Aviação “low cost” a preços “high cost” no pós-COVID-19

Enquanto a Lufthansa tem garantido um pacote de 10 mil milhões de euros do governo alemão, tal como a Alitalia, a Air Baltic, as grandes americanas também, já outras rolaram asas. A hemorragia horária da Lufthansa é de um milhão de euros.

Poltronas da classe executiva de um Boeing 747-8i da Lufthansa (crédito: José Freitas)

Se bem que quase todas conseguiram encolher, reduzir custos ao mínimo recorrendo a “layoffs” e instrumentos semelhantes, ou ainda têm esperança de obter dinheiro em breve, há desistências. A mais estrondosa é a da centenária Avianca colombiana, que tem subsidiárias na Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala e Honduras. Passava por dificuldades antes da pandemia, o que custou a filial brasileira de Eframovich. Tecnicamente não encerrou as portas porque assinou o Chapter 11 americano para se proteger, mas o futuro não é risonho e poderá ser o intróito para uma liquidação controlada. Junta-se à Virgin Australia, Miami Air International, Flybe, Germanwings, South African Airways, Air Mauritius, Braathens Regional Airlines, só para nomear as mais representativas.

Dá a ideia de um cenário de “winner takes all”.

A Comissão Europeia decidiu que não serão impostas regras de limitação aos lugares vendáveis a bordo dos aviões. Manter um lugar vago entre dois passageiros ao longo de uma fila implicaria uma redução para 50% a 66% da capacidade dependendo do tipo de aeronave. Um “narrowbody” de seis lugares por fila como o Airbus 320 ou Boeing 737 ficaria com 4 ocupáveis. Já um Embraer 190/5 como os da TAP Express que estão configurados em 2+2 ficaria a metade.

Cabine de um Embraer 190 da Portugália / TAP Express (crédito: José Freitas)

Um Airbus 330 com a cabine 2+4+2 ficaria a 50%, tal como o piso superior do A380. Um Boeing 777 configurado em 3-4-3 levaria tantos como os que estão configurados em 3-3-3, identicamente aos pisos inferiores do Boeing 747 e Airbus 380.

Cabine de um Boeing 777-300ER da Turkish Airlines (crédito: José Freitas)

Uma “low cost” está habituada a ter “load factors” acima dos 90% e uma “legacy” acima dos 70%. Em ambos os casos seria a ruptura total do modelo de negócio, e nem o petróleo em baixa serviria de atenuante. A degradação da experiência da viagem aérea seria tremenda. Famílias separadas, por exemplo. Colegas impossibilitados de preparar uma reunião em proximidade. No caso das classes executivas é muito prematuro para debates. Avança-se que o perfil do “business traveller” é o que mais metamorfose poderá experienciar. A Transformação Digital acelerou a mutação da reunião presencial para a videoconferência. O próprio autor teve várias viagens dentro da Europa convertidas em conferências Zoom, Webex ou Jabber. Centenas de euros em deslocações convertidas a zero, sem dúvida com prejuízo do contacto pessoal, mas a análise de custo-benefício sustem a viabilidade de grande parte das reuniões virtuais. No caso de viagens intercontinentais em executiva os valores ascendem aos vários milhares de euros. O longo curso operado a partir de “hubs” serve um mercado global. A Delta Airlines acaba de dar uma machadada na sua frota de longo curso, retirando toda a frota de Boeing 777 (18 aeronaves) este ano. A Air Canada retira os 29 Boeing 767, inclusive os que Air Canada Rouge usava para Lisboa. A primeira classe pode sempre transitar para os voos executivos. Mas os lugares de económica nos grandes aviões são vendidos a preços razoáveis pela Lufthansa ou British Airways, quando se preenche a executiva e primeira classe. Muito apelativos para o turista, flexível nas datas e com orçamento fixo. Essa é a razão pela qual os gigantes Boeing 747 e Airbus 380 foram as primeiras baixas. Tenho conseguido voos para Chicago, L.A., Mumbai, Seoul, Kuala Lumpur, Dubai e outros destinos a menos de 700 euros. Acima disso e já não me compensa passar férias fora da Europa.

O relaxamento de restrições dentro da fuselagem resulta da redução do risco de contaminação no chão. Separação no “check-in”, segurança, embarque e redução de capacidade nos autocarros, resultarão em processos mais lentos, mais dispendiosos e menor rentabilidade das infraestruturas. Isso representa um custo e alguém o terá de pagar. O contribuinte ou o passageiro. As “low cost” vivem muito da rentabilização dos recursos através do seu uso intensivo, vendendo em grandes quantidades com margens reduzidas. Custos fixos de “back-office” baixos e muito diluídos por frotas grandes, a operar freneticamente com rotações muito rápidas. Duvido muito que venhamos a ter voos a 20 euros dentro da Europa na Ryanair nos próximos 2 anos. Esse “ultra low cost” era bastante rentável caso contrário a Ryanair nem concorrentes teria. Não é nada surpreendente que esse cenário se concretize porque o modelo de crescimento não coexiste com estagnação COVID-19 e porque já se percebeu que os grandes auxílios de estado serão concedidos aos incumbentes. Mas é possível que sejam as “low cost” a continuar no ar, vendendo a preços do meio da tabela. Têm frotas jovens e eficientes, custos operacionais mais baixos, e, portanto, mais competitivas operacionalmente. Pontos forte a favor numa era de calamidade. O reposicionamento de marca é sempre uma questão de investimento em “marketing” porque a paisagem competitiva estará menos povoada. Por exemplo a Brussels Airlines vai reduzir em 30% a frota, escancarando Zaventem. As “low cost” que têm dinheiro na caixa para resistir à pandemia poderão definir o futuro da indústria do transporte aéreo, a bel prazer.