Dar de comer aos peixes e às aves

Rui Marote
 A imagem do dia. São sete horas na ponta do cais da cidade. Um pescador solitário lançou a linha ao mar, um pombo fazia de poleiro o varandim de protecção. Lentamente, aproximou-se do amante da pesca, sendo recompensado com miolo de pão que servia de engodo. Estes dois seres vivos parecem querer dizer um ao outro, vou lutar até ao amanhecer, vou lutar até o sol raiar, vou lutar até receber. A ave recebe o primeiro alimento do dia; o pescador aguarda que a sua cana lhe possibilite a captura do primeiro peixe do dia.
São duas lutas desiguais, a da ave que luta pela sobrevivência e, o homem que pesca por desporto ou quiçá para favorecer algumas refeições sem gastar no supermercado. Este homem continuou calmamente a alimentar os peixes e a aves, embora não a pregar, como o padre António Vieira. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam, recorde-se.
“Uma só cousa pudera  desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há de converter. Por esta causa não falarei hoje em Céu nem Inferno, e assim será menos triste este sermão, do que os meus parecem aos homens, pelos encaminhar destes dois fins. Haveis de saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós, tem duas propriedades, as que vós mesmos se experimentam: conservar o são e preservá-lo, para que se não se corrompa”, lembrámo-nos nós das palavras do grande orador. E deixámos o cais  com o sol no horizonte.
Ao amante da pesca que não teve uma manhã de Glória, nem de Graça, esperemos que tenha acabado o dia em Graça e Glória.