Equipas de operações especiais treinam nas ruínas da antiga Matur

Fotos: Rui Marote

O exercício militar de forças de operações especiais SOFEC 2019 prosseguiu hoje nas ruínas do antigo complexo turístico da Matur, nas proximidades do Aeroporto da Madeira. Soldados portugueses, espanhóis, romenos, timorenses, brasileiros e franceses, estes dois últimos na qualidade de observadores, realizaram exercícios de descida em “rappel” invertido, utilizando cordas instaladas a partir da prancha de saltos da antiga piscina olímpica. Ao chegarem ao fundo da mesma, entravam por janelas na zona do antigo restaurante, assim praticando tácticas de infiltração em edifícios. Nos corredores do interior daquelas instalações, praticaram também diversas deslocações em grupo, em meio urbano hostil, procurando cobrir todos os ângulos das salas ou passagens com as suas armas de fogo, eliminar elementos hostis e recuperar reféns.

O Funchal Notícias teve oportunidade de assistir a tudo e dialogar com oficiais de operações especiais nacionais e estrangeiros. O capitão Brigas, responsável técnico pela execução do exercício, explicou que o que se pretende é potenciar o trabalho entre as equipas nacionais e ainda com as equipas de outros países, em particular Espanha, com quem Portugal tem lidado directamente nos mais recentes teatros de operações, como o Iraque. Portugal tem também assessorado especialmente as tropas de Timor Leste em algumas áreas.

Já quanto aos soldados romenos, o capitão Brigas revelou que tropas portuguesas já colaboraram com eles em 2016 como observadoras num exercício, estreitando esta parceria. Agora foi a vez dos romenos virem a Portugal participar no SOFEC, sendo que os portugueses irão novamente este ano participar em novo exercício militar com os soldados da Roménia.

No SOFEC, explicou o nosso interlocutor, há um importante elemento de “cross training”, permitindo que as diversas equipas interajam entre si trocando experiências, técnicas e procedimentos em múltiplos aspectos, e enfatizando o carácter competitivo existente em algumas actividades. Foi o caso de uma prova de tiro ontem realizada no Regimento de Guarnição nº 3, para a qual foi criada uma tabela na qual se consegue medir o desempenho.

“Na noite anterior a cada actividade que tem carácter competitivo, a equipa responsável faz um briefing onde apresenta o desafio. Ali se apresenta a tarefa, enquadrada com o cenário táctico, é apresentado o número de elementos que podem executar essa tarefa, o tempo limite para a execução da mesma e é-lhes dada alguma informação sobre situações perante as quais vão ser colocados, e técnicas de tiro”, refere. Depois, há penalizações nas actividades não executadas ou como, no caso do tiro, em que o alvo não é abatido. As equipas têm de ponderar diversos elementos, como a velocidade na corrida, a resistência e o empenho na transposição de obstáculos, e o desempenho no tiro. Porque o tempo nunca pára. Quanto mais cansados chegarem ao tiro [mesmo que o façam mais rapidamente] garantidamente menor será o seu desempenho na parte técnica do mesmo [ou seja, a precisão]. Há, pois, “um trabalho de equilíbrio que a equipa faz, em que tem de ponderar entre o esforço inicial, o tempo que empenha na execução da tarefa, ou ir de forma mais lenta mas potenciar a eficácia no tiro… Isso é um trabalho de equipa”.

De facto, bastam alguns momentos na companhia destes profissionais das operações especiais para perceber que não há ali “Rambos” exibicionistas. Se é isso que alguém pensa deste tipo de tropas, desiluda-se já, porque do que nos apercebemos é que há uma forte preocupação em raciocinar, em usar a cabeça para resolver situações difíceis e perigosas, se bem que, claro, existam já tácticas quase universais adoptadas para certas situações, uma boa forma física que é preciso manter, claro, assim como reflexos cuidadosamente inculcados. A acção e o modo como percorrem salas e corredores em busca de elementos hostis tem muito de jogo de estratégia, de cobertura de ângulos de tiro, de protecção de uns elementos aos outros. Mas é tudo muito técnico e calculado, quer se entre por portas ou janelas ou se esteja a proceder à “limpeza” de compartimentos.

