Fotos: Rui Marote
Tem treze anos e é evidente que se trata de um rapaz bem-disposto. E porque não o deveria ser? Com esta idade, é campeão regional de Surf, e em 2015 foi mesmo distinguido como atleta do ano pela Associação de Surf da Região Autónoma da Madeira e pelo Clube Naval do Funchal, que representa. Está bem classificado a nível nacional, diz que já sabe o que quer ser – surfista profissional, claro! – e sonha mesmo em ser campeão do mundo.
Tomás Vasconcelos de Lacerda tem ainda a sorte e o mérito de contar com apoios dignos de nota: não só o mais importante de todos, o de seu pai, Pedro Lacerda – ele próprio surfista e pelas mãos de quem se iniciou na modalidade – mas também de empresas e marcas de destaque, como a Quiksilver Madeira, World of Sports, Polen International, Madeira Saúde, Porto Santo Line e R8 repairs.
O Funchal Notícias foi ao encontro deste jovem desportista e procurou saber como nasceu o seu gosto por esta modalidade, quais as suas experiências e expectativas.
O título de ‘atleta do ano’ foi, obviamente, importante para o nosso interlocutor. “Fui nomeado atleta do ano pela ASRAM e pelo Clube Naval do Funchal devido a ter sido o melhor atleta a representar a Região no continente… Este ano, espero voltar a conseguir o prémio do ano, pois vou fazer o Europeu e mais algumas provas, e trabalharei para voltar a ganhar esse prémio”, promete. O Europeu de Surf, explica, tem sete etapas; três delas já estão aprovadas. A primeira decorre já dentro de dias, na Costa da Caparica. A próxima etapa será em Maio, na França. Já nas férias de Verão, Tomás Lacerda irá competir na terceira etapa, em Espinho.
O percurso deste rapaz, de sorriso fácil, na arte de cavalgar as ondas numa prancha iniciou-se por volta dos sete anos de idade. Recorda, porém, o receio que ainda tinha das ondas e explica que, como não se sentia muito à vontade, preferiu jogar futebol mais algum tempo. Por volta dos nove anos, no Verão, pediu aos pais que o inscrevessem no CNF. “Desde então, tenho trabalhado com os meus dois treinadores, o Pedro Cisneiros e o André Rodrigues”, refere.
Tomás Lacerda não está alheio à polémica que envolveu o surf na Região ao longo dos anos, nomeadamente a construção da promenade no Jardim do Mar, que terá comprometido a qualidade da onda que ali existia. Apesar de a terem construído, refere, a “onda ainda está lá, além de só funcionar de maré vazia”. Admite que antes fosse melhor: “Nunca surfei no Jardim do Mar nem na Ponta Delgada, mas pelo que tenho ouvido dizer, aquilo antes era como o Havai da Europa. E houve notícias [internacionais] que incluíram, nas dez ondas estragadas pelo ser humano, aqueles dois locais”.
Porém, do conhecimento que tem, continua a apontar o Jardim do Mar como uma das melhores zonas para surfar na Madeira, além do Paul do Mar, da Fajã da Areia em São Vicente e do Porto da Cruz. Está consciente do impacto negativo que pode ter tido, para a imagem da Madeira nos meios surfistas internacionais, a construção da promenade: “Os outros surfistas [no estrangeiro] terão pensado que na Madeira já não há condições para o surf, mas não, o surf ainda está cá na Madeira e está bem vivo”, assevera.
O jovem costuma surfar sobretudo na Fajã da Areia, que “tem uma onda que normalmente funciona com todas as condições”.
“Quando vamos para um campeonato que tem um fundo de rocha, treinamos em São Vicente. Quando o fundo é de areia, aquilo a que chamamos ‘beach break’, vamos treinar para o Porto da Cruz, e quando temos condições surfamos na baía de Machico”, explica. “Para surfistas de competição, na Madeira estes devem ser dos melhores sítios para treinar”.

O surf é, naturalmente, um desporto que depende muito das condições marítimas e meteorológicas, revela-nos Tomás. Os praticantes deparam-se muitas vezes com circunstâncias em que “nem tudo está perfeito, nem sempre estão aquelas ondas de sonho”. Todavia, diz-nos que se o surfista for focado para cada treino, “consegue sempre encontrar aquela onda e fazer o que nós mais gostamos, que é fazer uma onda boa, fazer as manobras, e chegar ao final da onda e sairmos felizes”.

