Tranquada Gomes na primeira entrevista: “Estou dedicado a cem por cento à Assembleia”

SONY DSC
O presidente considera que um deputado que cumpra o Estatuto não tem um salário concorrencial com a privada.

É o responsável pelo primeiro órgão da autonomia há pouco tempo mas tem uma longa experiência parlamentar. A sua nomeação para presidente da Assembleia levantou dúvidas de incompatibilidade moral com a advocacia. Durante anos, acumulou as funções de advogado e deputado. Na sua primeira grande entrevista, Tranquada Gomes assume ao Funchal Notícias que escolheu, sem pressões, exercer o cargo em exclusividade. Nesta nova era política que se quer mais democrática, o sucessor de Miguel Mendonça está determinado em aproximar o parlamento das pessoas. Neste sentido, formou um grupo de trabalho com a missão da credibilização institucional, que dá pelo nome de “O Parlamento mais Perto”.

FN – O que mudou na sua vida depois que veio para a Assembleia Legislativa?

Tranquada Gomes – Deixei de ser advogado, passei a exercer as funções de presidente da Assembleia em exclusividade. Portanto, muita coisa mudou. As preocupações são de outra natureza, naturalmente.

FN – A sua nomeação como presidente da ALM gerou alguma controvérsia, sobretudo pelo facto de ter sido deputado-advogado e de não se saber se iria ou não exercer as novas funções em exclusividade. Sentiu-se pressionado a fazer essa escolha?

TG – Contrariamente ao que já li, ninguém me pressionou a assumir este cargo em exclusividade. Logo que me foi formulado o convite, foi eu próprio que decidi que o cargo de presidente seria incompatível, não legalmente, que não é, mas em termos substanciais, com o exercício da profissão de advogado.

FN – Até este momento, o que é melhor: advogado ou presidente da Assembleia?

TG – São duas funções de natureza distinta. Na advocacia nós contamos só connosco, na Assembleia temos de contar com os deputados, os funcionários… portanto, é uma organização muito grande que obriga a ter outro ritmo de vida, outras preocupações e leitura dos acontecimentos. A advocacia depende muito de si própria, apesar da decisão depender do juiz. Mas é uma profissão liberal e nela dependemos de nós próprios e não de terceiros. O cargo de presidente da Assembleia é totalmente diferente. Embora, é certo, tive a experiência anterior de ter cumulado o cargo de deputado com as de advogado e conciliei de modo, penso eu, positivo para ambas estas atividades. Neste momento, estou dedicado a 100% à Assembleia porque acho que é um cargo que tem muitas exigências. Implica uma total disponibilidade para o exercício das respetivas funções. O presidente, além de dirigir as atividades do parlamento e dos seus órgãos, exerce autoridade sobre todos os funcionários e agentes e sobre as forças de segurança colocados ao serviço da instituição.

SONY DSC
Nesta fase inicial, o presidente da ALM nem tempo tem tido para as habituais caminhadas de fim de tarde.

FN – Como presidente, vai andar com o cronómetro na mão a contar os tempos de intervenção da oposição?

TG – Não. A Mesa tem sido tolerante, ao contrário do que se possa pensar. Simplesmente, o Regimento manda o presidente, ou o vice-presidente da Assembleia que estiver a fazer a vez na gestão do plenário, interpelar o deputado que estiver a fazer o uso da palavra para lembrar que lhe falta pouco tempo para acabar a sua intervenção. Portanto, muitas vezes ao que as pessoas associam a uma certa “ditadura” na gestão dos tempos, não é mais do que o acatar a norma regimental e, até por uma questão de tolerância, os deputados têm sempre mais tempo. Na verdade, a Mesa tem tido um critério largo na apreciação dos tempos de intervenção dos deputados.

FN – Como vai lidar com o estilo de um deputado rebelde como José Manuel Coelho?

TG – Quando fui deputado e vice-presidente do grupo parlamentar do PSD fui muito crítico relativamente à postura do deputado José Manuel Coelho. Hoje, como presidente da Assembleia, não tenho razões de queixa. Acho que o senhor deputado também mudou, pelo menos a nível do comportamento, e isso tem sido positivo para a imagem da Assembleia, para o próprio deputado e para o debate parlamentar. Durante a discussão do programa de governo e sessões que se seguiram, notou-se que o ambiente no Parlamento está mais desanuviado, os deputados fazem as suas intervenções num contexto de liberdade,  não tem havido ofensas pessoais ou constrangimentos, com uma gestão dos tempos têm com alguma parcimónia, como já frisei. Portanto, tudo isto para dizer que o deputado José Manuel Coelho mudou o seu comportamento, porque talvez tenha concluído que se deve comportar tão bem como os demais deputados.

