*José Miguel Tropa
Provavelmente já ouviu diversas vezes o termo “branqueamento de capitais” e ligou-o automaticamente aos “crimes de colarinho branco”, às grandes “falcatruas” financeiras, ou a atividades criminosas que, dada a sua natureza, lhe passavam verdadeiramente ao lado. A verdade é que já não é bem assim.
O branqueamento de capitais não é mais do que a transformação, de dinheiro obtido por via de atividades criminosas (droga, armas, medicamentos, fraude fiscal, tráfico humano, etc), que visa a dissimulação da origem ou do proprietário real dos fundos, dos proventos resultantes de tais atividades ilícitas, concretizando-se em capitais reutilizáveis nos termos da lei e, dando-lhes, no final, uma aparência de legalidade.
Um exemplo é a emissão de facturas falsas de serviços não efetivamente realizados (logo, facturas falsas) para justificar o recebimento de valores que, na verdade, foram recebidos por alguma atividade ilegal, tal como a corrupção, a venda de droga ou pura e simplesmente rendimentos obtidos no estrangeiro e não declarados ao fisco no momento correto. É uma forma de se justificar a existência de valores ou bens obtidos de forma inidónea através de falsas operações idóneas.
O branqueamento de capitais constitui crime, nos termos do artigo 368.º-A do Código Penal (CP) e, mais especificamente, no contexto da Lei n.º 83/2017, que entrou em vigor em Setembro de 2017. E é aqui que esta “nova lei”, sobre um tema já “antigo”, se passou a aplicar a si, que está a ler este artigo:
Na verdade, estão sujeitas às disposições da nova lei, entre outros, todas as entidades financeiras com sede em território nacional (isto inclui os respetivos funcionários, note-se). Em especial as instituições de crédito; empresas de investimento e outras sociedades financeiras; sociedades de investimento mobiliário; sociedades e investidores de capital de risco; consultores para investimento em valores mobiliários.
Esta “nova” Lei do Branqueamento de Capitais também se aplica a entidades não financeiras, tais como concessionários de exploração de jogo em casinos, entidades pagadoras de prémios de apostas e lotarias; outras entidades que exerçam qualquer atividade imobiliária; auditores, contabilistas certificados e consultores fiscais, constituídos em sociedade ou em prática individual; advogados, solicitadores, notários, juízes, conservadores do registo e outros profissionais, constituídos em sociedade ou em prática individual; outros profissionais que intervenham em operações de alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de atividades desportivas profissionais; operadores económicos, incluindo os prestamistas; entidades autorizadas a exercer a atividade de transporte, guarda, tratamento e distribuição de fundos e valores; comerciantes que transacionem bens ou prestem serviços cujo pagamento seja feito em numerário.
Nos termos da Lei, ficam sujeitas a “procedimentos de identificação e diligência” transações ocasionais “de montante igual ou superior a 15.000 euros, independentemente de a transação ser realizada através de uma única operação ou de várias operações aparentemente relacionadas entre si”, assim como transferências “de fundos de montante superior a 1.000 euros e quaisquer outras operações que, “independentemente do seu valor e de qualquer exceção ou limiar”, se suspeite que “possam estar relacionadas com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo”.
Os agentes das transmissões financeiras têm assim, sob pena de não o fazendo, estarem a cometer um crime, prestar a informação necessária e implementar as medidas necessárias em caso de risco. “Em complemento dos procedimentos normais de identificação e diligência, as entidades obrigadas reforçam as medidas adotadas ao abrigo do dever de identificação e diligência quando for identificado, pelas próprias entidades obrigadas ou pelas respetivas autoridades setoriais, um risco acrescido de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo nas relações de negócio, nas transações ocasionais ou nas operações que efetuem”.
Todas as entidades (e com isto, incluem-se os respetivos funcionários), devem adotar medidas reforçadas eficazes e proporcionais aos riscos existentes, sempre que estabeleçam relações de negócio, realizem transações ocasionais, efetuem operações ou de algum outro modo se relacionem com pessoas singulares ou coletivas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica estabelecidos em países terceiros de risco elevado (Art. 37.º).
A legislação também reforçou os poderes do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), permitindo que este departamento do Ministério Público, “com vista à realização das finalidades da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo, aceda diretamente e mediante despacho, a toda a informação financeira, fiscal, administrativa, judicial e policial, necessária aos procedimentos de averiguação preventiva subjacentes ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”.
A lei diz ainda que “as entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo”.
Em resumo, o que deve fazer? Está previsto na Lei, e subsume-se nos seguintes deveres:
– Dever de recusa (Art.º 13º nº 3 e Art.º 50.º) – recusa em iniciar uma relação de negócio ou realizar transação ocasional, quando não forem facultados os elementos de identificação e toda a outra informação relacionada com dever de diligência;
– Dever de conservação (Art.º 14º nº4 e 51º) – conservar (por 7 anos) os documentos obtidos no âmbito dos deveres de identificação e de diligência; dos comprovativos e dos registos das operações;
– Dever de exame e identificação (Art.º 15º nº2, a) e b), Art. 23.º, 32.º e 52.º) – examinar com especial cuidado e atenção qualquer conduta, atividade ou operação que evidencie maior grau de suspeição, de acordo com a sua experiência profissional, conservando por 7 anos os resultados do exame;
– Dever de comunicação (Art.º 16º nº4 e nº6, Art. 20º, 33.º e 43.º) – ao Procurador-Geral da República (PGR) e à Unidade de Informação Financeira (UIF) informações ou suspeitas relacionadas com a prática destes crimes;
– Dever de abstenção (Art.º 18º e 47.º) – abster-se de executar qualquer operação que saibam ou suspeitem estar relacionada com a prática destes de crimes (determina sempre comunicação ao PGR e à UIF – art.º 16);
– Dever de colaboração (Art.º 17º, 18º, 33.º e 53.º) – prestar a colaboração requerida pelas entidades competentes, garantindo o acesso direto às informações e apresentando os documentos e os registos solicitados;
– Dever de segredo (Art.º 19º, 20.º n.º2 b) e Art.º 54.º) – não revelar ao cliente ou a terceiros as comunicações efetuadas (Art.º 16º) e/ou investigações em curso;
Por isso, aqui fica o nosso alerta. Quem o avisa, seu amigo é.