Recordando a sua passagem pelo futebol, em comparação com o desporto que acabou por escolher – e que na Região representa muito mais um ‘nicho’, onde os praticantes se contam às dezenas, Tomás Lacerda conta que a opção futebolística inicial foi determinada por um certo receio que sentia então das ondas, mas que acabou por deixar este desporto colectivo também por conta de um problema de rinite que o afectava: “Num final de treino, ou de jogo, acabava por sentir-me um bocado estonteado, com dificuldade em respirar”. Acabou por querer experimentar o surf: “Logo que apanhei a primeira onda senti uma adrenalina gigante. E acho que foi isso que me cativou, me fez continuar”. De caminho, os ares do mar ajudaram a tratar a rinite…

Perguntámos-lhe: quais são as principais dificuldades que enfrenta alguém que se inicia no surf? Responde-nos dizendo que há algumas pessoas que pensam que o mais difícil no surf é o equilíbrio, mas assegura-nos que se o iniciante seguir os passos dados pelo treinador e treinar bem o aquecimento, “quando chega dentro de água, fica tudo mais fácil”.
Por outro lado, refere, apesar de se poder pensar inicialmente que a prancha anda devagar, “quando vamos para uma onda, ela ganha uma velocidade muito rápida”. Conclusão: “É necessário ter um bocadinho de equilíbrio, mas acho que todas as pessoas conseguem fazer surf”.

Entre a competição na Madeira e a competição no continente, o Tomás encontra diferenças consideráveis. São desafios diferentes. “Há uma diferença muito grande, no continente, nas competições, o nível de surf é muito mais elevado. Na Madeira nós temos dezoito, vinte atletas a ‘correr’, e no continente, apenas numa categoria, temos 50 atletas num regional. Acho que isso depois vai puxando por nós, e é por isso eu vou lá fora. Para o meu sonho, tenho de sair da Madeira, tenho que procurar sítios novos para evoluir e competições que puxem por mim. Acho que isso é o mais importante”.
O grande sonho de Tomás Lacerda é ser surfista profissional. “E daqui a dez, doze anos, gostava de ser campeão do mundo. É para isso que eu treino”, afirma.

“Sei que mais tarde ou mais cedo terei que sair da Madeira para perseguir esse meu sonho. E é para isso que todos os anos procuro cada vez mais apoios, porque o Governo dá-nos pouco dinheiro para fazermos campeonatos lá fora. Acho que deveria haver, da parte do Governo, um bocadinho mais de apoio, porque ir ao Campeonato da Europa, ir ao Campeonato Nacional e viajar para o continente para treinos e estágios, num ano, é caro, e para os nossos pais e para os nossos patrocinadores é um bocado puxado”, realça. E, no entender de Tomás, o surf é um desporto como outro qualquer, no qual a representação lá fora dignifica a Madeira.
Conforme diz, para um surfista da ilha que nem sempre consegue dar nas vistas no continente, pode ser difícil arranjar grandes patrocínios. “No continente, eles se calhar metem-se num carro e vão a França, e encontram lá patrocinadores e gerentes de marcas que reparam em quem está a surfar bem num determinado sítio. E eles ‘agarram’ naquele pequeno e apoiam, e fazem com que o surf desse miúdo evolua. Na Madeira é sempre mais difícil encontrar apoios a nível nacional e mundial”, refere.
O surf pode parecer, para muitos, uma modalidade que tira um bocado uma pessoa da sua zona de conforto. Os treinos realizam-se durante todo o ano, de Verão e de Inverno, e é preciso gostar… Mas o nosso entrevistado garante que, para ele, a experiência da modalidade, mesmo ainda numa idade bastante precoce, não foi desconfortável, pois “com a evolução do surf os fatos foram também evoluindo, e hoje em dia nós temos fatos que vestimos, vamos para dentro de água e só molhamos mesmo o que temos à mostra, ou seja, os pés, a cabeça e as mãos”. Por isso, considera que os atletas ficam bem agasalhados e que isso não é um problema.

