Rita Pestana: “Política na Madeira bateu no fundo”

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Foto retirada da página pessoal do facebook

Quem não se lembra da forma frontal e incisiva com que a deputada socialista Rita Pestana enfrentava Jardim e a bancada parlamentar social democrata? Quem não se recorda das intervenções acaloradas da dirigente do Sindicato dos Professores da Madeira que marcou uma era daquele que é considerado dos maiores sindicatos na Região? Era assim Rita Pestana. O tempo passou e a mulher sempre pronta para todos os combates preferiu ceder a linha da frente sindical e política aos mais jovens. Mas anda sempre ligada ao universo do Sindicato dos Professores e a marcar presença nas suas causas, quando a palavra de ordem é a luta. No Dia Internacional da Mulher, abomina ajuntamentos fúteis e o comércio à volta da data. Mas celebrará as conquistas.

 Funchal Notícias: Que é feito neste momento da Rita Pestana, a histórica dirigente sindical e deputada?

Rita Pestana – Boa pergunta! A resposta não é fácil e, certamente, será polémica e considerada egocêntrica.
Estou, profissionalmente, aposentada e ando por aqui… não “por aí” (Santana Lopes)… Olhando e cuidando de mim e das minhas filhas. Tentando recuperar algum tempo “perdido” no sentido em que, tempos houve em que coloquei a minha participação social e política à frente da minha vida pessoal e da minha vida familiar. Tenho a certeza de que, se o tempo pudesse voltar atrás, voltaria a fazer tudo da mesma forma… mas, agora, com uma outra consciência e postura pessoais. Primeiro, estou eu e a minha família, depois os outros! Estou fazendo aquilo que gosto e me dá prazer. Não fazendo nada, muitas vezes. Participando, social e solidariamente, naquilo que posso, sei e gosto.

FN- Qual é a missão com que mais se identifica: sindicalista ou professora?

RP– Sindicalista, sem dúvida! E não há aqui nenhum sentimento corporativista. Há, pelo contrário, um sentimento de que “primeiro a nossa casa”. Se eu não gostar de mim, da minha profissão, da profissão daquelas e daqueles que me acompanham profissionalmente;  se eu não souber lutar por mim e por aquelas (es) que represento profissionalmente, nada feito. E é verdade que, do ponto de vista sindical, pertenço a uma geração que muito conseguiu em termos de valorização da carreira docente. Foi o tempo e a geração da negociação e aprovação do 1º Estatuto da Carreira Docente, um documento estruturante para os professores e educadores. Um documento que, pela primeira vez, considerou a Carreira Docente como uma carreira especial dentro da Administração Pública com consequências efetivas, quer na valorização material, quer na valorização social.

FN – Como vê o futuro da Madeira em vésperas de eleições?

RP – Com muita apreensão. Na verdade, nós, eleitores da Madeira e do Porto Santo, permitimos, com o nosso voto ou com a nossa abstenção, que uma governação autocrática e “autista”, nos tivesse trazido até uma situação de absoluta asfixia financeira que estamos a pagar com “língua de palmo e meio” e que nos não permite prever um futuro de relativa melhoria. Permitimos, por outro lado, a degradação política das nossas instituições, a começar pela Assembleia Legislativa da Madeira, órgão máximo da nossa Autonomia. Decididamente… Hoje, não me sinto, representada por aquele palco que já não tem nada, nem de legislativo, nem de debate político. E o que aí vem, não me tranquiliza. A simples circunstância de termos 17 candidaturas com os contornos que conhecemos é a prova evidente que a política, entendida como serviço público, bateu no fundo na Região Autónoma da Madeira. Digo-o com pena, mas digo! Em 40 anos de Democracia, e quando estamos a menos de um mês da eleições, não sei em quem votar. Mas vou votar!

Foto retirada da página pessoal do facebook
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FN – O Sindicato dos Professores da Madeira vai eleger um novo coordenador. Como viu esta mudança?

RP – Com grande tranquilidade. O SPM é uma associação profissional viva e dinâmica que não se permitiu em momento nenhum da sua história qualquer situação de “orfandade”. Tenho a certeza que vai encontrar o seu caminho e que vai continuar a ser o maior sindicato da Região, em termos de intervenção e ação sindical.

