Silêncios que falam por si e livre arbítrio!

1.Quem, ao longo dos tempos, tenha acompanhado o percurso da comunicação social regional, no período posterior a 25 de Abril de 1974, recordar-se-á, por certo, de períodos, de momentos em que para se ter acesso a notícias que não agradavam ao poder político vigente era necessário recorrer aos media de âmbito nacional. E houve até, como é sabido, ocasiões em que as publicações, designadamente jornais, desapareciam num ápice dos respectivos postos de venda, adquiridas a mando desse mesmo poder.

Eram tempos em que o inquilino da Quinta das Angústias (rebaptizada de Vigia) punha e dispunha da generalidade da referida comunicação social. Controlando a seu bel-prazer, não apenas o jornal de que havia sido director (o Jornal da Madeira), mas igualmente a rádio e a televisão públicas, e o próprio outro matutino local que no cabeçalho se reclamava de órgão “independente”.

Eram tempos em que, nuns casos, os respectivos directores recebiam ordens directamente da Quinta, noutros cediam perante as ameaças e chantagens de cortes na concessão de publicidade ou de apoios financeiros à designada modernização tecnológica.

Ou seja, eram tempos em que a censura, o exame prévio tinham sido banidos, mas, aqui e agora, nos media, imperava a auto-censura, transformando assuntos ou questões incómodas em temas tabu, cuja abordagem não era permitida ou efectuada para não provocar a ira da criatura que tempos volvidos se auto-designaria por “único importante” cá do burgo.

Com o passar dos anos e até por via da saída do omnipresente palco de quem narcisicamente se comportava como se fosse o centro do mundo, houve naturalmente quem se convencesse que não voltaríamos a esses tempos. Ora, a avaliar pelo que veio a público sobre o processo judicial em torno da queda do Banco Espírito Santo e sobre o “modus operandi” de Isabel dos Santos para proceder à compra da Efacec, há ligações que a imprensa escrita sediada na Região fez questão de omitir. Certamente, não por acaso.

Vamos aos factos: A 16 de Julho p.p., os jornais do Continente davam relevo ao processo envolvendo Ricardo Salgado, titulando o “Público”, na sua 1ª página, “BES usou sucursal da Madeira para se financiar na Venezuela e Angola” e no interior, na respectiva 2ª página, sob o título “Zona franca foi a placa giratória do BES para Venezuela”, lia-se no lead “Sucursal da Zona Franca da Madeira serviu para o banco angariar clientes da América do Sul e África. PDVSA e outras empresas públicas venezuelanas chegaram a ter quase 7000 milhões de dólares no BES. Depósitos eram investidos no GES”. Já no desenvolvimento da notícia que ocupava três páginas daquele jornal escrevia-se que no “BES na Zona Franca da Madeira (ZFM), durante mais de duas décadas, esteve licenciada a famosa mas discreta Sucursal Financeira Exterior (SFE), autorizada a actuar com clientes não residentes”. SFE, que resistiu mesmo depois da queda do BES, e só encerrou em 2018, já com o Novo Banco e que, segundo o despacho de acusação do inquérito principal do BES, “foi um pólo de poder que Ricardo Salgado usou como uma placa giratória das relações comerciais com a Venezuela e com Angola (com ligações que chegam ao paraíso fiscal do Dubai, ao Luxemburgo e à Suíça, onde o grupo tinha actividade)”.

Na peça publicada no “Público” referia-se igualmente que “era na zona franca que grandes empresas estrangeiras (como a famosa Petróleos da Venezuela, PDVSA) e clientes singulares com algum património (como emigrantes na Venezuela) tinham contas bancárias” e que “é na posição de director-geral da SFE que João Alexandre Silva está quando, a partir de meados de 2008, com José Sócrates a alimentar contactos com o Governo venezuelano de Hugo Chávez, o BES inicia uma relação comercial com bancos públicos venezuelanos, empresas subsidiárias da PDVSA, empresas de electricidade e fundos de desenvolvimento que operavam com as receitas das exportações de petróleo”. Acrescentava-se ainda que João Alexandre Silva “acumulava a liderança da SFE com a de director no departamento da banca de transações internacionais e, nessas duas funções, acompanhava clientes «oriundos da América do Sul e Angola» cujas contas «por razões fiscais foram domiciliadas» na sucursal”.

