Quinídio Correia chegou a eurodeputado em 1995, diz que “a União Europeia vale a pena” mas alerta que “o populismo e o nacionalismo são ameaças para as Nações”

“Beneficiámos todos neste novo contexto de União Europeia, não só pela parte económica, mas por tudo”. Foto Rui Marote

Quinídio Correia, médico, hoje militante de base do PS-Madeira, foi deputado europeu entre outubro de 1995 e 1999, o primeiro eurodeputado socialista madeirense, num contexto em que a Região teve um registo inigualável de três representantes no Parlamento Europeu. Nélio Mendonça, do PSD, foi eleito, Quinídio, pelo PS, substituiu António Vitorino e Rui Vieira, pelo CDS, foi para o lugar de Manuel Monteiro. Uma experiência única, um relacionamento na base da cordialidade e do entendimento naquelas que eram as questões fundamentais para a Madeira, um ponto de referência que o então candidato socialista, que não foi em lugar elegível, faz questão, a esta distância temporal, de deixar bem vincado. A Madeira estava acima das cores e das ideologias. O passar do tempo, as vicissitudes que o projeto europeu atravessou, primeiro numa versão mais reduzida, agora num plano mais alargado, não alteram uma declaração que deixa em cima da mesa sem qualquer sombra de dúvida: “A União Europeia vale a pena”.

Em décimo terceiro na lista

Ao longe, mas ao mesmo tempo tão perto, lembra-se de um grande comício no Chão da Ribeira, com António Vitorino presente. Eram as Europeias de 94. Já então se vislumbrava a possibilidade de António Guterres vir a ganhar as eleições nacionais, no ano seguinte, abrindo-se assim uma porta de entrada que o seu 13º lugar, que depois passou a 12º com a saída de João Cravinho, não faria supor em condições normais. Não era, efetivamente, um lugar elegível. Mas acabou por ser suficiente para chegar a deputado europeu já no final de 95. Uma experiência que recorda com alguma saudade, pela vivência, pelos contactos, pela interação com um mundo novo.

As experiências anteriores de participação ativa levaram-no às associações estudantis, do tempo da “velha” Coimbra, dos movimentos de estudantes, dos finais dos anos sessenta, princípios de setenta, mais tarde no PS, com a inscrição no partido assinada por Jorge Sampaio, depois chega ao poder local. Agora, era diferente, era a visão à escala global europeia. Coimbra ficou para trás, mas o encanto acompanha para a vida, não só na hora da despedida das lides académicas, onde conheceu figuras marcantes, lembra algumas delas, como Arnaldo de Matos, Adriano Correia de Oliveira, Correia de Campos, entre outros”.

Antes da UE éramos um país subdesenvolvido

“Valeu a pena esta experiência europeia. Os eurodeputados davam-se muito bem, conheci muitas pessoas com pensamentos diferentes mas imbuídas de um espírito de cooperação quando estavam em causa interesses da Madeira e do País, num contexto em que se queremos fazer valer os nossos objetivos, de aprovação de propostas, torna-se praticamente obrigatório fomentar o consenso, fazer lobby dentro do grupo em que estamos inseridos, no caso o Partido Socialista Europeu. Por exemplo, sabemos que foi no Tratado de Amesterdão (assinado em 2 de outubro de 1997) que ficou consagrada a condição de Regiões Ultraperiféricas, com os benefícios daí resultantes. Antes de entrarmos para a União Europeia, éramos um País subdesenvolvido, que não existam dúvidas disso. E é depois da nossa entrada, pela mão do Dr. Mário Soares, que começámos a sentir o desenvolvimento, através dos fundos europeus, quer em Portugal no seu todo, mas particularmente a Região de uma forma mais específica. Vejamos as nossas infraestruturas, umas bem feitas, umas menos”.

União Europeia continua sendo importante

Quinídio Correia aborda um dos pilares base da criação da União Europeia, a coesão, como sendo determinante, ainda hoje, no contexto dos países que integram a Europa comunitária. Lembra que “o Parlamento Europeu é aquele que tem maior representatividade democrática, com um poder legislativo e orçamental relevante. Acho que, apesar do alargamento entretanto verificado, que ainda não foi tão abrangente porque entendo que a Turquia deveria entrar neste espaço de multiculturalidade, mas mesmo assim, a UE continua sendo um espaço importante”. Lembra, quando confrontado com a eventual saída do Reino Unido, que este sempre colocou algumas reticências relativamente à entrada na União Europeia, mas que efetivamente é importante para a Europa”.

Até à Segunda Guerra Mundial, a Europa debatia-se com conflitos

Não acredita que, a concretizar-se a saída do Reino Unido, seja o desmoronar deste projeto europeu, como apontam aos mais céticos. Volta atrás no tempo para recordar que “até à Segunda Guerra Mundial, a Europa debatia-se com conflitos permanentes. Há estabilidade, paz, democracia, liberdades, direitos e garantias, além de questões que têm a ver com interesses comuns, ao nível ambiental, da criminalidade, entre outros. Beneficiámos todos neste novo contexto de União Europeia, não só pela parte económica, mas por tudo”.