FN – Os professores sabem valorizar o Sindicato?

RP – Tenho a certeza que sim! Os professores e educadores reconhecem que o SPM é o sindicato que melhor os representa, nas suas diferentes vertentes de intervenção. Contudo, é normal que, em tempos de crise como aqueles que atravessamos, haja muita revolta porque tudo nos falta, quando tudo nos exigem, e que os sentimentos de frustração e impotência tenham que ser descarregados. Descarregamos sobre quem nos está mais próximo e sobre quem nos é mais querido. Psicológica e emocionalmente é assim que funciona. Mesmo nas famílias mais estruturadas.

FN – É difícil ser sindicalista na Madeira?

RP – Eu não diria que é difícil. Diria, antes, que já foi mais estimulante. Há, hoje, um sentimento generalizado que atravessa toda a sociedade que as conquistas laborais adquiridas depois do 25 de Abril estão a ser desmanteladas e que a luta sindical é, agora, uma luta inglória. E não é verdade! Os benefícios da luta sindical não se medem, apenas, pelas reivindicações que conseguimos alcançar. Medem-se também por aquilo que conseguimos evitar. E, não fosse a ação e a luta dos sindicatos, e os governos já teriam ido muito mais além nas políticas neoliberais que desvalorizam o trabalho e atravessam toda a Europa. Num momento em que acredito numa viragem política a nível nacional, deixo uma mensagem aos sindicatos de professores: sem desvalorizar a ação global em defesa de todos os trabalhadores, recentremos a nossa ação no ECD e no que ele representa para os docentes, para o ensino e para a Escola Pública.

FN – Atravessou momentos familiares muito difíceis, até mesmo ao nível da saúde. Como se sobrevive a estas mazelas?

RP – A este tipo de mazelas não se sobrevive… Ou as enfrentamos com coragem, força, fé e esperança ou elas matam-nos! Eu decidi enfrentá-las e confrontá-las como pude e soube.
Era dia 19 de Setembro de 2012. Pela quarta vez na minha atribulada vida, o céu caía-me em cima da cabeça e a terra fugia-me debaixo dos pés. As três primeiras já tinham sido ultrapassadas e não serão trazidas a este passado mais recente. O terrível diagnóstico chegou! E a decisão terapêutica também! A minha filha mais velha tinha uma neoplasia da mama. Seis sessões de quimioterapia agressiva considerando a idade (com os efeitos secundários que conhecemos) a que se seguiria a intervenção cirúrgica e 25 sessões de radioterapia, foi o plano definido pela equipa multidisciplinar do serviço de patologia da mama. Reações? As normais em pessoas ditas normais!(1)O medo; (2) A revolta; (3) As perguntas a Deus e à Vida; (4)A aceitação; (5) A ação. E lá enfrentámos o “bicho”… com força, com esperança, com fé, com vontade de vencer. E a minha filha, aparentemente, tão frágil revelou-se uma verdadeira heroína!  Sempre com um sorriso no rosto e tentando sempre fazer a sua vida normal, (incluindo trabalho e saída com os amigos). A título de exemplo, permitam-me um pequeno à parte, mas que me enche de orgulho… Fazia quimioterapia às 18h00, depois do seu horário de trabalho, e no dia seguinte, às 9h00, estava no seu gabinete de trabalho. Aos colegas de trabalho e aos dirigentes do Instituto onde trabalha, os nossos eternos agradecimentos pelo acompanhamento e compreensão nos dias menos bons! À família e aos amigos e amigas, o meu mais sincero obrigada por não terem permitido aquela depressão que seria expectável!
E eis que, então, em Abril de 2013 (mês da intervenção cirúrgica da minha filha), chega sem surpresa, o meu diagnóstico. Sem surpresa porque eu já sabia que estava doente. Não me perguntem como, nem quando soube. Não vou responder! Dizer apenas que as minhas glândulas lacrimais se recusaram a produzir mais lágrimas e que o meu reportório de insultos a Deus e à vida se tinha esgotado… Restava-me seguir em frente, fazer o que tinha que ser feito, seguir o exemplo de coragem da minha filha. Hoje, estamos cá, olhando e vendo a vida de forma diferente… Valorizando aquilo que é fundamental e passando ao lado do acessório.
Não quero, nem posso terminar, sem uma palavra de agradecimento e conforto à minha filha mais nova. É que a Sara, no meio desta atribulação familiar, acompanhou e cuidou, carinhosamente, do seu companheiro de nove anos, a quem em 2012 foi diagnosticado um cancro de fígado em estádio já muito avançado e que “partiu” no fim do passado mês de Fevereiro. Na certeza de que, lá em cima, temos mais uma estrela a olhar por nós e a guiar os nossos caminhos. Eram um bom e generoso homem. Obrigada, Parada! Obrigada, filhinha, por seres quem és e como és!