Ora, nesse mesmo dia (16 de Julho), o “Diário de Notícias” local abordava o assunto do processo de acusação relativo à queda do BES, nomeadamente das acusações que são imputadas ao madeirense João Alexandre Silva (dois crimes de falsificação de documentos), aludia aos nomes que o identificavam (“Pargo”, “Caramujo” e “Hanham”), mas, pura e simplesmente, não fazia qualquer referência ao local (a zona franca da madeira) por onde passaram grande parte das operações do esquema montado, da trama. Um mero lapso? Não sejamos ingénuos.

É que, também não certamente por acaso, no dia seguinte, a 17 de Julho, o “JM”, igualmente com chamada na sua 1ª página, escrevia “Madeirense envolvido em caso de «luvas» de 100 milhões de euros na Venezuela”, sem mencionar o papel da sucursal do BES na Zona Franca da Madeira. Mais grave ainda, da leitura do texto, os mais desatentos ou desconhecedores dos acontecimentos, poderiam pensar até que tudo ocorreu lá para o Dubai ou as ilhas Caimão…

Já agora, um outro exemplo para evidenciar como a comunicação social regional resolveu votar ao silêncio as negociatas que têm como epicentro a, pelos vistos, espécie de “vaca sagrada” da Zona Franca da Madeira.

Uns dias antes, a 13 de Julho último, o mesmo jornal “Público” titulava: “Para aterrar na Efacec, Isabel dos Santos sobrevoou Malta e a Madeira”, revelando que a nacionalização efectuada recentemente pelo Governo da República “livra compradores da Efacec de negociarem com Dos Santos, evitando contágio com linhas empresariais que passam por Malta, Zona Franca da Madeira, Delaware e Chipre”.

Na peça assinada pelo jornalista Pedro Crisóstomo lê-se que em causa está “uma empresa chamada Winterfell 2 Limited, que está na linha da frente de um conjunto de empresas relacionadas que vão de Malta à Zona Franca da Madeira (ZFM), passando por Chipre e pelo paraíso fiscal de Delaware, nos Estados Unidos”. Trata-se de uma empresa que é gémea de uma outra, sediada no pequeno arquipélago maltês, chamada Winterfell Industries Limited, “detida em 84% por uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) chamada Niara Holding, empresa que Isabel dos Santos já tinha criado na ZFM em 2009”. E esta última é, por sua vez, dona de 99,98 % do capital de uma outra chamada Niara Power, também ela sediada na zona franca. Zona Franca onde “a Niara Holding teve direito a 2,6 milhões de euros em benefícios fiscais em 2015 e a Niara Power a 55,6 mil euros em 2017”.

O jornal adianta ainda que “já este ano, a 13 de Fevereiro, depois dos Luanda Leaks, a conservatória do registo comercial da ZFM chegou a abrir um procedimento administrativo para dissolver a Niara Holding porque a empresa ainda não tinha apresentado as contas de 2017 e 2018 (durante dois anos consecutivos). Mas rapidamente o caso ficou sem efeito, porque, seis dias depois, a empresa acabou por apresentar esses documentos”.

Por fim, vale a pena acrescentar que a filha do ex- presidente angolano – que já foi apontada pela revista Forbes como a cidadã mais rica de África – tem contas e bens arrestados em Angola e bens e contas bancárias congelados em Portugal.

Todos estes factos afectam naturalmente a reputação da ZFM. Mas, não é omitindo-os que se salvaguarda a sua imagem.

Factos que obviamente não são exclusivo da ZFM. Digamos que acabam por ser inerentes à sua (delas) própria natureza.

Há praticamente dois meses, o editor executivo do “Jornal de Notícias”, António José Gouveia em artigo publicado naquele diário portuense escrevia que “Bruxelas deveria começar a preocupar-se com um dos problemas mais prementes e essenciais para que exista uma verdadeira União: a assimetria fiscal nos 27 estados-membros”. E a comprová-lo referia que “a baixa tributação num grupo de países claramente permissivos, como Holanda, Luxemburgo, Irlanda, etc, incentiva a engenharia tributária que tem como fim uma redução dos impostos pagos por grandes multinacionais em países como Portugal, França, Alemanha, Itália ou Espanha. Nem precisam de ser grandes multinacionais. A esmagadora maioria das empresas cotadas na bolsa de Lisboa têm como sede fiscal a Holanda ou o Luxemburgo, exactamente porque pagam muuuuiiito menos impostos do que se estivessem registadas em Portugal”. O editor do “JN” acrescentava de seguida: “Está à vista de todos e não é ilegal…pode ser é imoral. O Relatório de Justiça Tributária, divulgado recentemente, quantifica a perda por elisão fiscal em cerca de 25 mil milhões por ano”.

