A caminho do abismo

A 19 de Novembro, na newsletter semanal PGlobal que assina no jornal Público, a jornalista Leonete Botelho historiou as conferências internacionais dedicadas à problemática do ambiente, recordando que foi em 1972, em Estocolmo, que se realizou a 1ª grande cimeira mundial sobre a poluição atmosférica e a destruição de recursos naturais, na qual representantes de 113 países e 400 organizações aprovaram a 1ª Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, aquela que – escreve – “acordou o mundo para a problemática ambiental”. Mas, acrescenta, “divergiram sobre a necessidade de redução imediata do ritmo de industrialização e não se entenderam sobre metas concretas a serem cumpridas pelos países. Era importante, mas não era considerado urgente (o termo «aquecimento global» ainda não se tinha popularizado). E todos continuaram a industrializar-se como se não houvesse amanhã”.

20 anos depois, em 1992, no Rio de Janeiro, a grande Cimeira da Terra juntou 178 líderes de países e centenas de organizações para tomar medidas sobre “como diminuir a degradação ambiental e garantir a existência de outras gerações. Foram aprovados diversos documentos importantíssimos, como a Carta da Terra e a Agenda 21, segundo a qual a prioridade era planear os sistemas de produção e de consumo sustentáveis contra a cultura do desperdício”. Mas, adianta a jornalista do Público, “ainda estávamos no século XX e, portanto, não era urgente. E todos continuamos a consumir como se não houvesse amanhã”.

Agora, em Glasgow, numa reviravolta de última hora, o Pacto Climático aprovado na COP26 deixa de prever o fim do uso de algum carvão, como estava escrito na declaração levada para a sessão de encerramento, para se contentar apenas com uma “diminuição” do seu uso – o principal objectivo desta COP era manter viva a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 graus celsius até ao final do século.

Leonete Botelho conclui o texto a que nos temos vindo a referir, escrevendo: “É já em contra-relógio que estamos e ainda assim continuamos a correr para o abismo – não como se não houvesse amanhã, mas fazendo com que não haja mesmo! Se tudo continuar como está, as alterações climáticas podem afectar colheitas de trigo e milho já em 2030, diz um estudo liderado por cientistas da NASA”.

Entretanto, ia a COP26 a meio, quando, no Diário de Notícias de Lisboa,  Viriato Soromenho-Marques, com a autoridade que se lhe reconhece por uma longa intervenção dedicada às questões ambientais, arrazava  o anunciado acordo em torno da protecção das florestas, recordando “o facto de em Setembro de 2014, uma declaração semelhante ter sido assinada (sempre de modo voluntário e não vinculativo) em Nova Iorque, numa conferência promovida pelas Nações Unidas” e acrescentando: “Em vez da ocasião fotográfica, o que haveria a destacar hoje é o enorme aumento da destruição das florestas pristinas, que, se o ritmo assim continuar, tornarão o ano alvo de 2030 numa data em que em vez da sua salvação se assinará a sua certidão de óbito” –  no Brasil de Bolsonaro, que foi um dos subscritores, a Amazónia emagrece perigosamente a cada dia que passa (só em 2020 perdeu 2,3 milhões de hectares), o que evidencia sobejamente quão pouco confiáveis acabam por ser acordos desta natureza.

Prosseguindo no texto que titulou “Os sonâmbulos em Glasgow”, Soromenho-Marques escreve: “No que diz respeito ao progressivo abandono do carvão, a mais poluente fonte de gases com efeito de estufa, confirmaram-se os prognósticos mais negativos.  Os maiores produtores e consumidores ficaram de fora, mesmo de metas difusas e longínquas. Com isso, verifica-se a exactidão dos resultados de um recentíssimo estudo do Programa de Ambiente das Nações Unidas e do Instituto de Ambiente de Estocolmo, que confrontavam as reduções de emissões de gases com efeito estufa necessárias para se atingir a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, com os investimentos em novas explorações de combustíveis fósseis, declarados pelos principais países. Na verdade, em 2030 o desvio em relação à meta de 1,5º c poderá ser de 240% para o carvão, de 71% para o gás e de 57% para o petróleo. Desde Janeiro de 2020, os países do G20 já subsidiaram os combustíveis fósseis em cerca de 300 mil milhões de dólares, superando em muito o apoio às energias renováveis. Noutro estudo, calcula-se que se poderá atingir 2030, não com uma radical diminuição das emissões, como seria necessário, mas com um aumento das mesmas em 16%, relativamente ao ano de 2020”.

Concluindo, Seromenho-Marques sentenciava: “A COP26 dá-nos uma triste imagem da ausência de poder real e transformador das políticas públicas a nível mundial, incluindo as dos regimes democráticos, todos eles feridos por défices de legitimidade, representatividade e competência”.

