Que importância tem a palavra ? A resposta pode vir de seguida se considerarmos o livro de 110 páginas de Georges Gusdorf cujo título é precisamente este: A Palavra. E então poderemos perceber quanto a palavra deverá ser entendida na sua condição de «apelo do ser», na sua interferência na consciência da humanidade. Desde a infância ela aparece em valor transcendente, quando a criança pergunta e insiste em saber que «nome têm as coisas» e «porquê.» «É importante deixarmo-nos maravilhar perante a descoberta da palavra, que conduz à realidade humana, ultrapassando o condicionamento a que o animal se encontra sujeito.» A partir daqui se poderia entrar em múltiplas considerações, sobre o uso devido ou indevido a que a palavra se submete quando o homem, atento e consciente, ou desprevenido e indiferente, faz dela motor dos seus sonhos ou dos seus desvarios.
Palavras são aos milhares e milhares e são prolíferas, organizadas de forma alfabética em vários tipos de dicionários, multiplicadas em sinónimos e antónimos, submetidas a regras de parentesco, classificando-se por famílias, associações, derivações, tudo o que é necessário à sua inserção no contexto geral duma língua. O mundo já existia antes das palavras, mas por elas se ergueram países e se construíram civilizações. Por elas podem os humanos comunicar-se entre si, repudiar-se ou aceitar-se, amar-se ou odiar-se. «Senão houvesse palavras como poderíamos pensar ?», interroga-se Iris Murdoch. Elas conduzem-nos à interpretação do mundo e à compreensão das expressões complexas de que se reveste o nosso envolvimento natural e social. Despertam-nos para o mistério da existência, para a implicação que têm na procura da felicidade, no direito à vida, à tranquilidade, à paz e à beleza. Podem ser benéficas ou perigosas, apaziguadoras ou belicosas, perturbantes ou tranquilizadoras. São responsáveis pela nossa actuação no quotidiano, na realização do trabalho, na demonstração dos afectos. Exigem, por respeito próprio, que sejam pronunciadas nos momentos certos, nos contextos adequados. Quando se depara uma situação evidente, duma verdade indesmentível, requerem ser aplicadas sem a reserva do preconceito. Há assim um código de moralidade para com as palavras, o que leva Gusdof a dizer:«A palavra… é um compromisso da pessoa entre as coisas e as pessoas…» mas « infelizmente a nossa época não parece nada capaz de pôr em acção a língua unitária que serviria de medida comum, na boa vontade, entre os povos do mundo… o significado da palavra humana, continua portanto, por resolver.» Continuando a ler Gusdorf, « A ética da palavra, numa experiência renovada dia a dia, afirma uma exigência de veracidade. Trata-se de falar a verdade, mas não há falar verdade sem ser verdadeiro.» A honra do ser humano está no emprego da linguagem com uma «preocupação de integridade na presença do mundo e dentro de si próprio.» Gusdorf refere-se à «obediência ao valor» mesmo no jogo em que «outros possam fazer batota», o que tem a ver com a falta de escrúpulo ou rectidão moral.
A linguagem verbal que é aquela que tem sido referida até aqui, não se alheia das suas parcerias com outro tipo de linguagens. E assim podemos considerar a linguagem visual como uma das suas mais próximas congéneres, na respectiva função de comunicabilidade. O que se afere da situação da primeira aplica-se à aferição da segunda. Chegou então o momento de justificar todo este introito ao motivo central desta crónica:
Ao olhar para o novo edifício que se ergue no lugar do antigo Savoy Hotel, encontrei matéria para dissecar todo este problema das linguagens, o que faço, a partir da simples constatação da verdade, que pode exprimir-se por uma adjectivação plurissignificativa : Desmesurado, exorbitante, inadequado, provocante, perturbador. Haverá muito mais que dizer acerca desta Mega construção que se implanta num espaço exíguo duma cidade pequena, como se uma montanha brotasse de um inesperado e assustador fenómeno vulcânico. Submeto-o aqui a uma questão de léxico, mas posso também considera-lo dentro dum conceito socrático que levanta um problema de proporção e beleza. Lembro então a significativa metáfora da «panela de barro com uma colher de ouro», ou, invertendo as parcelas, panela de ouro com uma colher de barro. Será certamente um excelente exemplo para designar a imagem do desequilíbrio e da desproporção.
O edifício ali está posto em altura e em excessiva volumetria, enorme, colossal, desalmado. Por mais que os arquitetos providos dos necessários conhecimentos tivessem concebido uma torção que o desloca da horizontalidade para disfarçar a pesada verticalidade sobre a Avenida, tal não impede que o nosso olhar acuse o toque do desconforto e da agressão.
Sujeita a risco de insucesso estará, com certeza, a linguagem que tente aproximar os humanos de um mastodonte.