António José Gouveia concluiria o seu texto escrevendo: “Com a pandemia em acção, as diferenças de tributação entre países constituem uma ameaça para qualquer projecto europeu. Estes desequilíbrios destroem a capacidade de cada Estado em arcar com os custos das crises, sejam elas financeiras como a de 2008 ou a causada pela pandemia e drenam os fluxos financeiros das nações do Sul para as do Norte, uma das razões pelas quais a estabilidade das finanças públicas nos países do Mediterrâneo enfrenta dificuldades. Este é um status que interessa a quem manda na Europa. Portugal, como Espanha ou Itália, tem de abrir os olhos. Não é só receber dinheiro a fundo perdido. Há que saber pescar com a cana. E só vamos consegui-lo quando não houver paraísos fiscais encapotados dentro da União”.

Tudo isto evidencia que os silêncios a que aludimos por parte da comunicação social regional não são fruto do acaso, por conseguinte inocentes. Fazem certamente parte de uma estratégia de omissão do que é incómodo.

E preparem-se para novos silêncios. Agora que o auto-intitulado “independente” cá do burgo passou a ser esmagadoramente detido por dois dos “DDT” (Donos Disto Tudo) locais: o grupo Sousa e o grupo Afa. Vai uma aposta?

  1. A coberto da pandemia, o governo regional insiste na prática de ilegalidades. Depois da imposição de quarentena aos passageiros desembarcados no Aeroporto do Funchal que o Tribunal Constitucional, na sequência de decisão idêntica adoptada nos Açores, acaba de declarar inconstitucional, surgiu a obrigatoriedade do uso de máscara em todo o espaço público.

Uma decisão que, acabando por não surpreender por tomada por um partido e um governo que ao longo dos tempos se pautaram sempre por flagrantes e sistemáticas violações da lei, é assumida com o mais descarado desplante, ao ponto do respectivo presidente proclamar que a questão da legalidade, “logo se vê” e, face às críticas provenientes de vários quadrantes, alude com enfado à democracia. Preferia certamente suspendê-la, como há uns anos advogou a sua correligionária Manuela Ferreira Leite. Ou se calhar – ele que se diz ser monárquico -, regressar aos tempos do Rei Absoluto! O mais próximo possível do reino do vale tudo. Do quero, posso e mando tão ao gosto do seu antecessor. Da “máfia, no bom sentido” que advogava.

Em nome da sanidade mental dos cidadãos escusavam era de proferir declarações tão patéticas como ridículas, como as de Pedro Ramos (“vamos andar de máscara, mas vamos andar felizes”) ou de Pedro Calado, para quem o uso de máscara é ”cartaz turístico”, ou, mais grave ainda, ao estilo de Trump, como fez o presidente da ALM, ao justificar a imposição do uso de máscara com a alegada existência do estado de emergência (ou, não saberá que o que vigora é o estado de calamidade?).

 

*por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

Post- Scriptum: 1) “Democracia Adulta”. Nem de propósito, o presidente do governo reclama que na Madeira vigora uma democracia “adulta”. Não faltando exemplos para evidenciar o contrário, registe-se que ao nível das comissões parlamentares de inquérito a maioridade tem a marca da Coreia do Norte: as presidências e os relatores são uma exclusividade do partido maioritário.

2) Enternecedor: Já disseram “cobras e lagartos” um do outro. Mas agora trocam elogios públicos. Um diz que o outro está a ser uma “revelação”. Em resposta, o outro classifica-o como “o melhor de todos nós”. A coisa prometia, mas eis que surge em cena uma espécie de desmancha prazeres, proclamando que “na política não pode valer tudo”, referindo que a criatura apelidada de “timoneiro” (faltou o adjectivo grande) por uma deputada “nunca fez igual elogio aos que o ajudaram sem descanso nos 40 anos de governação e liderança partidária”. “Invejices” à parte, eis, em todo o seu esplendor, “o nível da política madeirense, um espectáculo indecoroso”.

3) Recorrente: o deputado que assumiu que gravava convesas, deu como “morta” a artista Lourdes de Castro, que traz a família para o debate político, pelos vistos também critica políticos em função do seu local de nascimento. Um primor este “democrata cristão”!

4) Fartote: O sector da Cultura e do Arquivo Regional vão ter 9 direcções de serviços e 11 chefias de divisão. Já agora, não se esqueceram de ninguém?