Quando em 2013 a coligação denominada “Mudança”, encabeçada por Paulo Cafôfo, venceu surpreendentemente as eleições para a Câmara Municipal do Funchal, a expectativa de muitos dos que ambicionam viver no plano regional numa democracia, que não se limite a ser apenas mais ou menos formal, ganhou um particular ânimo. Reforçado, naturalmente, com nova vitória registada quatro anos volvidos.
A importância eleitoral da principal autarquia da Região, a do Funchal, é por demais evidente. Com a sua perda, em 2013, em circunstâncias muito particulares – profunda divisão interna e os gravíssimos efeitos no tecido económico e social decorrentes do Plano de Ajustamento Económico e Financeiro -, o PSD percebeu que a sua eternização no poder regional poderia vir a ficar em causa. Por isso, nas eleições autárquicas subsequentes, procurou apostar fortemente na sua reconquista. Fê-lo em 2013 com a até então secretária regional dos Assuntos Sociais, Rubina Leal, mas perdeu. E voltou a fazê-lo em Setembro último com Pedro Calado que abandonou a vice-presidência do governo regional para se candidatar ao lugar de edil funchalense. O objectivo era óbvio: a reconquista da autarquia. Desta feita com uma vantagem adicional, surgindo coligado com o CDS, ao contrário do que sucedera em 2017.
Os estudos comprovam que quem detém o poder, os chamados incumbentes, partem em vantagem. Por outras palavras, não é a oposição que ganha eleições, é o poder que as perde.
Com certeza que terão sido diversos os factores que pesaram neste desfecho. E independentemente do natural desgaste que decorre do exercício do poder, a aposta por parte do edil perdedor numa equipa praticamente toda ela nova, ainda por cima composta por desconhecidos para a maior parte dos eleitores, deve ter contribuído para um efeito contrário ao pretendido.
A avaliar pelas declarações entretanto produzidas, a derrota no Funchal motivou a demissão de Paulo Cafôfo da presidência do PS-Madeira. O que não deixa de ser contraditório para quem simultaneamente considerou que a mesma não é da sua responsabilidade. De resto, convenhamos, a conquista de mais Câmaras Municipais, para além das que já dispunha anteriormente, não era expectável, mesmo que uma sondagem do “Diário de Notícias” relativamente ao Porto Santo – que falhou redondamente – possa ter sido alimentada.
Por outro lado, as declarações que o mesmo Cafôfo proferiu, aquando do seu regresso à escola onde lecciona, deixam antever que admite um regresso. Quiçá, está à espera de um apelo das hostes partidárias, ou que outrem lhe ceda o lugar em 2023, à semelhança do que fez Emanuel Câmara em 2019. O homem, às tantas julga-se uma espécie de D. Sebastião do PS/M. Ou, então, está convencido que a mesma água passa duas vezes por debaixo da ponte.
Daí que o abandono cheire mais a covardia política do que a outra coisa. Afinal, e como se diz na gíria futebolista, nem aqueceu o lugar de presidente do PS/M. Passou por lá 14 meses. E uma boa parte desse tempo foi passado a “cozinhar” a revisão da lei de finanças regionais com a criatura que no passado recente se auto-intitulava “único importante” cá do burgo. Essa foi também uma das suas marcas: estabelecer pontes com o pai da famigerada dívida “oculta”. Começou por disponibilizar-se a que a CMF editasse um tal de “relatório de combate”, publicação que havia sido negada, recorde-se, pelo próprio governo regional. De resto, o seu sucessor na autarquia funchalense também fez questão de convidar o dito cujo para um denominado conselho consultivo do Funchal capital da cultura. Quem sabe, pensando que isso lhe traria votos em 26 de Setembro p.p. Não percebendo que as divisões internas nas hostes laranja que foram evidentes em 2013 e 2017 faziam parte do passado. Pior: esquecendo todo um passado autocrata de governação que em nome da decência democrática não é possível branquear nem ignorar.
A este propósito, aliás, é no mínimo estranho que o partido agora sem presidente nada tenha dito sobre as graves acusações proferidas pela mandatária da coligação à autarquia funchalense num artigo publicado no matutino da Rua Dr. Fernão de Ornelas. Importaria com efeito saber se os factos relatados não são verdadeiros ou foram empolados, ou se dos mesmos foi efectuada participação à Comissão Nacional de Eleições ou às instâncias judiciais competentes.
Do que não restam dúvidas é de que a derrota no Funchal coloca o agora principal partido da oposição no plano regional numa posição muito mais fragilizada. Até porque nada garante que os eleitos nos diferentes órgãos autárquicos, e em particular na vereação camarária, reúnam condições para levar a cabo uma oposição com o mínimo de credibilidade nessa autarquia. O que equivale a dizer que o risco de um regresso no futuro próximo a uma bancada parlamentar na Assembleia Legislativa Regional com meia dúzia de deputados não é de todo despiciendo. Bem pelo contrário.
*por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
Post-Scriptum:
1) Cuidado: Pelos vistos, o novo edil funchalense possui dotes de adivinhação. Disse que previu uma vitória por uma diferença de sete pontos percentuais, a conquista de todas as freguesias, excepto uma e até acertou na que perdeu (Santa Maria Maior). Cuidem-se. Temos um novo Zandinga! Já agora, conhece a chave do Euromilhões desta semana?
2) Frete: Com as eleições do Marítimo à porta, o diário auto-intitulado “independente” resolveu entrevistar o sócio 1409 (AJJ). A que propósito? O dito cujo é parte interessada nas eleições? Daí que cheire a frete para favorecer um dos candidatos, numa disputa em que sobressai o lavar de roupa suja, com acusações mútuas. Comprovando que o mundo do futebol é um lugar não recomendável.
3) Vergonha: Em França uma comissão nacional criada para investigar a pedofilia no seio da Igreja católica concluiu que mais de 300 mil menores foram ao longo de 70 anos, entre 1950 e 2020, abusados e agredidos em instituições dessa mesma Igreja, sendo que dois terços dos responsáveis por esses crimes foram padres. Por cá, ao mesmo tempo que o Papa Francisco proclama tratar-se de vergonha, um bispo auxiliar de Lisboa, ainda por cima coordenador da comissão de punição e combate aos abusos de menores do patriarcado, admite o levantamento retrospectivo desses casos, desde que – pasme-se! – não seja circunscrito à Igreja Católica.
4) Pobreza: Mais de 1,6 milhões de portugueses são pobres e vivem com menos de 540 euros por mês. E não menos preocupante é saber-se que ¼ dos trabalhadores portugueses tem qualificações a mais para o trabalho que desempenham.