No nº 1428 da revista Visão, o jornalista Luís Ribeiro ao fazer o balanço da conferência de Glasgow sublinha que “os países menos desenvolvidos e que mais sofrem com as alterações climáticas foram os grandes derrotados da COP26”. Desde logo porque o financiamento de 100 mil milhões de dólares, pedido aos países desenvolvidos para apoio a medidas de mitigação e adaptação dos países em vias de desenvolvimento – uma meta que desde o longínquo ano de 1992 se mantém por atingir –, foi adiado por mais cinco anos, para 2025.  Depois, porque, no processo de clarificação do Livro de Regras de Paris, “os países menos desenvolvidos queriam que os mais ricos usassem obrigatoriamente parte da receita com a venda de créditos de carbono em medidas de adaptação nas nações mais vulneráveis”, mas “o Pacto Climático de Glasgow torna essa possibilidade voluntária”. E, por fim, as nações menos desenvolvidas querem que os países do Primeiro Mundo as compensem pelos impactos das alterações climáticas, tendo em conta que são esses Estados os responsáveis pela situação em que se encontram. Os Estados Unidos e a União Europeia “não querem abrir essa caixa de Pandora – que pode conduzir ao pedido de indemnizações pelos desastres climáticos – e vetaram, assim, a criação de uma entidade para lidar com perdas e danos”.  A este propósito, refira-se que só no Bangladesh, 40 milhões de pessoas estão em risco devido à subida do nível do mar- tanto como toda a população dos 39 pequenos países insulares, cuja sobrevivência está igualmente em causa, uma vez que alguns estão literalmente a desaparecer debaixo de água.

Ora, como anota o texto na Visão “se o aumento de 1,1ºC criou problemas desta magnitude nos países mais pobres, o que vai acontecer se for mais de 1,5ºC? O que vai acontecer na Ásia? Em África? (…) Se todas as promessas de curto prazo, assinadas na COP26, forem cumpridas, o mundo encaminha-se para um aumento de temperatura de 2,4ºC”. Daí que, citando o representante dos pequenos Estados insulares presente na COP, conclua: “com todos estes falhanços, é uma questão de tempo até os países mais vulneráveis abrirem um novo tópico de discussão, numa próxima COP: «O direito de as pessoas destes países acederem ao estatuto de refugiados climáticos»”.

No dia em que a COP26 se iniciava em Glasgow, o jornalista Ricardo Garcia publicava no Público um artigo com o título “O que a COP26 tem a ver comigo”. Citando um inquérito de Junho passado do Eurobarómetro, segundo o qual apenas dois em cada cinco portugueses acredita que é pessoalmente responsável pelo combate às alterações climáticas, sublinha que um cidadão de um país rico que viva sem carro, prescinda de uma viagem intercontinental de avião e se torne vegano evita o lançamento de 4,8 toneladas de CO2 por ano, de acordo com um estudo de universidades na Suécia e no Canadá, pelo que enfatiza “ser neutro em carbono está ao alcance de qualquer um em Portugal, onde cada pessoa  emite em média 4,8 toneladas de CO2 por ano”.

Ricardo Garcia critica, por outro lado, uma recente decisão do governo de António Costa por “em vez de deixar que o mercado convidasse os cidadãos a usarem mais os transportes públicos, preferiu fazer o contrário e ofereceu a todos um desconto na gasolina e no gasóleo”, acrescentando ainda: “Ninguém precisa de um estímulo do Estado, por exemplo, para comer menos ou nenhuma carne – uma medida com impacto considerável”.

Face à realidade que nos cerca, torna-se por isso patético ouvir um ex-governante perorar, na televisão local, sobre o aumento do preço dos combustíveis ignorando por completo a problemática ambiental ou o actual edil funchalense advogar a construção de mais um parque de estacionamento na baixa citadina para aumentar o afluxo de automóveis ligeiros. Nada, porém, que surpreenda conhecendo-se as preocupações que os movem!

 

* por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

 

Post-Scriptum: 1) Atabalhoada: Na ânsia de querer passar uma imagem de gestão na perfeição da crise pandémica, que obviamente nunca existiu, o governo regional, num curto espaço de tempo, passou do 8 para o 80. Num dia, tudo estava controlado, algumas dezenas de horas depois, lançou o pânico, a ansiedade e o medo nas pessoas, impondo restrições sem cobertura legal. Enfim, o ADN de sempre: o regime do quero, posso e mando!

2) Números: Quem se limita a ouvir a propaganda oficial, ficará certamente com a ideia de que vivemos numa espécie de paraíso na terra. O pior é quando as estatísticas oficiais deixam a nu a triste e amarga realidade. Por exemplo, a Madeira regista o mais baixo poder de compra do País. Foi até ultrapassada pelos Açores e nos 12 piores concelhos nacionais 4 são desta Região.

3) Ocultação: É também uma especificidade em que a Região se especializou. Basta recordar a célebre dívida oculta, de que resultou o famigerado PAEF. A transparência nunca por cá assentou arraiais. Tudo se esconde: listas de espera em saúde até os nomes dos 55 antigos políticos (48 ex-parlamentares) que auferem subvenções vitalícias que podem acumular com pensões.

4) Tragédias: a dos emigrantes e refugiados no Mediterrâneo, no Canal da Mancha ou na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia repete-se, sem fim à vista. Não menos doloroso é saber-se que, por exemplo, no Afeganistão há pessoas a vender membros da própria família para sobreviver ou que na Venezuela há mulheres que praticam sexo para poder dar de comer aos filhos.