e construção das políticas para o futuro da NOSSA REGIÃO, reconheço e assumo que não podia estar mais de acordo com a estratégia posta em prática. Porquê? São inúmeras as razões, todas elas directamente ligadas à minha condição de cidadão, profissional e “agente político” (quanto a esta última dimensão – política – parto sempre do pressuposto que todos nós, sem excepção, temos o direito e o dever de sê-lo – agentes políticos e interventores sociais -, de colaborar cívica e activamente no processo de construção do “mundo social” a que pertencemos e nos rodeia). Como cidadão, sobretudo porque o contexto aludido promove a democraticidade, a liberdade de expressão, assenta no respeito do poder político pelo direito dos indivíduos à opinião e à participação na vida em comunidade (cidadania activa),situações promotoras e alicerçadoras da autonomia, do empoderamento e da liberdade individual das pessoas. Como profissional, essencialmente porque a participação nestes fóruns, bem como o resultado do trabalho neles desenvolvido, integra anseios, preocupações e necessidades dos profissionais, sejam eles mais ou menos diferenciados, factor crucial para a definição de políticas e medidas de protecção, humanização, valorização e qualificação dos trabalhadores, questão primordial em tempos de grande exigência técnico-operativa (também aqui a dimensão humana dos mesmos jamais poderá ser descurada; na verdade os técnicos nunca deixarão de ser pessoas, ser humanos, com todas e demais características e idiossincrasias). Como “agente político”, basicamente porque as intervenções neste tipo de sessões são, sob ponto de vista “político”, pedagógicas, contribuem para a maior legitimação e estabilidade do poder político e satisfação com aqueles que governam – em linha com esta última asserção, há autores que referem que a literatura científica sobre a qualidade da democracia sugere que existe uma correlação entre a participação política dos cidadãos e o nível de satisfação individual e de felicidade dos mesmos, circunstância que no “mundo real” em que vivemos não só faz sentido como se deseja, em benefício claro das pessoas em particular e das instituições e da sociedade em geral.

O exposto faz-me chamar à colação uma célebre frase atribuída a Mahatma Gandhi, que, na verdade, deveria servir de lema diário a todos nós: “Só engradecemos o nosso direito à vida cumprindo o nosso dever de cidadãos do Mundo.”