Air Europa reduzida a Ibérica

Em 1987 um Boeing 757-200 da Air Europe aterrou de maneira desajeitada na Madeira, apoiando-se primeiro no trem do nariz.  Taxiou sem dificuldades até ao estacionamento, e sem sobressaltos de maior para os passageiros. Foi publicada uma fotografia num periódico madeirense em que se vê o comandante a olhar para a fuselagem “enrugada” com cara de “uh oh…”. O trem entrou pelo poço do trem acima, e o tubo da fuselagem entortou. Foram meses no chão, tendo sido chamada uma equipa da Boeing para o reparar. Ainda me lembro de lá ir e ver o “cockpit” todo desmontado e fios por todo lado, como os que agarrávamos perto dos postes de madeira quando havia reparações da parte de técnicos dos CTT. Conheci o senhor Hammer que me explicou que se chamava martelo na sua língua natal.  A Air Europe era parte de um grupo sediado no Reino Unido que tinha duas filiais chamadas Air Europa, uma na Espanha e outra na Itália. A inglesa eclipsou-se em 1991, a italiana separou-se na mesma altura e durou até 2008. O Grupo espanhol Globalia controla a Air Europa (UX) espanhola, e foi parceira da TAP na criação do projeto Groundforce. Ao contrário das “charters” que morrem no final do Verão, e desaparecem ao mínimo sinal de crise, a Air Europa espanhola foi capaz de se metamorfosear e crescer. Passou a ser uma “low cost” discreta, com voos regulares, sobretudo no mercado de lazer, adicionado aeronaves de longo curso para rotas LATAM, e acabou por integrar uma das grandes Alianças. Tradicionalmente controlava o “ar espanhol” a Iberia, que se uniu à British Airways, formando o grupo IAG, que se pode considerar o baluarte da aliança One World (1W). A morte da Spanair em 2012 apagou a luzinha resistente da Star Alliance, de modo que o único empecilho ao “status quo” do IAG-1W em Espanha é a Air Europa e a Skyteam, controlada pela AirFrance-KLM. Mesmo não dispondo do gabarito da Iberia, modernizou a frota e conta já com Dreamliners operacionais e Boeing 737MAX encomendados. Há uma década adquiriu Embraer 195, que chegaram a visitar a Madeira, em voos “charter” de Madrid.

Embraer 195 da Air Europa na Madeira (Foto: José Freitas)

Acho que é legítimo afirmar que a Air Europa desistiu da corrida. Num momento de pico no crescimento, mas sem vislumbrar hipótese de dar um passo em frente, com probabilidade de sucesso inferior à de ser corroída palas “low cost” nacionais e internacionais, a Globalia optou pelo dinheiro na mão. Com 45 aeronaves estava mais próxima de ser uma Monarch ou Aigle Azur do que uma TAP ou Finnair. Era segunda no grupo do “sangue – ou ar – azul” em Espanha, e dali não sairia nunca pela sua própria asa. Criar filiais noutros países da Europa seria visto como agressão pelas outras parceiras da aliança, e também não redundaria em rendimentos de relevo face ao investimento de expansão. O leque de serventes espanhóis dos mercados de lazer LATAM está polvilhado por pequenas “airlines” como a AirPlus International, a Wamos e a Evelop, muito próximas dos “tour operators” e a Espanha está infestada de “low costs”, que ajudar a impedir a Air Europa de se afirmar nas rotas internas.

Fiz muitas vezes Lisboa – Madrid na Air Europa, e recordo a quantidade de aeronaves diferentes que operaram a rota. Além do costumeiro E195 da Air Europa Express, também o ATR 72 da Swiftair – a mesmíssima que opera o cargueiro aéreo para a Madeira-, o E145 da Privilege Style e o Boeing 737-800.

Embraer 195 da Air Europa na Madeira (Foto: José Freitas)

Ocasionalmente apareceu o Airbus A330, por exemplo na final da Liga de Campeões em 2014. Voei no Airbus A330 da Air Europa num voo longo curso, Madrid-Cancún, em 2014.

“Winglet” de um A330 da Air Europa (Foto: José Freitas)

Foi a minha estreia no Airbus A330-300, e na memória fica um episódio insólito: no voo de regresso, ao parquear em Madrid no T1, a comandante estacionou o avião perto de uma das mangas onde a companhia costuma operar. Já com todos os passageiros de pé, a acabar de recolher as suas bagagens dos “overhead bins”, ouvimos um comunicado que nos teríamos de voltar a sentar para o avião se posicionar melhor junto à manga. Pela janela via-se que a manga ainda estava uns bons metros da fuselagem, mesmo esticada.

A330 da Air Europa refletido numa manga em Madrid (Foto: José Freitas)

Ainda mais incrível foi que solução não passou por reboque, mas sim por ligar os motores e percorrer metros avulsos a “jato”. Foi o mais pequeno trajeto motorizado que já fiz de “calços a calços”. É-me alheia a motivação de semelhante descoordenação, havendo “follow-me”, marcas no chão específicas para cada tipo de aeronave, e olhos treinados a bordo e no chão. Apesar disto tudo, a Air Europa abandona a sua independência com um “safety record” imaculado: ZERO acidentes em 33 anos.

Este evento é marcante para a aviação europeia. A consolidação do transporte aéreo tem sido construída pela expansão das grandes potências “low cost” (Ryanair, Easyjet, Norwegian, Wizzair); pelo fortalecimento das grandes, ora por via de parceria (Iberia-British Airways, Airfrance-KLM); por aquisição dentro da Aliança (Lufthansa-Swiss-Brussels, British Airways-Aer Lingus); ou por infestar a Europa com “low costs” (Vueling, Transavia, Eurowings) e projetos de “low costs” (Joon, Level, Anisec, e outros projetos de “ruído”). Pelo caminho têm caído as grandes mal geridas (Air Berlin) e a Alitalia (fênix das falências sucessivas ressuscitando-se com “liras” do contribuinte, após a Etihad abanar a bandeira branca), as mais frágeis dependentes do mercado turístico (Thomas Cook, Germania), as “airlines” de bandeira minúsculas (Adria Airways, Estonian Air), as independentes de média dimensão (Monarch, Aigle Azur) e as redimensionadas até à irrelevância (Brussels Airlines).

O negócio da Air Europa difere por ser uma aquisição cujas partes são de Alianças diferentes. Para o passageiro espanhol é um passo atrás. Não se conhecem as intenções do grupo IAG, mas é irrelevante se se mantém a marca ou se integra. Desaparece um concorrente, e com isso uma virtude do mercado.