Em 1977, era preocupação do Governo português salvaguardar a qualidade e promover a melhoria do ensino ministrado nas escolas superiores, tendo em conta as condições que garantissem a todos o acesso a este grau de ensino, em termos da mais estreita igualdade de oportunidades (Diário da República n.º 216/1977, Série I de 1977-09-17). Neste enquadramento, a criação de um contingente madeirense para o acesso ao ensino superior, foi e continua a ser entendido, como uma medida adequada na promoção dessa mesma igualdade neste nível de ensino.
Atualmente, esta medida possibilita aos estudantes madeirenses ocupar 3,5 % das vagas fixadas para a 1.ª fase do concurso nacional. Ou seja, uma minoria. Ainda assim, valor bem acolhido junto da população madeirense porquanto tem permitido aumentar o número de cidadãos madeirenses portadores de diploma de ensino superior.
Tal medida compensatória permite que os estudantes madeirenses efetuem as suas candidaturas ao abrigo deste contingente, de modo a continuarem a sua formação na Universidade da Madeira, assegurando o preenchimento de vagas nos cursos aí ministrados. Por esse motivo, para poder usufruir do respetivo contingente, caso o curso de preferência também exista na universidade da Madeira, o candidato ao ensino superior terá de colocar esta instituição na lista de candidatura.
Contudo, a RAM possui apenas uma Universidade, com um número de cursos limitados. Ora, se o curso que um estudante pretende frequentar, se situa no Continente, a existência de contingente próprio permite-lhe optar pela escolha de uma instituição/curso que menos lese as suas limitações geográficas (permitindo-lhe por ex. alojar-se em casa de familiares ou em localidades próximas de um aeroporto).
Para um estudante madeirense, a deslocação para uma universidade continental representa uma rotura com o espaço geográfico que conhece, para além de que dificilmente possibilita o usufruto de feriados, pontes ou fins de semana em família. Não se leva comida confecionada de casa nem existe roupa lavada facultada pela família. É cada um por si na conjugação entre os estudos e a vida pessoal. E nem todos conseguem.
Por isso, não estranho quando na primeira aula de um qualquer semestre me confronto com um estudante madeirense, recém chegado de uma universidade continental, onde permaneceu escassos meses e que, agora a frequentar a UMa, justifica a sua presença alegando que não se adaptou, não gostou do curso ou que a família se depara com problemas económicos que inviabilizam a sua prossecução dos estudos no espaço continental.
Estes 3,5 % de estudantes universitários abrangidos anualmente pelo contingente madeirense, também incluem jovens que desistem dos seus sonhos pelos mais variados motivos. Na prática, estes 3,5 % não se concretizam em valores idênticos de sucesso, traduzido em igualdade de uso dos bens educativos.
A finalidade dos contingentes é permitir que as universidades portuguesas sejam frequentadas por estudantes possuidores de características que os colocam em situações desfavoráveis: residirem em ilhas, serem portadores de deficiência, militares, emigrantes. Ninguém rouba vagas a ninguém, trata-se de dar possibilidades a quem não as tem.
O contingente especial da RAM não confere incentivos económicos, e destina-se exclusivamente a assegurar algumas vagas a estudantes madeirenses, cuja desvantagem em relação aos seus colegas do Continente se pauta pelos potenciais custos acrescidos (a vários níveis), decorrentes das limitações geográficas.
Esta medida foi criada tendo em conta a insularidade que ainda hoje é sentida de forma intensa, tanto na Madeira como nos Açores, pois há uma grande diferença entre viver no Continente e estar a uma ou duas horas de carro/autocarro das grandes cidades, e viver numa ilha, onde se depende exclusivamente de transportes aéreos, e não se consegue simplesmente ir e voltar no mesmo dia.
Tenho estudantes na Universidade da Madeira que nunca saíram da Madeira, e tudo aquilo que conhecem é literalmente a ilha onde vivem, e eventualmente o Porto Santo. Conhecem o que veem na TV. Embora a internet tenha resolvido muitos dos problemas no que toca a insularidade e educação, continua a existir uma clara desigualdade decorrente de distintas situações económicas.
Relembro, que apesar da existência de inúmeros apoios, geralmente concetualizados como bolsas de estudo, ser estudante (em qualquer nível de ensino), envolve também custos indiretos que se relacionam com o quotidiano. Desde o vestuário a outros itens de índole pessoal, necessários em contexto académico.
Se tivermos em conta o número total de vagas do Contingente Geral, concluímos que o valor atribuído ao contingente especial da Madeira é extremamente baixo. Trata-se de 3,5 % de estudantes madeirenses que optam por essa modalidade no acesso ao ensino universitário, e que se encontram distribuídos pelas instituições de Ensino Superior nacional. Recorde-se que apenas beneficiam dessa medida compensatória na 1ª fase de candidaturas ao Ensino Superior pois nas restantes fases, esses candidatos concorrem pelo Contingente Geral.
A consulta dos dados estatísticos (Figura 1) demonstra que apesar da existência desse contingente, os valores que se reportam à população madeirense portadora de cursos superiores (17,8%) estão aquém dos da população continental (21,4%).
Ao diminuir-se a percentagem de 3,5 % destinada a esse contingente especial, aumentará a diferença entre os indivíduos portadores de Ensino Superior relativamente ao local de residência. Ou seja, maior será o fosso entre indivíduos madeirenses e continentais no que concerne à posse de habilitações académicas de nível superior. A acontecer, tal representará um retrocesso nas políticas educativas igualitárias, pois a localização geográfica de cada cidadão português assumir-se-á, cada vez mais, como um elemento diferenciador no acesso à educação, contrariando todos os objetivos educacionais atualmente em vigor.
Figura 1. Proporção da População Residente em Portugal com Ensino Superior completo (%)
Local de residência | População (%) |
Continente | 21,41 |
Região Autónoma dos Açores | 15,93 |
Região Autónoma da Madeira | 17,81 |
Fonte: Autora,2023. (adaptado de INE, Recenseamento da População e habitação-Censos 2021)
* Alice Mendonça – Professora Universitária