*Com Rui Marote (fotos)
O Panamá está na ordem do dia, por causa dos ‘Papéis’ com o seu nome, divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, e que ligam a práticas de ocultação de proventos em offshores as mais gradas figuras mundiais. Até a nossa pequena ilha da Madeira, graças à sua Zona Franca, não deixou de ser citada nos ‘Panama Papers’, com o presidente e o vice-presidente da Assembleia Legislativa Regional a serem conotados com empresas que surgem no âmbito desta vasta investigação jornalística internacional. Desde os tempos da invasão norte-americana e destituição do líder panamenho Manuel Noriega, em tempos aliado dos EUA, e sua condenação por tráfico de droga, que não se falava tanto deste país. Telejornais, rádios, jornais, redes sociais… o Panamá tem estado, nas últimas duas semanas, nas bocas do mundo.
Mas que país é este, afinal, da América Latina que tanto tem dado que falar em torno do complexo tema dos paraísos fiscais? A objectiva do nosso fotógrafo Rui Marote captou vários instantâneos da vida quotidiana neste país, aliás encantador, e conhecido pelo bom acolhimento das suas gentes. Curiosamente, o seu lema é ‘Pro mundi beneficio’ (Para o benefício do mundo).
Fazendo fronteira com a Costa Rica e a Colômbia, situado perto das Caraíbas, a sua capital é a Cidade do Panamá, e é povoado por uma maioria de mestiços de índios e europeus. Fica situado no istmo da América Central, que liga a do Norte à do Sul, e o seu nome deriva do topónimo duma aldeia onde os índios costumavam pescar, situada na periferia duma cidade fundada em 1519 com a designação que significa, na língua indígena, uma abundância de árvores, borboletas e peixes. Outra versão atribui o nome a ‘bannaba’, da língua kuna, que significa “longínquo”.
Ali viviam tranquilamente os índios, até à chegada dos conquistadores espanhóis e não só: Cristóvão Colombo fundou Santa Maria de Belén em 1503, que foi o primeiro assentamento europeu no continente americano. A cidade do Panamá foi fundada em 1519 pelo governador de Castilla del Oro, Pedrarias Dávila. Por ali passava o ouro do Peru.
O tráfego marítimo na zona decresceu no séc. XVIII e em 1739, quando Portobello foi tomada pelos britânicos, o movimento comercial desorganizou-se ainda mais. O Panamá ficou sob jurisdição do vice-reinado de Nova Granada, quando este se separou do peruano. Mais tarde, já no séc. XIX, o país proclamou a independência, integrando-se pouco depois na Grande Colômbia de Simon Bolívar, juntamente com a Colômbia, Venezuela e Equador. Em 1840 teve uma breve independência durante 13 meses, mas reincorporou-se depois na Colômbia, enquanto departamento do Panamá.
O isto sempre foi visto como potencial e privilegiada via de comunicação entre as costas Leste e Oeste dos EUA, o que conduziria à construção do canal do Panamá, um mega-projecto que enfrentou sérias dificuldades à sua concretização, mas que, com capital maioritariamente francês, acabou por ser iniciada em 1880. A obra este paralisada durante anos e só entrou oficialmente em funcionamento em 1914. Entretanto, o Panamá tornara-se novamente independente em relação à Colômbia (em 1903), contando com o apoio militar dos EUA. A este país foi concedido o uso e controle do canal, em perpetuidade. Porém, cresceram os sentimentos do nacionalismo panamenho e o desagrado com o tratamento dos EUA em relação ao país. Só em em 1952, após um golpe de estado sobre o então presidente Arias, José Antonio Remón, um militar, estabeleceria com o presidente americano Eisennhower um novo tratado mais favorável ao Panamá. Mas Remón seria assassinado durante convulsões políticas bem à maneira da América Latina e outros presidentes se lhe seguiram, com destaque para o consulado de Ernesto de la Guardia Jr. que, entre 1956 e 1960, beneficiou de fundos do Banco Mundial e outro capital estrangeiro para construir refinarias petrolíferas que impulsionaram economicamente a nação.
