Que sentido faz falar da aluvião de 20 de Fevereiro de 2010 cinco anos depois, quando cinco, dez, vinte, cem anos antes já tudo havia sido dito e nada foi feito? Que sentido faz falar do 20 de Fevereiro de 2010 cinco anos depois, quando a sociedade e o seu governo preferiram gastar as centenas de milhões de euros das ajudas em obras megalómanas de eficácia duvidosa em vez de acudir aos afetados e apostar na prevenção? Que sentido faz estar eu aqui, novamente, a falar deste assunto se já em carta régia de 14 de Maio de 1804 se reconhecia que as pesadas consequências das aluviões decorriam da “total destruição das preciosas matas que consolidavam a superfície” da ilha e, cinco anos depois do 20 de Fevereiro de 2010, temos novamente uma franja da sociedade madeirense a insistir no regresso do gado às serras da Madeira? Que sentido faz insistir naquilo que já Carlos Azevedo de Menezes havia alertado, há quase cem anos atrás, no Elucidário Madeirense, chamando a atenção para o papel do coberto florestal na prevenção das aluviões, se hoje a sociedade madeirense e os seus governantes revelam uma profunda inércia relativamente à prevenção de incêndios? Que sentido faz repisar uma questão que já tanto foi falada e tanto sofrimento causou à sociedade madeirense e nem assim, hoje, deixamos de impermeabilizar solos e construir em zonas de risco? Vale a pena referir que já no início do século XX Carlos Azevedo de Menezes, preocupado com a segurança das populações, defendeu a rearborização das margens das ribeiras de modo a permitir a contenção dos solos e rochas se ontem e hoje a sociedade madeirense insiste em canalizar essas margens para ocupá-las?
Sim, talvez por tudo isto faça sentido falar cada vez mais do assunto mas já cansa gritar para surdos porque apesar de estar tudo dito, no terreno, continua tudo na mesma ou cada vez pior. Por isso, em vez de repetir o que já foi dito, deixo aqui parte de um dos muitos artigos que publiquei sobre o assunto, este em Setembro do ano 2000, e que, passados quase 15 anos, continua, infelizmente, demasiado atual:
“Ao longo dos cinco séculos que fizeram a história da ilha da Madeira, a natureza tem tentado ensinar aos madeirenses que os cursos de água são espaços onde a ocupação humana deve ser evitada. Atualmente, esquecendo os ensinamentos que a história nos oferece, e a coberto de um desenvolvimento insustentável, estamos em pleno processo de canalização das ribeiras para ocupação das suas margens. A história escreveu com inúmeras vidas perdidas a gravidade do erro que é não respeitar o curso natural das águas. Mesmo assim, as entidades governamentais insistem em continuar a desafiar as forças da natureza, mesmo sabendo que mais tarde ou mais cedo a desgraça pode voltar a bater à porta dos madeirenses. A ausência da Reserva Ecológica na Região Autónoma da Madeira é uma das causas, associada à falta de sensibilidade, que tem levado a uma cada vez maior descaracterização das ribeiras. Se a criação desta Reserva tivesse sido atempadamente concretizada, as linhas de água estariam dotadas de um estatuto de proteção mais consistente, evitando muitos casos hoje em dia consumados. As ribeiras são claramente zonas de risco que devem ser respeitadas como ecossistemas providos de fauna e flora característicos. Não podemos olhar para estes espaços naturais como simples canais de escoamento de água. A sua importância no equilíbrio ambiental e no ordenamento do território é vital. A degradação e descaracterização dos cursos de água da ilha da Madeira é uma das situações que compromete fortemente a sustentabilidade do desenvolvimento da Região. A proteção destes espaços cada vez menos naturais deve ser entendida, numa perspetiva de ordenamento do território, como locais privilegiados para o desenvolvimento de zonas verdes.”
*Professor universitário