Os Partidos Raríssimos


Não são assim tão raras as notícias de interesses pessoais nas instituições que vivem de dinheiros públicos. Volta e meia somos invadidos pela descoberta e pela denúncia de quem se repugnou com semelhante desplante. E de imediato, a comunicação social (bem!) e os políticos se apressam a pedir rápidas inspecções e imediatas demissões.
O meu saudoso pai costumava dizer que gerir dinheiro público é semelhante a mexer com a mão num pote de mel: é preciso evitar a tentação de levar o dedo à boca! O dinheiro público é fácil de obter e há quem, por o gerir, se acha no direito de retirar o seu dízimo. Alegam o seu estatuto, o esforço pessoal, a abnegação e tudo o mais para se intitularem com um especial direito a auferir uma maquia daquilo que a lei e os Governos lhes concedem exclusivamente com objectivos sociais, em nada individualizados.
É evidente que estas notícias revelam o que a natureza humana tem de pior. Revelam a pobreza de um Estado que não fiscaliza porque tem fracos meios de controlo dos dinheiros que concede. Revelam ainda o parolo exibicionismo de alguns que associam o serviço a uma causa pública/social à necessidade de promoções pessoais, fotografadas nos escaparates ladeados do jet set politico. Revelam por último uma promiscua relação entre a politica e a solidariedade social, ambas querendo dela tirar proveito.
Há porém toda uma hipocrisia que é preciso denunciar.
A virtuosos políticos que rapidamente se apressam a instituir inquéritos e sindicâncias, apagando da memória colectiva as visitas, as prebendas, as fotografias que procuraram tirar para estar junto “dos que mais necessitam”, falta-lhes coerência ética. E essa coerência deve começar por casa, ou seja pelos próprios partidos políticos onde militam.
Os partidos políticos são instituições de interesse público alcandoradas constitucionalmente ao topo da organização democrática. São fundamentais ao regime e garantem aos cidadãos a escolha dos seus governantes de forma organizada e periódica. Têm a obrigação de formar, propor e essencialmente servir a causa do bem comum. Por isso são financiados – e bem! – pelos dinheiros dos contribuintes.
Mas a lei dos partidos políticos – datada de 2003 – não nos garante que sejam instituições de bem. Os dirigentes dos partidos políticos, tão prolixos na transparência dos outros, protegem-se uns aos outros e não asseguram que a organização interna e a gestão dos seus partidos seja transparente e fiscalizada como devia ser.
Mais escondida é ainda a gestão financeira dos partidos. Os dirigentes dos partidos políticos não explicam como gastam o dinheiro que os contribuintes lhes põem nas mãos, nem se sujeitam a verdadeiras auditorias que fiscalizem as suas despesas e a forma como gastam. As contas dos partidos políticos deviam ser auditadas por revisores oficiais de conta e o Tribunal de Contas (e não uma Entidade de contas junto do Tribunal Constitucional que está deliberadamente manietada por lei) devia fiscalizar a sua gestão.
Como se compreende, caro leitor, que, face à natureza das receitas que têm, que haja partidos políticos que constituíram fundações, criaram patrimónios vastos e até que dirigentes partidários com cartões de crédito da instituição os usam para as suas despesas pessoais e pagam serviços que nada têm a ver com as finalidades públicas dos partidos?
Dir-me-ão que os partidos têm órgãos próprios para exercer essa fiscalização (como resulta da lei) e desde logo as suas assembleias plenárias de militantes (vulgo Congressos). Pura ilusão! Para além de ser notório que esses órgãos não funcionam na plenitude, a verdade é que os partidos estão longe de serem exemplares na organização democrática, na participação dos seus membros, na liberdade interna. E isso impede um funcionamento adequado à natureza das funções que exercem.
É crucial para o regime democrático, não só a aproximação de eleitores aos eleitos e uma maior participação democrática dos cidadãos independentemente da sua filiação, mas fundamentalmente que os partidos políticos sejam instituições fiáveis e transparentes.
E não o são!
Suspeitas alegadamente raríssimas não existem apenas em instituições particulares de solidariedade social! Elas proliferam livremente no seio das próprias instituições partidárias.
Parece é faltar coragem para abordar esse assunto, até agora TABU do sistema.