Aperte o Cinto: vamos descolar e voar para nenhum lado

Apesar da estagnação da aviação imposta pelo COVID-19 esta semana foi fértil em noticias da aviação.

No Aeroporto Cristiano Ronaldo repousam durante a noite quatro aeronaves da TAP Air Portugal. Três delas são Airbus A320 da geração antiga. Enquanto uma sai às 6h40 rumo a Lisboa, as três antigas (CS-TNH, CS-TNL e CS-TNK) não se movem. Só passando à frente se determina que os motores estão cobertos por uma lona laranja, sinal de mobilidade reduzida. Dentro, contentores com pesos para evitar arrastamento pelos ventos. O mais velho faz 22 anos em janeiro e os outros por pouco não são seus gémeos. Rumo provável será a sucata, tal como o os A319 e A321 mais antigos. Do CS-TNK “Teófilo Braga” fica-me na memória uma escala em Budapeste, no voo triangular Lisboa-Praga-Budapeste-Lisboa. Foi em 2004, e o que deveria ter sido uma paragem de 40 minutos sem desembarque levou perto de 1h30. A tripulação permitiu aos nicotina-dependentes dar umas baforadas à porta do avião antes que entrassem em convulsões.

Dois A320 da TAP Air Portugal “stored” na Madeira (crédito: José Freitas)

Reportou durante o Verão a imprensa a anormalidade de haver voos comerciais a serem vendidos para lado algum. Parecia que a que pandemia COVID-19 tinha proibido destinos. Sempre houve voos destes. Com aeronaves pequenas são os voos típicos de passeio e de treino de pilotos. Os aspirantes tão apegados são à base escolar que chegam a tocar e andar dez vezes numa hora, antes de confirmarem que não havia destino que não a origem. Nos porta-aviões a alternativa costuma ser a água. Mas regressemos aos aviões de linha aérea.

Em Portugal não me ocorre nenhum exemplo, mas voos panorâmicos ou históricos não são incomuns. O Concorde chegou a fazer voos de passeio sobre o mar com regresso a Londres. Eu próprio fiz um Birmingham-Birmingham, na despedida do último Douglas DC-10 de passageiros em operação. Foi em 2013, com a Biman Bangladesh. Uma hora no ar a tirar selfies com a tripulação. O caso mais mediático de um voo panorâmico foi justamente com este grande trimotor da Douglas. A Air New Zealand operava um tradicional voo sobre o Polo Sul, levando passageiros pagantes a bordo de um DC-10, que os maravilhava com passagens baixas sobre o manto branco de gelo. Em 1979, devido um lapso com o planeamento da rota, o DC-10-30 teve um trágico destino. A 460 metros de altitude embateu no monte Erebus, causando a destruição total da aeronave e a extinção das vidas humanas.

A El Al era conhecida por fazer voos sobre o Mediterrâneo em épocas baixas. Era sempre uma fonte de receita, uma oportunidade para as tripulações fazerem horas de voo, e de cumprir com regras de preservação de aeronaves, que estipulam necessidade de haver voos com espaços temporais majorados. Em Portugal, é o viajante com destino Madeira o mais habilitado a voos que não vão a lado algum. Sempre que divergem novamente para Lisboa, após os ventos rugirem, fecha-se a elipse no ponto de partida. O maior privilégio do entusiasta é o voo que não vai a lado nenhum, mas com escala. Acontece na variante dos regressos indesejados a Lisboa, com passagem pela bela ilha de Porto Santo. Quando ainda se tentam umas aproximações, diurnas, também dá azo a belos avistamentos da Pérola do Atlântico. As esperas entre a Madeira e Porto Santo proporcionam vistas da costa Norte sem par.

É uma pena que o Airbus A380 da Hifly tenha feito um voo Beja-Beja em agosto, passando pela costa Algarvia sem ter vendido bilhetes. Essa oportunidade findou-se porque a Hifly acaba de anunciar o phase out da sua única aeronave A380, ex-Singapore. Terminou sem brilho a única experiência no mercado de usados do majestoso “pássaro-de-metal”. Já convertido para levar carga na cabine nem assim teve sucesso. Não existe um programa de conversão para cargueiro do A380, nem vai haver.

A maior novidade é a entrega em serviço do primeiro A321 convertido a cargueiro. Apesar das dificuldades sentidas na Austrália, a Qantas recebeu o primeiro exemplar, que estará ao serviço dos correios. Prevê-se que substitua os Boeing 757 cargueiros.

A Airbus entregou zero aeronaves em setembro. Contudo foi entregue há dias o primeiro A330-800 da linha de produção, à Kuwait Airways. Será ave rara, porque todo o programa do A330NEO enfrenta imensas dificuldades. Um terço das encomendas tinha como destino a Air Asia-X do Tony Fernandes, que pediu aos credores para aceitarem redução de divida para 10%. Igual sina parece ter o 777-9, com a maior parre dos clientes a deferir a receção por dois ou mais anos. A Cathay Pacific de Hong Kong, já de si assombrada pelos guarda chuvas amarelos, operar a 10% da capacidade e fechou a subsidiária Dragon. A Interjet mexicana, conhecida apenas por ter uma frota de duas dezenas de Sukhoi Superjet, cujo suporte é problemático, tem o site em baixo. Durante a pandemia vários Airbus A320 tinham sido devolvidos por falta de pagamento, e parece que desta vez os credores de combustíveis se fartaram. Infelizmente o SSJ fica comercialmente confinando ao círculo da ex-URSS. Alerta para o Irkut MC-21.

Outra farsa que terminou foi o Mitsubishi Spacejet. Lançado em 2008 com entrada em serviço prevista para 2013, o Mitsubishi Regional Jet viria competir com os E-jets da Embraer e os Bombardier CRJ e C-Series. Após anos e anos de atraso, devido a sérios problemas de desenho, a Mitsubishi deu um passo arriscado. Primeiro renomeou-o como Spacejet, incompreensível porque é tudo menos um veículo orbital, e depois porque adquiriu o geriátrico programa CRJ da Bombardier. O propósito era ter uma infraestrutura de fabrico e rede de manutenção instalada globalmente, que iria ser desativada quando produzidos os poucos CRJ que restavam na carteira de encomendas. Finalmente os japoneses anunciaram que a brincadeira acabou e suspendem o desenvolvimento do Spacejet.

Abriu finalmente, com mais de uma década de atraso o aeroporto de Berlin Brandenburg “Willy Brandt”). Esta obra camarária teve um derrame orçamental que ofusca o Centro Cultural de Belém. Na realidade é uma expansão do existente Berlin Schönefeld, ao qual se adicionou uma nova aerogare e uma segunda pista (operacional desde 2015). Schönefeld era a base soviética no pós-guerra, do lado de lá do muro. A uma dada altura nem se conseguiam desligar as luzes da nova gare, tal era o descalabro de engenharia, facto que eu mesmo pude comprovar ao vivo. Esta obra faria corar um autarca analfabeto e geneticamente corrupto em qualquer nação subdesenvolvida.