Tiremos ilações

Já várias vezes abordei o tema da degradação das Funções do Estado naquilo que à Segurança de Pessoas e Bens respeita. Alertei para os sintomas de uma pandemia que, gerada no exterior, revelava fortes sintomas internos e devia preocupar-nos. A propaganda dos clubes de futebol, há muito, incita as respectivas claques “à luta”. A agressividade que assim se introduz na vida colectiva, acho eu, deveria ter sido contida em limites razoáveis por quem manda. Temos mortos e feridos a lamentar.

Hoje tudo acontece à velocidade da luz. Em menos de um mês a pandemia mostrou-se em todo o seu esplendor, podendo falar-se em causas – falei delas no parágrafo anterior – e efeitos da inércia com que agiram aqueles que tinham poderes para salvaguardarem pessoas e bens.

Na fatídica noite de 17 para 18 de Junho todos assistimos ao horror dos incêndios de Pedrógão. Vimos homens impotentes perante a violência que num ápice se abatera sobre aquela zona. Afrontar a violência, gerada pelos homens com a guerra ou vinda da natureza, requer prevenção e treino. Mas quando ”elas assobiam” há sempre imprevisibilidade. Quem manda, isto é, aqueles em quem votámos e nada fizeram para pacificar o futebol, perante a dimensão do desastre, dão-nos agora, na AR, um espectáculo nada dignificante da democracia. Basta! Não há incêndios de direita nem de esquerda. Há pura e simplesmente incêndios! Direita e Esquerda, recorrendo à retórica oca na AR, procuram os mais espantosos argumentos para fugirem às suas responsabilidades. Seria muito mais útil pegarem no contrato do SIRESP estudarem-no, reconhecerem os erros e pedirem-nos desculpa. O Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal foi aprovado por António Guterres e redefinido por Durão Barroso. Deverá, conforme sugere a sigla, responder nas emergências. Logo, não se entende que o contrato insira isto: “ A ocorrência de um caso de força maior terá por efeito exonerar a Operadora da responsabilidade pelo não cumprimento pontual das obrigações emergentes do contrato, na estrita medida em que o seu cumprimento tenha sido impedido em virtude da referida ocorrência, e dará lugar (…) à reposição do equilíbrio financeiro ou, nos casos em que a impossibilidade de cumprimento se tornar definitiva ou a reposição do equilíbrio financeiro se revelar impossível ou excessivamente onerosa para entidade gestora, à rescisão do Contrato”

Falei em pandemia, cujos primeiros sintomas em Portugal foram pequenas erupções cutâneas, como o futebol e o consequente desprestígio das Forças de Segurança, factos ignorados pelos partidos e pelos eleitos em quem votámos. Porém, os acontecimentos de Pedrógão, chocando o País, ganharam o estatuto de escândalo e os partidos já não encolhem os ombros. Como tudo aquilo que puder dar errado dará, a pandemia atingiu as nossas relações com exterior. Pedrógão, como referi acima, provou que não há fogos de direita contra fogos de esquerda. No assalto ao paiol de Tancos é de todo impossível – por muita vontade que haja, e há, – enveredar por esses caminhos ínvios da direita e esquerda. Em 1915 o episódio conhecido por “movimento das espadas”, protagonizado pelos militares que discordavam do envio de um contingente para França, tem elementos em comum com o actual mal-estar dos militares. Não vou entrar, por uma análise às posições de “guerristas” e “antiguerristas” ou pelas ideias de Afonso Costa e Sidónio Pais. Vou deter-me nos 43 anos decorridos de 1974 até hoje. Eu sou uma excepção, no meio dos muitos milicianos que andaram por África, pois não mordo os calcanhares aos militares que mostram desagrado pelo modo como andam a ser tratados. Logo havia de acontecer comigo, eu até construí dois paióis! Mendiguei ferramentas pessoal tinha! Hoje parece que nem munições levam nas patrulhas. Será verdade?

A partidarização do Estado está a deixar-nos incapazes percebermos aquilo que aconteceu. Estes profissionais que agora protestam são os sucessores daqueles que protagonizaram o movimento das espadas em 1915 ou nos enquadraram nas operações em África de 1961 a 1974. Foram os Jotinhas, alguns activos nos partidos, que não descansaram enquanto não extinguiram o Serviço Militar Obrigatório. Os negócios esperavam-nos, urgia mudar a lei. É vê-los aguerridos, na AR, querendo transformar o verdadeiro Interesse Nacional em mais um episódio de retórica. Bem Comum não podem ser os negócios de grupo.

Tenho esperança que o PR será capaz de fazer entender este princípio aos Portugueses, confrontando os partidos com os seus erros.