Portefólio da cidade: artistas de rua trazem descontracção à urbe

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Fotos: Rui Marote

São dos elementos que mais contribuem para animar uma urbe, proporcionando distracção agradável a transeuntes, tanto locais como turistas. Mas ainda há alguns anos eram quase inexistentes no Funchal. E os poucos que se atreviam a existir eram olhados com estranheza.

Hoje em dia é diferente. Não podemos, certamente, afirmar que os artistas de rua  pois é deles que se trata – proliferam em cada canto do Funchal, mas a nossa cidade vai-se progressivamente habituando a eles, e não falta já quem os olhe com simpatia, inclusive comerciantes locais, pela animação que atrai ao centro potenciais compradores.

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Os artistas de rua podem exercer o seu mister em muitas áreas, desde  a música ao teatro, passando pela mímica e pelas artes plásticas. No nosso meio, são os músicos quem tem, paulatinamente, conquistado mais espaço.

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Não é que não existam, intermitentemente, eventos ao ar livre, nos quais são convidados a participar diversos músicos. É simplesmente daqueles que fazem, preferencialmente, da rua o seu estúdio que falamos. E tantos que são eles em qualquer capital, ou mesmo simples cidade, europeia! Lá não há tantos pruridos em actuar para o grande público passante, simplesmente com o objectivo de passar o tempo de forma agradável e, entretanto, ganhar uns trocos bem úteis.

GOLDEN GATE PALCO DE MUSICA

Visite-se Viena, por exemplo, e encontrar-se-ão inúmeros estudantes de música dos conservatórios e academias superiores de música a actuarem na rua, quer a solo, quer em trios, quartetos, quintetos, sexteto e mesmo septetos – e que sons maviosos nos cumprimentam, por exemplo, nas imediações da ópera ou da catedral de Santo Estêvão. Claro está que nunca passaria pela cabeça dos estudantes do Conservatório da Madeira fazer tal coisa. As famílias nunca permitiriam. Poderiam tomá-los por pedintes, imagine-se lá. Era a desgraça e caíam os parentes na lama.

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Também os estudantes de música parisienses ou nova-iorquinos fazem actuações na rua com o maior à-vontade. Para não falar nos londrinos. E isto é que tem o seu quê de curioso. Nos países onde, supostamente, haveria uma maior retracção por causa da ‘diferença de classes’ (na Grã-Bretanha ainda se fala em ‘working class’, classe trabalhadora, por oposição às famílias com pergaminhos nobiliárquicos ou de riqueza) é que também a democracia se mostra, muitas vezes, mais completa e progressista. Poderíamos aprender muito com os anglo-saxónicos. Nos EUA, então, nem se fala. Estudantes da prestigiada Ivy League, as universidades de eleição, passam as férias a ganhar dinheiro a arrumar caixotes de produtos nas prateleiras de um supermercado e ninguém os olha de lado. Porque existe uma coisa que não tem paralelo em Portugal: a noção de que todo o trabalho é digno.

Durante décadas, o preconceito português obstou a que houvesse maior animação musical até nas ruas da capital da ‘metrópole’, Lisboa. Só quem cantava e/ou tocava nas ruas, praticamente, eram os cegos e pedintes… Felizmente, com o cosmopolitismo crescente, as coisas mudaram. Inclusive, como já dissemos, no Funchal. Hoje em dia é já vulgar encontrar grupos musicais, alguns com instrumentos bem curiosos e originais, a actuar em público, movimentando espaços centrais como o Mercado dos Lavradores ou a Placa Central da Avenida Arriaga com as suas revoadas de notas.

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Jazz ou música clássica são bem mais raros de ouvir, mas sempre se vão ouvindo. Sempre surge o esporádico e solitário violinista estrangeiro, o acordeonista, o estudante de improviso que se atreve a entoar umas notas no seu instrumento de sopro.

Porém, a maioria são músicos profissionais que se fazem acompanhar, frequentemente, por lamentáveis sintetizadores para dar maior fundo musical aos seus exercícios, como uns supostos índios sul-americanos que costumam actuar na baixa do Funchal, perto do mar. Apesar de tocarem razoavelmente flautas, o acompanhamento musical é electrónico.

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Já assistimos também à passagem pelo Funchal de um apreciável trio de guitarristas que, não sendo Paco de Lucia/McLaughlin/Di Meola, e não podendo rivalizar com estes grandes, nem por isso envergonham e deram mesmo múltiplas demonstrações de virtuosismo. Aparentemente, no entanto, não ficam muito tempo. Supõe-se que os madeirenses contribuem pouco e os restaurantes ou esplanadas pagam mal.

A Madeira sempre teve bons músicos, mas, no passado, tocavam geralmente em hotéis ou no saudoso clube de jazz da zona velha, onde pontificavam nomes como Tony Amaral ou Tony Cruz, entre outros. No jazz, existe uma velha geração de óptimos músicos e uma boa geração que lhes segue as pisadas – mas poucas vezes assistimos a alguns deles a actuarem nos espaços públicos – vulgo rua.

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Também a Orquestra Clássica da Madeira poucos concertos por ano dá ao ar livre, e a maioria está conotada com a comemoração de eventos oficiais, como o Dia da Região. Compreende-se se os músicos acharem indignos certos espaços para actuar Mas o mesmo já não se compreende de pequenos agrupamentos de música de câmara, como trios, quartetos, quintetos… Além de animar turisticamente a cidade, e de proporcionar raros momentos de beleza aos locais, não contribuiria uma atitude mais aberta, neste sentido, para cativar mais pessoas para os concertos pagos de música erudita?

Pior do que a não existência de bons músicos a tocarem ao ar livre, em zonas públicas, é a existencias de péssimos artistas a tocarem em público, com canções grotescamente pimba, para animar esplanadas. Pode argumentar-se que gosto não se discute. E nós podemos, candidamente, discordar.

Quanto às artes plásticas, poucos são os que se aventuram em espaços públicos para realizarem as suas obras. Neste sentido, o projecto que consistiu em convidar artistas a pintarem parquímetros foi uma excepção bem-vinda. Claro que os ultra-snobs acham tal coisa um aviltamento total do acto artístico. E claro que não faltará quem ache que um atitude assim serve também para democratizar e divulgar a arte, dando algum colorido à cidade. Quem quiser, que escolha.

Nas ruas centrais da urbe encontram-se por vezes alguns animadores de rua, inclusive homens bem dispostos que se passeiam sobre andas. Mas estão mais ligados a actos publicitários que de entretenimento. Rente às águas do porto, um homem-estátua preenche os dias com uma maquilhagem e vestimenta prateada. Já é personagem bem conhecida. Um dos amantes de um estilo de vida alternativo, que também constrói, com a ajuda de um amigo, pequenas obras de arquitectura efémera – castelos na areia da Praia Formosa, que muito despertam a curiosidade dos banhistas das mais diversas nacionalidades.

São homens (e mulheres) incomuns pela atitude descontraída, que dão alguma graça ao Funchal, e nos fazem esquecer um pouco das pressas, aflições e stresses do dia-a-dia. Bem hajam, também eles merecem uma referência neste portefólio da cidade.