Hoje, no âmbito deste treino na Matur, uma equipa escolheu os alvos a utilizar, colocando-os nos compartimentos que entendeu. A outra equipa teve por tarefa executar esse percurso, sem saber antecipadamente onde estão colocados os alvos, tentando abatê-los e simulando o resgate de um HVT “High Value Target”, ou “Alvo de Alto Valor” que está no interior, e cuja segurança, sobretudo, é preciso acautelar. Depois as equipas trocam entre si, até que todas façam a tarefa pelo menos uma vez. Dado o facto de não ser permitido tiro real em zonas urbanas, são utilizadas munições de “paintball” com armas reais adaptadas para as mesmas. Tudo para que seja “o mais aproximado do real possível”.

As equipas de operações especiais, desvenda este oficial, utilizam técnicas muito similares e mesmo o equipamento, é quase todo ele idêntico. No entanto, sempre há subespecializações, ou seja, áreas de actuação que uns dominam melhor que os outros, em tipologias ou condições diferentes, donde o diálogo e a troca de experiências seja sempre frutífera. O carácter competitivo estimula os elementos a dar o máximo, o melhor, num desafio”.

Na sua definição, os soldados de operações especiais “são pessoas extremamente treinadas, altamente equipadas”, o que lhes permite cobrir um largo espectro de situações com um número reduzido de pessoal.

Rosto coberto por uma balaclava, capacete colocado, equipamento completo, outro oficial directamente participante no exercício conta: “Estivemos ali a fazer uma troca de experiências sobre a abertura de um possível ponto de entrada para um edifício, através de diversos métodos, explosivo, balístico e mecânico. Os nossos colegas espanhóis estavam-nos a explicar como conduzem esta tarefa numa equipa a quatro homens, e nós estávamos a referir as nossas técnicas e tácticas. Neste momento, vamos fazer uma mistura, numa equipa, tentando conduzir um treino conjunto para uma possível projecção num teatro de operações”. Os conceitos técnico-tácticos, diz, são mais ou menos os mesmos, mas variam consoante a tipologia de meios que se utiliza, porque nem toda a gente tem a mesma disponibilidade de meios.

Curioso é o facto de, mesmo com os espanhóis, o diálogo técnico ser conduzido em Inglês, mas explica-nos este oficial que isso tem por objectivo a operacionalidade em cenários reais, onde a informação ou a comunicação escrita ou oral é quase sempre conduzida nesta verdadeira língua franca dos nossos dias.

Tudo é muito treinado e pensado, mas o imprevisto, confessa-nos, está sempre presente. “Quando treinamos estas técnicas procuramos reduzir os riscos, para retirar as vantagens que a ameaça pode ter por estar num local que conhece e domina… Mas é claro que existe sempre um imenso risco, numa acção real, que não podemos medir. Porém, o treino complementa-nos e permite reduzir isso. Um elemento nunca se preocupa apenas com ele, mas também com quem está ao seu lado, e é assim que temos que trabalhar, de modo consistente e intensivo”.

Referindo as campanhas militares em que soldados portugueses têm estado envolvidos mais recentemente, como na República Centro-Africana, no Mali, ou no Iraque ou Afeganistão, diz que “embora não tenhamos desenvolvido missões de combate efectivas, conseguimos preparar-nos e manter sempre um determinado nível. Nestas competições, por vezes verificamos que estamos muito melhor do que aquilo que estávamos a pensar”.

O FN falou também com um capitão romeno, que chefiava o grupo operacional de militares daquele país. Questionámo-lo sobre o interesse do exercício em que está a participar. “É uma grande oportunidade para nós estar aqui com estas forças especiais de outros países europeus e até trabalhar com forças oriundas de ramos terrestres, marítimos e aéreos das forças armadas. É uma partilha de experiências e de procedimentos de treino (…) Acho que este treino nos proporcionará muita experiência que podemos partilhar com os militares do nosso país, ao mesmo tempo que trocamos experiências com outros militares europeus. Todos os dias aprendemos algo de novo de cada pessoa, que tem diferentes experiências em diversos tipos de terreno e de missões”, declarou. Oriundo das forças de operações especiais da Roménia, refere que estão preparados para actuar em todos os tipos de ambiente, e a Madeira oferece precisamente essa possibilidade, neste exercício.