No primeiro de Maio, o Funchal honra o seu padroeiro, escolhido em 8 de Junho de 1521, quando a peste e a fome assolavam a cidade. Os primeiros casos foram assinalados em 17 de Março desse ano. Todos os que adoeciam, morriam. Diariamente, havia 25 a 30 mortes. O receio do contágio obrigava a rigorosas quarentenas e ao refúgio em lugares não afectados pela epidemia. Tinham já falecido mais de 1600 pessoas.
Sentindo-se impotente, a Câmara deliberou recorrer ao socorro divino. Trataram, pois, os oficiais camarários e os mesteres da eleição de um patrono, a partir de um rol com os nomes de Jesus, Maria, João Baptista e os 12 apóstolos. No sorteio, saiu São Tiago, o Menor, como «protector e rogador a Nosso Senhor por o povo da cidade». Esta notícia foi saudada com o repique dos sinos da Sé e dos mosteiros de São Francisco e de Santa Clara.
Logo a Câmara prometeu edificar uma igreja em honra do apóstolo padroeiro. As obras iniciaram-se em 21 de Julho. Contudo, a falta de dinheiro atrasou a sua conclusão.
Nesse mesmo dia, fez-se uma procissão solene, indo a cidade e o cabido descalços. O mestre-escola carregou o retábulo com a imagem do apóstolo São Tiago. Aconteceu, pois, em 21 de Julho de 1521, a primeira procissão do padroeiro, que saiu da Sé e dirigiu-se ao local onde se haveria de construir o templo prometido.

Por não haver na cidade imagem do apóstolo eleito, a tradição aponta que, na sua devoção, os funchalenses se serviram, com o pragmatismo das dolorosas circunstâncias, de um quadro representando São Tiago Maior, da Igreja de Santa Maria do Calhau, e que hoje se encontra no Museu de Arte Sacra do Funchal.
Como algum tempo depois volvesse peste, o capitão do Funchal, oficiais da Câmara, mesteres, cidadãos, povo, deão e o cabido com toda a clerezia reuniram-se, no coro da Sé, em 24 de Janeiro de 1523, e decidiram acabar a obra da «casa» do protector e defensor da cidade. Prometeram ainda, «de para sempre em cada um ano deste mundo», venerarem e festejarem o glorioso Santo no primeiro dia de Maio com procissão solene que sairia da Catedral e dirigir-se-ia à Igreja de São Tiago.
A Câmara Municipal do Funchal, ao longo de quase 500 anos, promoveu regularmente a solenidade de São Tiago Menor, integrando-se os vereadores e demais autoridades civis e militares no cortejo processional.
Horácio Bento de Gouveia, em 1954, descrevia assim a procissão do voto, organizada pela edilidade funchalense: «Lá vão, ao longo das ruas, a cruz das confrarias, os irmãos de opas vermelhas, o Prelado e os sacerdotes, figuras gradas da urbe com suas varas, e um funcionário do Município com a chave da Cidade que será depositada no altar do Santo.» (Diário de Notícias, Funchal, 1 de Maio de 1954, p. 1). De acordo com a tradição, também os vereadores depunham as suas varas no altar de São Tiago Menor.

A Revolução do 5 de Outubro interrompeu este costume, sendo retomado já no Estado Novo. Idêntica suspensão ocorreu após o 25 de Abril. Em 1976, por exemplo, resumiu-se a uma missa, mandada celebrar pela Câmara, na Igreja do Padroeiro. Houve anos em que a procissão saiu da Igreja de São Tiago, vulgarmente conhecida como Igreja de Nossa Senhora do Socorro ou de Santa Maria Maior, após a missa das 10:00, e regressou ao mesmo templo. Assim aconteceu em 1990.
No entanto, em 1991, o cortejo processional teve novo itinerário, estabelecido pela Câmara do Funchal e, por certo, com a concordância do bispo da diocese. Deixou de partir da Catedral, como fora prometido «pera sempre em cada um ano deste mundo». Passou então a sair da Capela do Corpo Santo, incorporando o andor com a escultura de São Tiago.
Tenho vindo, desde 1999, a chamar a atenção para o incumprimento parcial do secular compromisso funchalense. Este ano, a procissão sairá da Sé, alegadamente por se comemorarem os 600 anos do Porto Santo e da Madeira, quando, na verdade, a razão deveria ser a plena observância do voto da cidade do Funchal, feito, com grande aflição, há cerca de cinco séculos.
No Estado Novo, o 1.º de Maio era o feriado municipal do Funchal, sendo dedicado a passeios no campo e a confraternizações familiares ao ar livre. A Quinta do Palheiro Ferreiro abriu, durante vários anos, os seus portões aos funchalenses, sendo um espaço recreativo com grande afluência de visitantes nesse dia. Contudo, a procissão do voto da cidade ao padroeiro merecia também larga assistência no seu longo percurso.
Hoje São Tiago, o Menor, não é chamado para o tratamento de epidemias. Já não se fala de peste, palavra que antigamente causava pânico nos cronistas e escrivães, que, logo depois da sua escrita, colocavam entre vírgulas, a expressão «de que Deus nos livre».
As pestes dos nossos dias são outras: corrupção, clientelismo, nepotismo, bajulação, prepotência, discriminação, desrespeito pelo Património Cultural e Natural, deficiente administração da Justiça, precariedade laboral, desemprego, pobreza, violência, toxicodependência … populismo.
Que São Tiago nos livre das novas pestes e dos pestes.