FN – Falemos do seu antecessor. É conhecida a crítica feita ao cargo exercido pelo Dr Miguel Mendonça, quando o mesmo era comparado a uma espécie de “rainha da Inglaterra”. Será que vamos ter “uma rainha de Inglaterra” à frente da Assembleia, com a carga pejorativa que a expressão encerra de falta de dinamismo e um acomodar-se ao sistema?

TG – O que lhe posso dizer é que o anterior presidente da Assembleia exerceu o cargo com  muita dignidade. Cada presidente tem o seu estilo. Cada um quererá deixar marca no exercício do seu mandato. O Dr. José Miguel Mendonça tinha o seu estilo, eu terei o meu. Obviamente que respeito a maneira como ele exerceu o cargo, acho que foi dignificante para a Assembleia Legislativa. Ele tem pouco a ver, como ator, com os maus momentos que a Assembleia teve no passado. Mas só tenho a registar que o Dr Miguel Mendonça exerceu o seu mandato de presidente, sobretudo nos últimos anos, em circunstâncias muito difíceis.

FN – A missão da Assembleia que a lei lhe confere de fiscalizar a ação do governo irá mesmo acontecer ou é mera retórica?

TG – Isso é um dos aspetos face aos quais os cidadãos já sentiram a diferença. O governo tem vindo ao parlamento com alguma regularidade, participa na conferência dos representantes parlamentares, há um a interação mais profunda entre a atividade governativa e parlamentar, o governo também tem vindo às comissões e, portanto, há de facto um relacionamento novo entre o governo e a Assembleia. Em Democracia tem de ser assim. No nosso sistema constitucional, o governo responde perante o parlamento e não ao contrário. É normal e saudável que o governo, que é fiscalizado pela Assembleia, esteja presente nos trabalhos parlamentares, dê a sua opinião e seja fiscalizado pelos seus atos. É a Democracia a funcionar. Não tem nada de extraordinário.

FN – Como está a Assembleia em termos de orçamento?

TG – Tem um orçamento que vai ser objeto de um orçamento retificativo. Houve uma alteração das verbas destinadas ao jackpot, uma redução de 40%, e há que traduzir isso em termos de orçamento, que será discutido em breve.

SONY DSC
O desemprego é o problema que mais preocupa Tranquada Gomes como madeirense. Mas pede otimismo às pessoas para que a economia seja reanimada.

FN – A redução das subvenções aos grupos parlamentares foi uma questão controversa, a início, mas que acabou por ser aprovada. Defendeu essa redução?

TG – Defendi na altura, como vice-presidente do grupo parlamentar do PSD.

FN – Há partidos que concordam com essa redução mas também comentam que poderá ser um espartilho para o desenvolvimento da sua ação. Acha que, ainda assim, o bom desempenho parlamentar é possível?

TG – É possível. A questão do chamado jackpot era recorrente, na anterior legislatura. Todos os partidos da oposição defendiam a sua redução, que era uma indignidade aqueles montantes. Logo que foi reduzido, começaram a se queixar que as verbas eram poucas. Ora, isto não é uma atitude sadia. Neste momento, há de facto um corte de 40%, que obriga a um orçamento retificativo, mas os partidos vão ter de se habituar a viver com menos. Numa altura de dificuldades para toda a gente, também os partidos não se podiam colocar de fora deste esforço que é pedido a todos os madeirenses.

FN – A nível de relacionamento do presidente desta Assembleia com o exterior, parlamentos nacional e açoriano, há alguma perspetiva de trabalho?

TG – Ainda não há. Ainda não falei com a Sra presidente da Assembleia dos Açores. Reuni com o Sr Presidente da República e com a Sra Presidente da Assembleia da República. Sublinho que encontrei uma total disponibilidade para ajudar a Assembleia Legislativa da Madeira. Eu registo naturalmente essa ajuda. Nós, madeirenses, só temos a ganhar se houver um bom relacionamento entre os órgãos de governo próprio da Região e da República. Aliás, já se viu nesta visita do Primeiro Ministro à Região que há de facto um clima desanuviamento, que já trouxe mais-valias para a população da Madeira e do Porto Santo.

FN – Como está o seu relacionamento com o anterior presidente do governo?

TG – Eu tenho encontrado o Dr Alberto João em reuniões formais e informais. Temos uma excelente relação e, que eu tenha notado, não há qualquer parcimónia entre nós.

FN – Quando sai da Assembleia, tem tempo para fazer outras coisas? O que costuma fazer?

TG – Não tenho tido tempo mas vou tentar fazer. Eu gosto muito de andar ao fim do dia. Ainda não consegui, depois que foi eleito presidente. Mas, agora, que a casa está mais ou menos arrumada, eu penso retomar em breve as minhas caminhadas durante a semana. Ao fim de semana, costumo jogar ténis com os meus amigos.

