Fotos Luís Rocha e Rui Marote
Um dia depois de o Funchal ter comemorado o seu 514º aniversário, o FN publica uma breve colectânea de imagens recentes colhidas na cidade. Uma cidade que é de uns, mas definitivamente não é de outros, ou, pelo menos, não é usufruída da mesma maneira.
Sem assacar responsabilidades políticas, o nosso jornal limita-se a constatar uma realidade: a da multiplicação, nos últimos anos, dos sem-abrigo e dos marginalizados, empurrados para as periferias de uma sociedade que se mostra incapaz de lidar com os problemas que os afectam. E que não são difíceis de enumerar, pois as causas do fenómeno são as mesmas de outras cidades: desemprego, dependência do álcool e das drogas, problemas mentais (aumentados por essas dependências), incapacidade de resposta social e reintegradora, famílias desestruturadas, carências habitacionais, pura e simples pobreza.
O certo é que os “descamisados”, os pedintes, os toxicodependentes, os alcoólatras vão aumentando cada vez mais na cidade. Naturalmente, a estes problemas somam-se todos os da insegurança a eles associados. Muitas destas pessoas não são naturalmente violentas, mas outras têm um passado de marginalidade, pequena criminalidade e frequentes passagens pela prisão.
As suas dependências de substâncias, sejam legais como o álcool ou ilegais como drogas já bem conhecidas ou outras sintéticas e que até fogem à legislação existente potenciam comportamentos desviantes, por vezes alucinados, resultando em vandalismo e agressões mútuas. Também motivam tentativas de assalto a propriedade privada ou a indivíduos que circulam no centro, por vezes até durante o dia. A maior parte destes actos tem por único objectivo alimentar o vício.
Parece óbvio que o apoio social não se faz sentir tanto quanto seria necessário. O facto de uns terem instituído cacifos e caixas de correio para os sem-abrigo e outros criarem uma residência para acolher cerca de quatro pessoas, por mais bem intencionados que sejam, não resolvem o problema, que, obviamente e segundo o bom senso, aconselha uma intervenção de vasta escala, envolvendo psicólogos, assistentes sociais, entidades policiais e outras.
Quanto às entidades judiciais, também não correspondem ao que o cidadão espera. Recentemente foi notícia a detenção, pela PSP, de assaltantes de um estabelecimento nas Madalenas, um dos quais já era citado em 26 processos do mesmo teor e que nem se deu ao trabalho de comparecer ao tribunal. Aqueles indivíduos que, portanto, mais do que sem-abrigo, são verdadeiros marginais que pululam no Funchal à noite, sentem-se à vontade para prosseguir os seus intentos e o seu “modus vivendi” sem problemas.
Os outros, os verdadeiros pobres e sem-abrigo, estão mais ou menos entregues a si próprios, usufruindo de refeições e de lugares para passar a noite onde muitas vezes não estão dispostos a respeitar as regras… e caem novamente numa vivência abjecta de noites passadas ao relento, embaladas pelo vinho barato.
A Polícia de Segurança Pública abandonou o patrulhamento apeado e a sua presença, por falta de vontade ou de elementos disponíveis, não se faz sentir em zonas como o Almirante Reis ou a Avenida do Mar nas proximidades do Forte de São Tiago, de onde, passando pelo teleférico e até à Praça do Povo, a frente de mar é uma autêntica sala de chuto a céu aberto, curiosamente partilhada por dois tipos de pessoas com intuitos completamente diferentes: os que ali vão passear, fazer “jogging” pela sua saúde, e os que estão empenhados em autodestruir-se.
É vulgar para quem ali passa a correr encontrar indivíduos a injectar-se ou a fumar “crack” ou outras substâncias. As drogas sintéticas são também um verdadeiro flagelo. Toda a zona envolvente à Praça do Carmo, Rua Fernão de Ornelas, Mercado dos Lavradores, Rua do Carmo, Rua do Bom Jesus, Rua João de Deus é outra desgraça, parcamente policiada.
Do ponto de vista político-social, são já vários os partidos que alertaram para esta situação, e outros que, tendo estado, ou estando no momento, com as rédeas do Município, prometeram resolver esta situação, ou pelo menos fazer tudo para a resolver. Não se veem os resultados.
A insegurança cresce no Funchal, a imagem terceiro-mundista de um destino que se apresenta como “o Melhor do Mundo” em muitos aspectos sofre naturalmente com isto.
Fica aqui, portanto, mais um, e esperamos que não inútil, alerta. O FN tem vindo insistentemente a chamar a atenção para o agravamento desta situação. Esperamos também poder noticiar melhorias na acção social, no policiamento e na segurança da urbe.
E deixamos uma última nota, no final desta reflexão. Alguém já se procurou identificar com algumas das pessoas que retratamos nesta reportagem, sozinhas entre muita gente? A dormir no chão com uma garrafa por companheira? Convém sermos humanos e ver o problema das suas multifacetadas perspectivas. Agir é algo que se exige das autoridades competentes.