
Se olharmos para a instituição escolar como “um lugar de vários mundos” (Estêvão, 2004), permeável a lógicas que decorrem dos vários mundos (económico, cívico, empresarial, entre outros), facilmente percebemos que o conceito de qualidade, na retórica política, obedece a racionalidades distintas e conflituantes entre si. Ou seja, a qualidade em educação é, sobretudo, uma questão de opção e de orientação, podendo estar mais sintonizada ou com as vantagens competitivas do mercado ou com as questões da cidadania e da democracia, com lógicas que acentuam as desigualdades ou com lógicas que privilegiam a igualdade.
Nos últimos anos, a retórica em torno da qualidade das escolas, sintonizada com o pensamento neoliberal, tem vindo a impor-se cada vez mais no nosso sistema educativo. Termos como eficiência e rigor são as palavras de ordem de um Governo para quem o conceito de qualidade se resume aos resultados, subestimando os processos e os contextos educativos. Um dos exemplos mais expressivos desta constatação é a hipervalorização dos rankings das escolas. E há rankings para todos os gostos, para todos os discursos, para todas as leituras e para todos os propósitos.
Parece-me oportuno introduzir aqui as seguintes questões: Para que servem os rankings? Não deveriam servir para melhorar o sistema educativo? Como intervém o Estado perante os resultados dos rankings? Que medidas têm tomado o MEC e, no caso da RAM, a SRERH, relativamente às instituições que têm ficado nos últimos lugares da tabela? Reduziu-se o número de alunos por turma nessas escolas? Aumentaram-se os apoios (sociais e pedagógicos) aos alunos? Aumentou-se o número de professores? Repensou-se a oferta curricular? A resposta é um redondo NÃO. Daí que, se há alguma leitura a fazer dos rankings é que eles mostram, de forma inequívoca, um crescente desinvestimento na escola pública.
Uma outra leitura, porventura mais subliminar, é que os rankings, lidos objetivamente, têm servido para legitimar a lógica de mercado que tem vindo a marcar as opções políticas deste Governo. E, neste ponto, assistimos também à propaganda do costume. Vejamos este exemplo de um título de jornal, aquando da divulgação dos rankings de 2014: Nunca as escolas públicas tinham estado tão longe no topo dos rankings (Andreia Sanches & Clara Viana, Público, 29/11/2014). Refira-se que os primeiros 34 lugares do ranking foram ocupados por instituições privadas. Ao fazerem a apologia dos colégios privados, os rankings constituem um instrumento de propaganda privilegiado para legitimar, inclusive, o financiamento de algumas instituições privadas e para discriminar e/ou estigmatizar instituições (públicas e privadas) com base nos resultados das disciplinas que foram objeto de exame. E o que é mais surpreendente é que o Governo premeia as instituições que obtiverem melhores resultados com um reforço anual de financiamento e crédito de horas. Não deveria ser o contrário? E assim se agita o mercado! Algumas escolas bem posicionadas na tabela fazem questão de propagandear a sua posição no pódio para atrair a clientela, sobretudo no período de matrículas.
Mas é necessário desmontar estas discrepâncias entre escolas! E não apenas entre escolas públicas e escolas privadas. Claro que as diferenças entre o privado e o público são sempre mais fáceis de desmontar, desde logo porque uma boa parte desses colégios privados seleciona o seu público. Mas há discrepâncias inevitáveis entre escolas públicas, entre escolas privadas (com ou sem contrato de associação) e entre estas e as primeiras. Comparar o incomparável, sem se atender às variáveis de contexto, é mascarar a realidade. E o problema não está apenas nestas discrepâncias sobre as quais é urgente atuar, o problema é que esta lógica de mercado tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos, inclusive no seio de algumas instituições públicas.
Por outro lado, convém esclarecer que a avaliação interna e externa que determina o ranking das escolas apenas afere o desempenho escolar dos alunos nas disciplinas sujeitas a exame. Daí que, aferir a “qualidade” de uma escola com base nos resultados dessas disciplinas é, não só, redutor, como enganador. Se os rankings servissem para melhorar a qualidade do ensino, se se repercutissem na melhoria das aprendizagens dos alunos, se contribuíssem para atenuar as assimetrias entre escolas e entre alunos, se permitissem uma intervenção educativa séria e honesta, provavelmente deixariam de ser notícia.
Neste sentido, urge retomar o debate sobre a qualidade em educação e denunciar o caráter eficientista que tem minado a retórica política nesta discussão.
A qualidade em educação deve ser assumida com outra abrangência, com outra exigência e, sobretudo, comprometida com os princípios da democracia, da participação, da igualdade e da responsabilidade solidária! Um conceito de qualidade conectado com uma efetiva emancipação de todos, com uma visão de cidadania que permita a todos e a cada um a realização plena das suas potencialidades, de acordo com as suas caraterísticas, as suas diferenças e as suas mundividências.