O contacto com a natureza também faz parte deste desporto. Faz as pessoas estarem ‘fora de portas’, em íntima relação com os elementos. Essa parte também agradou bastante a Tomás. “Antes, nunca tinha feito nenhum desporto na natureza, mas como o meu pai sempre esteve ligado ao mar desde criança, quando ele ia andar de jet ski aos fins-de-semana, ou ia dar passeios com os amigos, eu pedia-lhe sempre para ir… E acho que fui criando uma certa ligação com o mar. Acho que é por isso que estou agora num desporto que se pratica no mar, e não em desportos colectivos como o futebol ou o andebol”.
Questionámos: numa terra onde o windsurf é talvez mais visível do que o surf, até porque existe uma personalidade que dá grande visibilidade à modalidade, como João Rodrigues, será que o Tomás nunca se sentiu seduzido pela possibilidade de acrescentar uma vela à prancha e andar com a força do vento? Mas a resposta é negativa.
“O surf nós podemos fazer com vento, sem vento, com ondas grandes, ondas pequenas… Acho que no windsurf, se não há vento, nós também depois não conseguimos sentir a adrenalina. Ao passo que no surf, com qualquer onda que façamos, chegamos ao final e sentimos a adrenalina, por conseguir apanhar uma onda no sítio certo, e fazer as manobras certas… Acho que é essa a diferença”, assegura-nos.
Tomás Lacerda gostaria de ver a modalidade evoluir mais, em termos de participantes. No Clube Naval, refere, serão cerca de dezoito atletas. “A maior parte deles é mais velha que eu, mas também temos uma nova geração de surfistas que entraram agora”. No entanto, da sua idade, pensa que só existe mais um, Gonçalo Abreu. “Mas se calhar os meus colegas de equipa com quem gosto de ficar mais, e ficarmos ali a evoluir, e a disputar, a dizer um ao outro que chegámos lá, e fizemos isto e aquilo, e tal, acho que é mais o Lourenço, que já somos mais amigos, e vamos ao continente fazer viagens, e isso tudo”.
O surfista estima em cerca de umas quarenta a cinquenta pessoas aquelas que na Madeira praticam o desporto que escolheu. Porque não há mais? “Acho”, responde-nos, “que muitos pais ainda têm aquele medo do mar do norte, e de levar os filhos para lá. Eles pensam que ao porem os seus filhos no mar do norte, estão a fazê-los correr perigo de vida. Mas em qualquer sítio no mar, podemos correr perigo. E para uma pessoa que quer iniciar-se, é claro que se o mar está muito ‘grande’, essa pessoa não vai poder entrar, porque não tem nível para o fazer. Os treinadores e instrutores zelam sempre pela segurança dos seus atletas, e de quem estão a ensinar”, sublinha.
Tomás diz-nos que há atletas que a partir dos sete anos se estão a iniciar no surf. “Penso que é bom, um atleta que começa a praticar com essa idade, se nunca largar, provavelmente terá o futuro garantido. Se for para a competição e começar a sair cedo da Madeira, e obtiver bons resultados, acho que terá um futuro gigante”. Em seu entender, o surf é um desporto ao alcance de toda a gente, embora um surfista de competição, se não tiver apoios, vá enfrentar muitas dificuldades, sendo então o desporto muito caro. “Então se for um surfista que está a lutar para entrar no campeonato do mundo… Eles devem gastar à volta de uns 20 mil euros. Mas um surfista de iniciação só precisa de pagar as aulas. Normalmente todas as escolas oferecem os fatos, e o material para surfar. Aí não é caro”. Só para surfistas de competição é que o desporto se torna mais dispendioso”.
Na Madeira, confidencia-nos, até há pessoas que ensinam a surfar de borla, ou que dão importantes ‘dicas’ aos praticantes. No Jardim do Mar, por exemplo, há pessoas que “ensinam os miúdos a surfar, e acho que isso é muito bom”.
Obviamente um entusiasta, Tomás Lacerda não deixa de fazer ‘publicidade’ do seu desporto, inclusive junto dos seus colegas de escola – actualmente, a Horácio Bento de Gouveia, onde frequenta o 8º ano. Mas confessa que da sua turma “nunca ninguém foi experimentar”.
Passar a ideia de que o surf é uma modalidade de futuro é, confessa, algo difícil. Recorda que, quando já tinha alguns amigos na escola, lhe perguntaram o que queria ser quando fosse grande. Respondeu: surfista profissional. E essa resposta gerou incredulidade. “Ah”, disseram-me, “tu és louco, nunca vais ganhar dinheiro com isso. Respondi-lhes que há surfistas no mundo que ganham até cinco milhões por ano. Eles depois ficaram um pouco a pensar que eu estava a mentir, mas depois eu até apresentei um trabalho na escola sobre um surfista profissional, e eles aí acreditaram mais que era possível”.
“Acho que os colegas da minha turma nunca tiveram esse interesse. Apesar de eu lhes transmitir mais ou menos o que era o surf”, ri-se.
Mas, no que os outros não acreditam, não há dúvida que o Tomás crê com todas as suas forças. E está neste preciso momento a preparar-se já para as próximas competições. “A próxima competição em que participarei será no regional da Grande Lisboa, a terceira etapa, já que não consegui estar presente na segunda, pois tínhamos um campeonato na Madeira”. Esta competição acontecerá antes do Europeu de Surf, e será uma boa preparação para o mesmo. “Assim, vou preparar-me mais para o Europeu”. Entre competições no continente, na Madeira e a passagem do período da Páscoa com a família, prepara-se para ir surfar a França, um sítio onde sempre sonhou surfar. “Acho que vou sentir muito feliz em participar nessa prova, que faz parte do Europeu, organizada pela World Surf League”.
Palmarés do Tomás Lacerda, aos 13 anos:
7 títulos de Campeão Regional Sub-12, 14 e 18
2 títulos de Vice-Campeão Sub-18
2 anos consecutivos 3º classificado na categoria Open
2 vezes no Top 10 nacional
2 Finais Rip Curl Grom Search
16º Classificado Pró-Júnior Nacional