A história recente do Panamá prossegue, na segunda metade do séc. XX, com uma sucessão de lutas pelo poder e golpes de estado, e pela progressiva discussão de tratados com os EUA mais favoráveis aos interesses do Panamá e à concessão ao país dos direitos dos EUA sobre o canal, processo que foi completado no ano 2000 e que beneficiou, em muito, da intercessão positiva do presidente norte-americano Jimmy Carter, durante o seu consulado nos anos 70.
Entre muitas e subsequentes convulsões políticas, Manuel Noriega, comandante da Guarda Nacional, foi nomeado presidente, mas rapidamente uma intervenção militar norte-americana, a ‘Operação Causa Justa’, o depôs. Seguiu-se-lhe como presidente Guillermo Endara.
As operações realizadas no canal constituem a principal fonte de receitas do Panamá, que tem uma economia onde o dólar é rei e um desenvolvido sector de serviços associados ao sector da banca e à zona franca de Colón. O registo de navios com bandeira panamenha é também um negócio florescente.
O Panamá é também um dos destinos que mais recebe aposentados ricos europeus e norte-americanos, graças aos benefícios fiscais que lhes oferece. Por esta razão, tornou-se um país fortemente internacionalizado, onde há muitos turistas e o inglês é língua corrente nas ruas. A sua própria cultura actual mistura influências dos EUA, da África e da América indígena e pré-colombiana.
Porém, apesar da cidade do Panamá ser hoje em dia um dos maiores centros bancários do mundo, ainda assim conseguiu implementar maior controle para o fluxo de dinheiro.
Com a chegada de muitos cidadãos vindos da América do Norte e do Canadá, atraídos pelos benefícios fiscais, a Cidade do Panamá teve de crescer, inclusive em altura, registando a construção dos edifícios mais altos da América Latina. Nos últimos anos, a cidade recebeu inclusive o epíteto de ‘Dubai Latina’, dado o seu alto grau de desenvolvimento.
A moeda do Panamá chama-se Balboa, em homenagem ao conquistador espanhol Vasco Nuñez de Balboa. Se nunca ouviu falar nela, não faz mal, pois é garantido que, numa visita ao Panamá, nem sequer precisará de usá-la. A Balboa só circula em moedas de 1, 10, 25 e 50 cêntimos, com o mesmo peso e concentração metálica que as moedas estadunidenses.
Passaria pela cabeça de alguém colocar o seu dinheiro em offshores em balboas? Não, mas também nas ilhas Virgens Britânicas e nas Caimão não circula a moeda da Rainha, mas sim dólares!
Rui Marote conta as suas experiências no Panamá, onde já esteve duas vezes, bem como nas ilhas Virgens Britânicas e nas Caimão: “Se chegarmos com euros, que eles pronunciam ‘ouro’, a estes locais, temos dificuldades no câmbio. Para o fazermos, só num banco, desvalorizando a moeda europeia”.
A cidade do Panamá é responsável por cerca de 55% por PIB do país. A maioria das empresas do país e as suas instalações estão localizadas na sua extensa área metropolitana.
Na saúde, há 14 hospitais e uma extensa rede de clínicas públicas e privadas. Cerca de 45% dos médicos do país residem na Cidade do Panamá.
“Há uns anos atrás”, conta Rui Marote, “estive em Manta, Equador, onde, de passagem para o Peru, ao visitar um museu resolvi efectuar um câmbio de 10 dólares para a moeda equatoriana. Resposta: no Equador, a moeda são dólares, somente as moedas iguais às dos EUA tinham a palavra Equador… Não sou economista, mas a minha experiência de viajante leva-me a crer que caminhamos para uma só moeda, mais tarde ou mais cedo… Alguém tem dúvidas de que quem controla a economia mundial são os EUA e que o dólar é que continua a ser a moeda ‘Number One'”?, interroga-se o fotógrafo-viajante.