Entrevista ao presidente da SAD (parte 1): União “continua ligado às máquinas” mas a respirar melhor

Jaime Gouveia assumiu as rédeas da SAD do União da Madeira há pouco mais de dois meses. Em tão pouco tempo, muita coisa já mudou no União. Em entrevista ao Funchal Notícias, disse que encontrou o União moribundo e com um passivo de 4 milhões de euros. A SAD continua ligada às máquinas, mas com muito melhor condição de respirar autonomamente.

FUNCHAL NOTÍCIAS: Assumiu a presidência do conselho de administração da SAD do União num momemto conturbado, em finais de Novembro de 2019. A estrutura accionista está consolidada?

JAIME GOUVEIA: Este conselho de administração assumiu funções em 18 de Novembro de 2019. A nossa primeira preocupação foi, desde logo, tomar pulso à realidade do clube, que sabíamos ser má. No entanto, fomo-nos, de imediato, deparando com situações catastróficas, inadmissíveis num clube com a história do União da Madeira, que há quatro épocas, militava no principal escalão do futebol português. É um verdadeiro case studi pela negativa. No dia seguinte à nossa entrada em funções, deslocamo-nos ao complexo da Camacha para nos apresentarmo-nos à equipa sénior de futebol e o cenário que encontrámos foi humanamente desolador. Parecíamos estar, com o devido respeito, num velório. Um grupo de jogadores entregues a si próprios, com os treinadores a serem pau para toda a obra, e já sem força anímica para mais. Um plantel psicologicamente devastado, mal alimentado, em condições de sub dignidade humana e, sobretudo, em total ruptura financeira, em que, entre eles, já pedia dinheiro para tomar um simples café. Foi emocionalmente chocante ver pessoas nesta condições, quais “farrapos humanos”, o mesmo se passando com a generalidade dos nosso colaboradores.
A nossa primeira preocupação foi, acima de tudo, devolver a dignidade a estes seres humanos, a maior parte oriundos de fora da Região, sem qualquer apoio familiar, a maioria deles situando-se numa faixa etária a rondar os 20/21 anos. Foi gratificante ver a evolução desta gente. Considerada das mais fracas do campeonato, a equipa transmutou-se e, neste momento, está ao nível das mais fortes, sendo que não será obra do caso as seis vitórias consecutivas alcançadas. Estes atletas e esta equipa técnica, bem como todo o nosso satff, foram uns autênticos Guerreiros, a quem estamos muito gratos por tudo o que nos têm dado e da forma como têm honrado este emblema centenário. A todos eles, o nosso muito, muito obrigado.
Não posso também deixar de agradecer o inestimável contributo que tem sido emprestado a este causa pelos meus Colegas do Conselho de Administração, não podendo deixar de referir o nosso presidente do conselho executivo, o incansável Sérgio Nóbrega, o Presidente da Assembleia-Geral Estanislau Barros, figura incontornável nesta recuperação da marca União da Madeira, bem como o nosso futuro (a agraciar amanhã) Presidente Honorário Coronel Morna do Nascimento, o nosso sócio número1, que nos tem apoiado com o seu sempre sábio aconselhamento e ministrado a toda a sua prestimosa ajuda e colaboração nos momentos e situações que mais necessitamos, e são muitos.
Mas, não se pense que as coisas estão consolidadas, nem somos milagreiros. É consabido que esta SAD tem de passivo um valor de cerca de quatro milhões de euros e quase todos os dias somos surpreendidos com acções judiciais e inúmeros credores a nos baterem à porta. E, como deve calcular, não é nada, mas mesmo nada fácil. Felizmente, conseguimos, em tempo útil e no último dia, assinar os contratos programa com o Governo Regional, graças ao desbloqueio das situações de anos de incumprimento perante o Fisco e a Segurança Social, caso contrário, tudo ia por água abaixo, nem tínhamos condições, de neste momento, prosseguirmos com a nossa actividade. Agrademos às Instituições envolvidas neste processo o inestimável contributo que nos deram.

FN: As suas funções são “a curto prazo”. Ainda assim, é sua pretensão continuar após o período para o qual foi mandatado?

JG: A nossa entrada em funções foi por um período transitório, no sentido de arrumarmos a casa e alavancarmos o clube desportivamente, num verdadeiro espírito de missão e totalmente pro bono, mesmo em nosso prejuízo familiar e profissional. Isso, graças a Deus, foi conseguido. E também o foi porque um dos nossos propósitos foi alcançado, o regresso da nossa enorme massa associativa e a sua agregação em torno desta nossa nobre causa: o União da Madeira.
O meu compromisso é neste período transitório, dar o melhor de mim em prol de uma agremiação que me habitei a gostar deste tenra idade.

FN: Em pouco mais de dois meses resolveu situações complicadas de salários, criou o museu, mudou o logótipo, lançou um concurso para o layout do autocarro e até anunciou a mudança da sede para a Rua 5 de outubro. De onde apareceu o dinheiro para a SAD do União?

JG: À excepção dos salários dos nossos colaboradores, que, como é evidente, tem de ser pago em dinheiro, tudo o resto foi feito sem que o clube e a SAD gastassem um único cêntimo. É para isso que, num contexto económico e financeiro difícil, existem as parcerias.
O dinheiro que tem aparecido provém de empréstimos concedidos por pessoas amigas do União, que confiam nesta administração. Felizmente, ainda no decurso do presente mês de fevereiro, contamos receber do Governo Regional a primeira tranche do contrato programa desta época desportiva.

FN: Quando assumiu funções disse que precisava de pelo menso 400 mil euros até final da época. O fundo estrangeiro já entrou na estrutura accionista da SAD? Em que percentagem?

JG: Continuamos a precisar desse dinheiro. A estrutura acionista mantém-se. Se a realidade é dinâmica, muito mais o é a realidade do União da Madeira e, infelizmente, na maioria dos casos, essa realidade assenta em factores negativos que, muitas das vezes, fazem os próprios eventuais investidores reflectirem. Ainda na semana passada, fomos uma vez mais surpreendidos, com um pedido de insolvência do Clube de Futebol União, que teve novamente a ver com um compromisso assumido e não honrado pela anterior administração de pagamento de 80 mil euros por uma parcela de terreno privada, ocupada por parte do nosso complexo da Camacha. Foi feito acordo em tribunal em 2017 e nem a primeira prestação desse acordo foi paga. É com isto que temos lidado todos os dias. Mas, uma vez mais, logo no dia seguinte a mais esta notícia negativa, colocamo-nos em acção, reunindo com a proprietária do terreno e com outras instâncias. Se o Governo Regional expropriou, e bem, as restantes parcelas, porque é que a administração anterior não despoletou a envolvimento deste terreno no objecto expropriativo? Era isso que deveria ter sido feito na altura, e por razões que desconhecemos, não o foi.

FN: Na altura disse que o União estava “ligado às máquinas”. Já saiu dos cuidados intensivos?

JG: Continua ligado às máquinas, mas, sem dúvida, com muito melhor condição de respirar autonomamente. (Cont.)