FN – Tem alguma paixão clubística?

TG – Sou do Marítimo. Mas fui nadador do Nacional.

FN – Como vê o futuro dos clubes madeirenses na I Liga do Futebol?

TG – Com a subida do União, será um futuro melhor. De facto, a Madeira ter três equipas na I Divisão é extraordinário. Sei que há restrições orçamentais, mas os clubes também estão cientes dessas restrições. Se o União quis ascender à I Liga é porque julga que tem condições para lá se manter. Não acredito que os dirigentes do União queiram subir num ano para descer no outro. É porque julgam que têm condições para fazer um campeonato na I Liga. Penso que a questão do desporto tem de ser muito bem analisada. É muito fácil dizer-se hoje mal do desporto porque se considera que o dinheiro investido deveria ser canalizado para outras atividades. Até por uma questão de clareza, era bom fazer o tal estudo para saber quais são os dividendos que a Madeira recebe do apoio que dá ao futebol profissional. Enquanto esse estudo não estiver feito, irá sempre gerar-se a dúvida em saber se a Madeira deve ou não apoiar esses clubes em detrimento de outros setores de atividade. Se ficar provado que há um retorno financeiro e até desportivo/educativo da participação dos clubes na I Divisão, então a política está correta e há que continuar a apostar. Se, pelo contrário, desse estudo resultar uma menos valia para a Madeira dessa participação, há que reequacionar esse apoio.

FN – Como madeirense, qual considera ser o principal problema desta Região, ou seja, aquele que mais o preocupa?

TG – O desemprego. Eu sei que vivemos situações amargas, muito difíceis, mas também deixe que lhe diga que não tínhamos muita alternativa. Temos o PAEF para vigorar até ao final de dezembro, há boas notícias relativamente às condições de financiamento da Região, em princípio o problema das viagens aéreas que nos atormentava está resolvido, e bem, o fundo de coesão dos cerca de 43 milhões vai ser utilizado para abater dívida comercial, o que significa dizer que via haver mais dinheiro na economia, os transportes marítimos também estão em fase de solução e, portanto, há bons sinais. Estas coisas levam o seu tempo porque as pessoas não podem pensar que, numa viagem do Primeiro Ministro, tudo se resolve imediatamente a seguir. Mas há de facto expetativas que a vida na Madeira seja melhor. Poderá dizer-me que houve erros no passado. É verdade e nós estamos a pagá-los em parte. Mas, mesmo que não tivéssemos a dívida que temos, estaríamos sempre sujeitos ao programa que Portugal assinou com a troika. Portanto, de uma maneira ou de outra estávamos penalizados. Apesar de a troika ter saído de Portugal, há compromissos que se vão prolongar no tempo e vão condicionar a vida das pessoas. Obviamente que vai dar outra folga para a tomada de decisões, porque a minha preocupação é a seguinte: hoje há pouca margem para a política, ou seja, decorrem do PAEF e do contrato que Portugal assinou com a troika, obrigações muito substanciais para a vida das pessoas, de tal maneira que hoje o espaço para a política é diminuto. Tudo está regulamentado, pré-determinado, e quando assim é, os políticos passam a ser meros executantes. Se reparar o que se passa hoje na União Europeia, nós pensamos que o poder está nos políticos, mas não está. O poder está mais concentrado naquele conjunto de funcionários de alto cargo, dada a complexidade da linguagem comunitária que é preciso descodificar, e eles de facto têm poder acrescido e acabam por determinar todas as decisões dos políticos.

FN – Mas, objetivamente, que soluções apresenta para o desemprego?

TG – Quem cria emprego não são os políticos mas a economia e é preciso pô-la a funcionar.

FN – Mas quem define a política económica é o governo…

TG – Não é só o governo. Já li algures que a economia é sobretudo uma gestão de expetativas. Se andarmos de sobrolho carregado, cabeça baixa, preocupados, não ajudamos em nada. É necessário criar expetativas para as pessoas, não expetativas insuperáveis, mas criar um bom ambiente para que ganhem aptidões, para que haja um sentir de que vale a pena apostar, os empresários voltarem a investir. É esta dinâmica da economia que pode criar emprego. O emprego não se cria por decreto, porque, muitas vezes, o emprego que se cria por decreto é artificial, sem tradução imediata na economia. No fundo, é agarrar dinheiro dos impostos para artificialmente criar emprego que não vai ter sequência. Os políticos têm de passar, neste momento, uma mensagem de esperança e de expetativa, criar um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios e das empresas. Muita gente critica as empresas, mas sem elas, onde encontrar postos de trabalho? É preciso dar condições para as empresas desenvolverem a sua atividade, pensar no tal sistema fiscal próprio para a Madeira. Na Europa, é muito difícil ter-se um regime fiscal como já conseguimos no Centro Internacional de Negócios por sermos uma Região Ultraperiférica. Mas se conseguirmos ter um regime fiscal próprio, para além do regime do CINM, então a Madeira terá condições para ser atrativa. Há aí setores, como a economia do mar, em que podemos ser competitivos e atrativos, temos de pôr a massa cinzenta a funcionar, mas para tal, há que passar uma mensagem de esperança. E aqui os políticos são importantes no sentido de transmitir a tal expetativa positiva para as pessoas.