Foto retirada da página pessoal do facebook
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FN – Como analisa o ensino atual na Madeira?

RP – Ensino na Madeira, como analisar? Não sei, tenho muita dificuldade em responder. Não há política educativa na Madeira! Aliás, concordando-se ou não, não temos política educativa, na RAM, desde Francisco Santos. É verdade que nem sempre estivemos de acordo; é verdade que tivemos muitos e saudáveis confrontos na ALR. Mas sabíamos para onde e por onde queria ir o governo! Os últimos anos, com particular destaque para este último mandato de Governo PSD, foi o completo “deserto”. As escolas funcionaram? Claro que sim. Funcionaram porque tínhamos alunos, professores, educadores, pessoal não docente e uma Direção Regional de Administração Educativa. Tudo o mais, desculpem-me a expressão, “encheu chouriços”.

FN – Qual é o projeto que ainda não concretizou? Desligou-se completamente e definitivamente da política?

 RP – Ninguém se desliga, completamente, da política. Todos os cidadãos são políticos, embora haja quem afirme ser “apolítico”. Mesmo, na abstenção, há uma intenção e uma atitude políticas. E eu não sou diferente! Política partidária e ativa? Sim, completamente desligada. “ Para tudo há um tempo. Para cada coisa um momento.” (Eclesiastes 3.1). O meu tempo e o meu momento para a política ativa terminaram há muito! Projectos? Sempre achei que me faltava escrever um livro. Mas quanto mais penso, mais me convenço que, em termos literários, não tenho essa capacidade. Acho que me ficarei pelas filhas e pela árvore.

 FN – Que conselhos deixa aos madeirenses ou tem algum segredo que queira partilhar?

RP – Conselhos? Segredos? Não há ou eu não os conheço e, como tal, não sei dá-los. Cada ser humano é um indivíduo e cada indivíduo reage à sua maneira, em função da sua forma de ser e estar e considerando os seus contextos sociais e familiares. E se alguma nota posso deixar, é uma verdade de “La Palisse”.Não descurem a prevenção! Não façam como eu que a descuidei profundamente. Quando decidi cuidar-me, já “o caldo estava entornado”.

FN – Como encara a comemoração do Dia Internacional da Mulher, neste domingo?

RP – Sempre fui uma grande entusiasta das comemorações do Dia Internacional da Mulher. Fui e sou! No sentido em que é Dia de homenagear todas as mulheres que, durante décadas, lutaram pela igualdade de direitos e deveres entre géneros! É dia de lembrar aos Estados e às Sociedades que, mesmo nas sociedades ditas democráticas, há ainda uma grande diferença entre aquilo que diz a legislação que prevê a igualdade de direitos e deveres e aquilo que acontece na prática!  É dia de lembrar que as maiores vítimas da violência doméstica são mulheres e Mães! É dia de lembrar ao mundo que ainda existem sociedades onde a mulher não tem direitos.
Abomino a utilização comercial em que se transformou este Dia e outros Dias Internacionais; abomino os “ajuntamentos” de mulheres que adulteram completamente, o sentido e a filosofia que estiveram subjacentes à criação do Dia Internacional da mulher. E mais não digo! A não ser que, cada mulher tem o direito de escolher a forma como assinala o seu Dia, mesmo que, no dia seguinte, leve um enxerto de porrada.
Eu optarei, certamente, por comemorar este Dia de forma construtiva e em paridade. Mas vou continuar a comemorar!