Em bolandas

 

  1. A saúde na Região continua a ser notícia pelas piores razões.

Como se não bastassem as sucessivas notícias que, de vez em quando, dão conta da falta deste ou daquele medicamento para doenças várias, particularmente graves como, por exemplo, as oncológicas, ou de falhas no atendimento de utentes que originam inquéritos, ou até de mortes, como a de uma menina de 8 anos, que desencadeou a intervenção do próprio Ministério Público, ou a recorrente divulgação do contínuo crescimento das listas de espera para consultas, para cirurgias ou para exames de diagnóstico, está agora instalada a “guerra” no Serviço Regional de Saúde.

Na origem, como é sabido, está a nomeação do ex-deputado do CDS/PP, dr. Mário Pereira para director clínico do Centro Hospitalar do Funchal.

Uma nomeação contestada por uma larga maioria dos chefes de serviços e coordenadores de unidade que decidiram demitir-se dos respectivos cargos, bem como não efectuar horas extraordinárias de trabalho .

Os demissionários reclamam que o governo regional está a “partidarizar”, a “politizar” o referido cargo, como se ao longo de toda a história da governação, decorrente da institucionalização da autonomia nesta Região Autónoma, essa não tivesse sido a principal marca dessa mesma governação. Como se os cargos na saúde ou nas demais áreas não tivessem sido sistematicamente entregues aos portadores do cartão laranja ou no mínimo a quem se identificava com o partido sediado na Rua dos Netos.

Ora, independentemente de outras justificações, a questão de fundo nesta “guerra” decorre da circunstância do empossado director clínico provir do partido menor da constituída coligação governamental, o CDS/PP e, por conseguinte, o lugar não ter sido atribuído ao pessoal do costume.

Claro está que toda esta controvérsia poderia ter sido evitada se a aludida coligação tivesse sido formada na base de um acordo político sustentado na procura do encontro de soluções para os problemas regionais e não numa mera distribuição de lugares, cujos contornos são por demais evidentes e altamente reprováveis.

E como o ditado popular é sobejamente claro, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita, está-se mesmo a ver que esta novela de baixo nível nunca terá um desfecho em que a saúde dos cidadãos aqui residentes fique a ganhar.

De resto, a partir do momento que a comissária política, a quem foi entregue a presidência do conselho de administração do Sesaram, resolveu colocar a votação, naturalmente com o respaldo do titular da pasta da saúde no governo regional, o nome inicialmente apontado para a direcção clínica, foram criadas condições para que os médicos, consultados ou não, se sentissem no direito de expressar publicamente a sua opinião.

E está bom de ver que, neste entretanto, enquanto os diferentes intervenientes desta “guerra” se vão entretendo em avaliar qual o elo mais fraco de toda esta estória, quem vai arcar com as consequências serão naturalmente os utentes do serviço regional de saúde. É que por muito que seja o profissionalismo dos envolvidos, é óbvio que enquanto se gastam energias neste conflito há atenções, preocupações que serão naturalmente secundarizadas.

Ou seja, a quem tenha esperado, ingenuamente ou não, que a situação calamitosa na saúde regional pudesse vir a ser corrigida, aconselha-se a que perca essa expectativa. Que, aliás, o próprio recém-empossado director clínico do Sesaram já fez questão de conter ao prognosticar melhorias, por exemplo, nas listas de espera, lá para quando houver o novo hospital….

O que equivale a dizer que quem tiver condições financeiras para recorrer ao privado poderá encontrar uma porta de saída, os outros, os demais, a esmagadora maioria, vão ter de continuar à espera (mais cinco, mais dez anos, o tempo que lhes calhar na sorte) da consulta, da cirurgia, do exame de diagnóstico. Pode ser que, pelo meio, uns tantos deixem de fazer parte do mundo dos vivos e as listas lá irão reduzindo-se aos poucos. Não esqueça, porém, que há o direito à saúde, consagrado constitucionalmente. Por isso, não se conforme, não se resigne. Faça ouvir a sua voz. Exija justiça no atendimento atempado nos cuidados de saúde!

  1.           O país foi recentemente confrontado com o chamado “Luanda Leaks”, a divulgação de milhares de documentos que expuseram a nu a forma como foi construída a fortuna de Isabel dos Santos, apresentada como uma das mulheres mais ricas de África. Na origem da revelação está o pirata informático Rui Pinto que fora já a fonte do denominado Football Leaks. Um dossier que originou processos judiciais e investigações em França, Suíça, Espanha e até nos Estados Unidos. E com base nessa informação obtida de forma ilegítima Ronaldo, Messi e outros grandes jogadores espanhóis, mas também franceses e de outras nacionalidades, e o treinador José Mourinho, foram obrigados a pagar milhões de euros às autoridades dos países em que exerceram a sua actividade.

E enquanto a França e a Espanha colaboraram com Rui Pinto, a justiça portuguesa preocupou-se com a invasão dos computadores, mas não com a evasão fiscal, nem com a desonestidade desportiva, de que o caso e-toupeira é paradigmático. As procuradoras do Ministério Público que investigaram o pirata informático nunca quiseram sequer saber o que estava dentro dos ficheiros, como revelou o jornal “Público”. Não admira por isso que Portugal se tivesse preocupado tão somente em pedir a sua extradição da Hungria, engavetá-lo e exibi-lo algemado, como escreveu Pacheco Pereira, como não vemos os maiores criminosos do país.

