Crónica Urbana: As noites brancas do Funchal

Rui Marote

Regressemos aos anos Setenta. A empresa de Cervejas da Madeira organizou nessa altura uma festa popular na zona velha do Funchal, para o lançamento da Coral, a cerveja da Madeira, com um Hino e tudo. A letra e a música eram da autoria dos irmãos Freitas, conhecidos pelos “carapaus”, e quem cantava era a Elizabeth. Vi o fontenário ali existente na altura: em vez de jorrar água, dava cerveja gratuita, era só encher. Além das imensas barracas no Largo do Corpo Santo que distribuíam cerveja gratuita.

Recordo uma quadra dos versos do hino de então: “Cerveja Coral, que nos alimenta, que bem nos faz. Cerveja Coral, que ninguém a esquece jamais…” Não existiam copos de plástico, embora os copos de vidro existissem em grandes quantidades. Claro que, de um momento para o outro, desapareceram: havia cerveja e já não havia copos. Os residentes da zona resolveram apoderar-se deles e levá-los para casa.
No final da noite, a marcha desfilou desde o cais  até ao Largo do Corpo Santo, com balões e arquinhos, numa autêntica noite de São João.

Nos anos oitenta, um emigrante madeirense residente na Venezuela lançou um projecto para a construção de um hotel em Santa Cruz, junto aonde hoje está o Aquaparque. Na maquete do hotel, já estava projectada a ponte que hoje liga ao aeroporto.
No lançamento da primeira pedra, evento onde marcou presença o presidente do Governo Regional de então, Alberto João Jardim, o emigrante fez questão de matar sete vacas que colocou a disposição do povo, para espetada. Um arraial  que acabou pela noite dentro, com pancadaria e facadas.

Porém, o hotel, apesar dos empresários emigrantes com apoio da Caixa Económica do Funchal, não passou das fundações; nessa altura não havia aplicações de risco e o dinheiro evaporou-se. Alguns dos nossos conterrâneos viram os bolívares simplesmente desaparecer. O hotel ficou-se por uma das piscinas  na zona de São Pedro.

No domingo assistiu-se a mais uma das “noites brancas” do Funchal: um ex-empresário na Venezuela, há muito regressado à Madeira protagonizou uma festa que fez recordar o que atrás descrevi.

O povo teve direito a cerveja gratuita, mas já havia copos de plástico à fartura. Os plebeus estavam fora do quadrado delimitado por um cordão de separação, enquanto os patrícios saboreavam os manjares dos deuses. Aqui os projectos não abortaram, é uma realidade, concretizara-se, embora o sol quando nasce não seja para todos.

Damos como exemplo o quiosque de gelados da Avenida do Mar e das Comunidades Madeirenses, ao lado do Pilar de Bânger. O proprietário, tambem ex-emigrante na Venezuela, quis apoderar-se do passeio sul, colocando mesas e cadeiras decorativas aos “ice-creams”, com guarda-sóis à italiana, mas a Câmara não autorizou, dando ordens para retirar a esplanada e justificando que a mesma não fazia parte do caderno de encargos. Já o procedimento no Golden é outra orquestra: apoderaram-se da placa central e o número de mesas e cadeiras pode chegar ao adro da Sé.  Vale tudo…

Dois pesos e duas medidas. Quando a edilidade prestou-se a calcetar os arredores, desviando os calceteiros que estavam noutros locais para favorecer um empresário que pagou a uma empresa por estes serviços mas que não fez com rigor que é exigido. A cidade do Funchal tem destes episódios, “Noites brancas…”