A relevância de eleger um eurodeputado madeirense, nas listas nacionais, é indiscutível, segundo Quinídio Correia. Reconhece que esse papel “dilui-se um pouco” num quadro alargado do Parlamento Europeu. E depois, tem uma outra questão que considera fundamental: “A partir do momento em que entramos para um Parlamento Europeu, devemos ter uma visão supranacional. Claro que teremos sempre aquela ideia de tentarmos negociar o máximo para a nossa Região, mas não podemos esquecer aquilo que é o pensar global. O importante é fazermos uma ação de lobby, no sentido das conquistas locais pensando global”.

É preciso não esquecer as obras feitas nas acessibilidades

Naquilo que se prende propriamente com os fundos europeus disponíveis e a sua capacidade de execução, o antigo eurodeputado diz que “foram bem aplicados”, ainda que admita que alguns dos investimentos possam não ter sido feitos com a eficácia pensada inicialmente. “Mas é preciso não esquecer as obras feitas em termos de acessibilidades, com reflexos na aproximação entre os concelhos e pessoas”.

Numa visão para o futuro, sem estar na política ativa mas atento aos fenómenos políticos europeus, de um modo mais abrangente, mas também nacionais e regionais, de uma forma mais próxima, Quinídio Correia defende que a perspetiva deve ser continuar a olhar para uma Europa das Nações, cada país com sua especificidade, com a sua cultura. O grande desafio passará pela questão ambiental e já quando eu estava no Parlamento Europeu esse era um tema abordado. Entretanto, foi andando tudo muito devagar nesse domínio e já ocorreram diversos acidentes resultantes precisamente dessa falta de intervenção, provavelmente porque o homem está a dar cabo do Planeta Terra”.

O Populismo e o nacionalismo são ameaças para as Nações

O médico, que hoje se dedica exclusivamente à sua profissão, tem uma leitura da política que é exercida na atualidade, lá fora, e liga-a a uma face do populismo e do nacionalismo, que se tornou uma ameaça para as Nações”.

Na política interna, no Partido Socialista mais propriamente, é militante de base e assim pretende ficar. “Sabe que é preciso dar lugar aos novos, esta passagem de testemunho é fundamental, é importante que os jovens, que dispõem hoje de novas ferramentas, também fruto da integração europeia, tenham as suas oportunidades, embora todos sejamos a geração Madeira”.

O PS-M está no bom caminho

Confrontado com este novo PS-Madeira, com um modelo a apresentar ao eleitorado bem diferente daquele a que os socialistas estavam habituados, Quinídio Correia lembra que “hoje em dia, não há um único partido que não recorra à sociedade civil como forma de reunir os melhores. É uma estratégia, que às vezes dá frutos e outras vezes não. O PS Madeira, julgo, está no bom caminho, uma vez que nas eleições anteriores teve os piores resultados de sempre e apresenta-se, agora, com uma renovação. Da minha parte, colaboro com o que é possível, a minha profissão absorve-me muito, faço parte de uma associação, a Nau Sem Rumo, que no próximo ano completa cem anos e onde sou presidente, dedico uma parte do meu tempo e considero que não devemos deixar perder este património. O futuro sem história não é futuro e quando apostamos nestas associações, apostamos também nesse futuro. É importante que tenhamos memória”.

Sempre exerci os cargos com postura de servir

“Seria bom que houvesse alguma mudança para vermos se os partidos que eventualmente possam sair vitoriosos das eleições, isoladamente ou em coligação, conseguem fazer, não só algo diferente, mas sobretudo algo de bom”. Foto Rui Marote

Fala-se de memória e com ela vem, inevitavelmente a política. Quinídio Correia sabe do que falamos, diz antes de mais, que sempre encarou a política como um serviço. “Sempre exerci os cargos com espírito de serviço e todos temos uma responsabilidade acrescida quando delegam as competências, cujo exercício nem sempre é compreendido e facilmente podemos cair em desgraça, mas a verdade é que sempre adotei uma postura do servir. É claro que se a classe política está desacreditada é porque alguns políticos não corresponderam ao que lhes era pedido e ao que lhes foi delegado pelos votantes”.

Gostava que o PS-M chegasse ao poder na Região

Gostava que o PS-Madeira chegasse ao poder na Região? “Só o simples facto de haver uma sociedade mais aberta, de haver essa possibilidade, é importante. É positivo rejuvenescer, é preciso haver alternância em política. Se há limites de mandato para o presidente da República, porque razão não deveria haver, também, para a presidência do Governo Regional. Isso daria a oportunidade a pessoas que têm andado afastadas de orgãos de decisão, de poderem aparecer e dar o seu contributo. Seria bom que houvesse alguma mudança para vermos se os partidos que eventualmente possam sair vitoriosos das eleições, isoladamente ou em coligação, conseguem fazer, não só algo diferente, mas sobretudo algo de bom”.