SONY DSC
O presidente quer tornar mudar a imagem da Assembleia e torná-la interessante para os cidadãos.

FN – Grande parte dos cidadãos tem a ideia de que a Assembleia é um lugar onde os deputados fazem pouco e ganham muito. Isto corresponde à realidade e quem tem culpa desta má imagem?

TG – Há aí culpas repartidas. Mas queria dizer que essa imagem não é exclusiva do parlamento madeirense. Os parlamentos  estão em défice com a opinião pública, as pessoas olham para os eles como um sorvedouro de dinheiro, onde os deputados não desempenham as suas funções cabalmente. A questão não é exclusiva do parlamento regional. Depois, essa ideia de que os deputados ganham muito não tem tradução na realidade. Se um deputado quer ser deputado como o estatuto a que está obrigado, julgo que não está a ser bem remunerado, antes pelo contrário. Se compararmos o que ganha hoje um deputado com o que muitos poderiam auferir nas empresas privadas ou públicas, vamos ver que o salário de um deputado não é concorrencial com o que se paga na privada. Mas tudo isto pode ser alterado também com a ajuda da comunicação social. Vejo, muitas vezes, o relato da atividade parlamentar sempre pela negativa. E muitos deputados, desculpe a expressão, põem-se a jeito, porque, no plenário, em vez de discutir as ideias tentam sempre dar uma “cacha” ou uma dica para o trabalho jornalístico. O que sai não é o fundamento mas o acessório da discussão e isso é mau. Como alterar esta imagem? Julgo que se pode dar alguns passos, abrindo o parlamento às pessoas para verem o que se faz. Neste momento, que estão em curso os trabalhos da comissão eventual para a revisão do sistema político, vai trazer alterações ao Regimento, ao Estatuto Político Administrativo, à Lei Eleitoral, possivelmente à orgânica da Assembleia, as pessoas terão oportunidade de ver que há uma outra abertura. A comunicação social já está presente nas comissões. A presença frequente do governo na Assembleia cria uma diáletica importante, o Parlamento não fica barricado no plenário mas é uma instituição que se abre e partilha. Obviamente que, no que depender de mim, eu terei o maior prazer em desenvolver um conjunto de iniciativas que possam levar transparência do parlamento para fora e que permita às pessoas terem uma outra leitura da atividade legislativa. O parlamento não faz obra mas tem um papel importante em fiscalizar o uso dos dinheiros dos contribuintes pelo governo.  Na minha opinião, os parlamentos têm que se abrir às pessoas para que estas comecem a olhá-lo de uma outra forma.

FN – Para além do que mencionou, que planos tem para projetar ou reabilitar a imagem do Parlamento?

Queremos reabilitar e consolidar uma imagem do Parlamento como sendo a casa onde se produzem leis para melhorar o dia a dia da população, respeitando a voz de todos e cada um dos que elegeram os seus representantes, exigindo destes, em contrapartida, um esforço comum e responsável para a melhoria da qualidade de vida de todos. Mas, não basta que se trabalhe ainda melhor, é necessário demonstrá-lo e para isso é necessário, acima de tudo, amplificar os veículos de divulgação. A aproximação do parlamento aos eleitores é uma tarefa que requer um esforço transversal, dos deputados aos serviços e funcionários e que abrange vários tipos de abordagem. Começaremos por melhorar os níveis de informação sobre a Assembleia e a atividade parlamentar, e aqui “divulgação” é a pedra de toque e os recursos serão todos os disponíveis: desde a cobertura noticiosa habitual efetuada pelos órgãos de comunicação social, ao melhoramento dos conteúdos no portal da Assembleia na Internet, passando pela conceção e implementação de um projeto polivalente, para o qual foi constituído um grupo de trabalho encarregue da missão de credibilização institucional, com o nome “O Parlamento mais Perto” e que dinamizará eventos e iniciativas de molde a interagir com os visitantes e grupos-alvo. Esta iniciativa está ainda em fase de estudo e projeto, mas pretende chegar a todas as idades da população e a todos os madeirenses dentro e fora da Região. No fundo, o objetivo é tornar a Assembleia mais interessante, pertinente e presente na casa das pessoas, porque elas são a razão de ser desta instituição.

SONY DSC
Um orçamento retificativo da Assembleia será discutido em breve devido à redução do chamado jackpot.