Com o “Luanda Leaks”, com a pressão de Angola a se fazer sentir, sabe-se agora que a justiça portuguesa congelou as contas bancárias de Isabel dos Santos em Portugal.

Mas, há outro material obtido por Rui Pinto que permanece encriptado nas mãos da Polícia Judiciária que os portugueses têm o direito de conhecer. Tanto mais porque dele constam, segundo fez saber o hacker, matéria como os Vistos Gold, a ESCOM e o BES Angola.

Resta saber se, como alvitrou o advogado José Miguel Júdice – cujo escritório também colaborou nos negócios de Isabel dos Santos –, mexer em tudo isso é pôr em causa o regime e, portanto, é preferível não o fazer, ou se prevalecerá a opinião expressa no “Expresso” pelo jornalista Henrique Monteiro, num texto sugestivamente intitulado “As algemas de Rui Pinto”: “o que está visto, não se pode deixar de o ter sido. O que sabemos, não podemos deixar de saber. E se sabemos, é avisado actuarmos”.

  1. A justiça espanhola anda a investigar um caso de corrupção e branqueamento de capitais envolvendo a petrolífera estatal venezuelana PDVSA. Segundo o “El Mundo”, o ex-embaixador de Espanha na Venezuela, durante o governo socialista de Zapatero, Raúl Morodo, e o seu filho, Alejo Morodo, são suspeitos de desviarem fundos da PDVSA, com contratos fictícios de assessoria, “carentes de toda a justificação real e lógica”, num total de 35 milhões de euros. E uma empresa de António Vitorino, ex-ministro socialista e actual director-geral da Organização Internacional para as Migrações, e da sua mulher é referida como fazendo parte do esquema de circulação dos fundos.

Dias depois, a revista “Sábado” noticiava que o ex-ministro da Administração Interna de um dos governos de Cavaco Silva, Dias Loureiro também aparece envolvido na investigação espanhola centrada nas suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais que visam o já referido ex-embaixador espanhol na Venezuela e o seu filho, casado com uma filha do antigo ministro de um governo do PSD. Em causa está a venda de uma casa em Madrid que uma empresa do antigo ministro fez à filha e ao genro por cerca de um quarto do seu real valor e que para o fisco espanhol pode configurar um eventual crime de branqueamento de capitais.

Ao jornal “Público” Dias Loureiro assumiu que foi uma “venda especial” pelo facto de a principal compradora ser a filha. Por sua vez, António Vitorino, quando a primeira notícia surgiu há cerca de um mês, negou qualquer envolvimento com empresas venezuelanas ou de se ter apropriado de 35 milhões de euros. Porém, nem uma nem outra coisa estão em causa, uma vez que a justiça espanhola apenas suspeita que Vitorino tenha sido pago pelos dois cidadãos espanhóis citados para facilitar a circulação do dinheiro, que andou a saltar por contas bancárias da Suíça e do Panamá até chegar a Espanha.

Em jeito de conclusão não resisto a reproduzir um post de Nuno Garoupa no seu Facebook: “Obviamente que em qualquer país do mundo há facilitadores que pressionam para favorecer o privado contra o Estado, facilitadores que pressionam para favorecer o Estado contra o privado e facilitadores que andam pela comunicação social. A originalidade portuguesa é os três em um – de manhã defendem o privado contra o Estado, à tarde defendem o Estado contra o privado e à noitinha ainda sobra tempo para dar umas aulas de ética ao país num espaço televisivo sem contraditório. Orgulho!”. Triste sina, a nossa. Nesta terra de apagada e vil tristeza.

 

      *por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

 

Post-Scriptum:

  • Incoerência: Ao longo dos tempos a Igreja Católica foi repetindo até à exaustão que a vida humana está acima de tudo, prevalece sobre todos os outros direitos. Agora, de repente, declara-se a favor do referendo à eutanásia. Uma espécie de vale tudo para tentar defender um princípio que pelos vistos pode ser posto em causa. O que se segue: a excomunhão dos deputados que se atreverem a legislar?!

 

  • Esconder o quê? O Instituto de Segurança Social da Madeira continua a não disponibilizar a respectiva lista de devedores, ao contrário do que se verifica a nível nacional. Que especificidade regional se pretende proteger? Ou o objectivo é proteger os caloteiros dos olhos da opinião pública? É já tempo de haver transparência nesta matéria. Quem não deve, não teme!

 

  • Distraído: Um ex-responsável da Ordem dos Médicos na Madeira sentiu-se injustiçado por alegadamente o seu nome ter sido vetado para o cargo de director de serviço da respectiva especialidade médica, esgrimindo estar a ser vítima de “delito de opinião”. Uma espécie de algo nunca visto. Ou trata-se de alguém muito distraído ou de mais uma vítima de amnésia. É que, ao longo da história autonómica regional, o que não faltam são exemplos de gente que foi prejudicada na sua vida pessoal e profissional apenas porque não se deixou encarneirar no redil da “máfia, no bom sentido”. Quando a memória é curta, há sempre quem se queira fazer passar por herói!

 

  • Cassete: A criatura cuja governação deixou como legado o famigerado PAEF da Madeira que infernizou a vida de milhares de cidadãos continua a perorar sobre tudo e mais alguma coisa, como se não tivesse quaisquer responsabilidades no estado a que tudo isto chegou, repetindo ataques a um sistema de que ele e os seus apaniguados foram alguns dos principais beneficiados. O último arrazoado consistiu numa “receita para o país” com a marca do PSD. Parafraseando um antigo monarca espanhol apetece retorquir: “por que não te calas”?