Rui Marote
Estepilha, no Cine Parque, quando no écran surgia o rugido do leão da Metro-Goldwyn-Mayer, gritávamos na plateia ” Caldeira, já vi este filme…”, dirigindo-nos ao projectista…
Em 1978 vi esse filme quando estava a ser rodado já lá vão 44 anos, no Ilhéu de Camara de Lobos.
Uma produção e realização de Alberto João Jardim, numa das suas primeiras visitas como presidente do Governo Regional ao Ilhéu.
Uma história real de muitas famílias que viviam num quarto: às vezes mais de doze pessoas. Sem água e luz, cozinhavam na rua e os filhos brincavam na estrada semi-nus.
Uma história triste e com um final feliz. Era necessário acabar com esse “cartaz turístico” já! Tinha de se proceder à construção de um bairro para albergar essas famílias custe o que custasse.
No “rectângulo”, os governos de altura construíam bairros sociais.
Alberto João Jardim envia o seu secretário para se inteirar, que regressa à Madeira com o projecto de um bairro que estava a ser edificado pela construtora Soares da Costa. Mais tarde a construtora surge no mercado madeirense na construção de um bairro cujo nome foi baptizado por Malvinas, associado à guerra entre Argentina e Inglaterra.
Muitos entraves houve para a retirada das famílias piscatórias que tinham o mar como paisagem.
Assisti à inauguração e entrega das chaves aos novos inquilinos dos blocos apetrechados com elevadores.
Decorrido um mês ou dois, efectuei nova reportagem ao local e deparei com cenas de terceiro mundo. Casas de banho transformadas: bidé para salgar peixe, banheira para plantar flores, elevadores danificados, por terem servido de parque de diversões no sobe e desce.
O “realizador”, ao ter conhecimento destas ocorrências, enviou para o local assistentes sociais e educadoras para ensinar aos moradores a viver num apartamento. Nasceu mais tarde uma creche e uma escola no local. A isto chama-se colocar o carro à frente dos bois…
Serve esta introdução como “nariz de cera”.
Estepilha, quem não se recorda da telenovela brasileira “O Bem Amado”? Um candidato a prefeito de Sucupira e que tinha como slogan “Vote em um homem sério e ganhe um cemitério”. Odorico Paraguaçu. O problema é que não morria ninguém para que a obra fosse inaugurada.
No Funchal, entretanto, surge um pagador de promessas que em cem dias à frente da edilidade quer acabar com um flagelo que se arrasta há séculos.
Em 2020, a ex-secretária Augusta Aguiar, bem intencionada quis resolver o problema dos sem-abrigo estabelecendo um protocolo com a Diocese e os irmãos da Casa São João de Deus. Recuperar o edifício anexado á Capela do Bom Jesus, que está devoluto e degradado e que serviu de residência há muitos anos a mulheres marginalizadas pelas familias e pela sociedade.
O projecto não foi para a frente porque “pesos pesados” moradores e negociantes moveram um abaixo assinado cerca de 300 pessoas que tinha como objectivo contrariar o recolhimento nocturno e dormitório de sem-abrigo. Passados dois anos continua nas gavetas da Segurança Social.
O novo presidente do Município “desenterra” o tema e antecipa-se, oferecendo casa e trabalho a quem queira abandonar a rua. Aplauso… não é tarefa fácil “mudar a vida e a história” dos sem abrigo. Usa das mesmas armas e acena à celebração de protocolos com a casa São João de Deus nas áreas das drogas e alcoolismo. Chama a atenção com o chapéu do Governo que investiu 11 milhões de euros naquela instituição.
À Câmara o que é da Câmara e à Segurança Social o que é da Segurança Social. E o nosso titulo é sugestivo: o provérbio chinês “Não dês peixe, ensina a pescar”. A pressa é inimiga da perfeição.
Estes homens e mulheres da rua precisam de um coração novo, ou melhor precisam nascer de novo parafraseando o texto bíblico, quando Jesus fala para Nicodemos, um fariseu que para ver o Reino de Deus é preciso nascer de novo. Era preciso mudar o rumo da sua vida através da aceitação e seus ensinamentos.
Estes homens estão preparados para viver em comunidade??? Há regras !!! Vão aceitá-las?
Estepilha, “cada macaco no seu galho”. Os cacifos do Campo da Barca serão transferidos para os novos alojamentos? Já agora não esquecer o canil anexo, para albergar os animaizinhos de estimação dos sem-abrigo…