Madeira não aposta o suficiente no turismo de jardins

Fotos: Tibério Pacheco

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As fotos documentam uma visita da Royal Horticultural Society ao jardim José do Canto, nos Açores

 

A Madeira não está a cativar suficientemente um segmento de turismo de qualidade para o qual, em circunstâncias normais, estaria vocacionada de forma muito especial : o turismo de amantes de botânica em geral, e de jardins em particular.

Este nicho turístico possibilita o estabelecimento de pontes entre regiões dotadas de interessante biodiversidade ao nível da flora e países onde o interesse botânico é elevado, atraindo pessoas interessadas em observar diferentes espécies, principalmente no que aos espaços ajardinados diz respeito. São turistas de todas as idades, geralmente dotados de um poder económico que não é para desprezar.

A Grã-Bretanha é, tradicionalmente, um país onde a actividade da jardinagem suscita grande interesse, e bem assim os passeios por zonas de natureza. A Royal Horticultural Society, Sociedade Real de Horticultura, é um exemplo de uma instituição que agrupa pessoas muito interessadas neste tipo de actividades.

Para o ano, está previsto um cruzeiro promovido por esta associação, que se realizará entre os dias 22 de Maio e 6 de Junho, custando 1519 libras por pessoa, e que terá passagem pela Madeira e pelos Açores.

No entanto, embora a passagem pela Madeira tenha por objectivo observar as flores que entre nós ornamentam os jardins durante todo o ano, o foco da viagem é colocado, de facto, nos Açores, e em jardins históricos como o jardim público António Borges e o jardim privado José do Canto, ambos estabelecidos no século XIX por botânicos amadores, e personagens importantes na cena socioeconómica insular da época. O cruzeiro inclui ainda passagens pela ilha britânica de Guernsey e por jardins galegos na Corunha.

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A razão porque os jardins da Madeira não obtêm tanta visibilidade é porque, na opinião do ecologista Raimundo Quintal, o Funchal não tem actualmente uma oferta em condições neste capítulo. O conhecido geógrafo tem sido, ultimamente, um forte crítico da forma como Governo Regional e Câmara Municipal do Funchal têm deixado decair a qualidade dos nossos jardins. O Funchal Notícias sabe que há entidades ligadas à hotelaria regional que se têm esforçado por cativar este segmento turístico, como por exemplo os hotéis Dorisol, que inclusive estiveram representados em eventos ligados à horticultura na capital britânica; mas não estarão a ser seguidos por outras cadeias hoteleiras e o interesse da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura neste nicho de mercado, não sendo inexistente, tem, na opinião de vários dos nossos interlocutores dentro do sector, deixado a desejar. Isto apesar de o secretário regional Eduardo de Jesus ter marcado presença, em Maio de 2015, no Reino Unido, onde inclusive se reuniu com a Royal Horticultural Society e passou pelo Chelsea Flower Show.

John Hughes é o responsável pela organização de viagens que levarão os amantes britânicos da botânica, em 2016, a visitar jardins de Lisboa e dos Açores – viagens das quais a Madeira ficará completamente ausente. Numa entrevista no site da RHS, não poupa elogios aos jardins de Sintra e de São Miguel, nos Açores, elogiando particularmente os jardins António Borges e José do Canto. As ditas visitas realizar-se-ão em Abril, Junho e Agosto.

Este tipo de turismo é um nicho em expansão em locais como a América do Norte, a Europa, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia.

Apesar das críticas, Raimundo Quintal salienta que a Madeira tem um conjunto de jardins com muita qualidade paisagística e um património florístico excepcional. Especialmente no Funchal, mas não só. Algumas quintas da Camacha e do Santo da Serra são notáveis.

Para o ecologista, “este património tem um potencial extraordinário para atrair turistas nesse nicho do chamado ‘garden tourism’. O problema que se coloca é que a maior parte dos nossos jardins, públicos e privados, estão mal tratados. Tem de haver uma consciencialização quer dos proprietários privados, quer da Câmara do Funchal, quer do Governo Regional, que têm que ter um corpo de jardineiros, um corpo de técnicos à altura, e têm de investir nessa recuperação e revitalização dos jardins”.

Paralelamente, entende este nosso interlocutor, a Madeira tem de fazer uma forte promoção desses mesmos jardins nos mercados exteriores, sendo que a Madeira “tem condições para atrair turismo de jardins não apenas na Festa da Flor, no mês de Maio, mas durante doze meses por ano”. É este, em seu entender, o grande argumento no qual a Madeira tem que apostar.

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“Temos jardins com flores todo o ano. Estamos em Dezembro e vemos árvores floridas quer em jardins, quer nas ruas da cidade. Mas é necessário não ficarmos pelas palavras, porque, de um modo geral, os jardins estão mal cuidados. O estado em que se encontra a Quinta Magnólia, a Quinta das Cruzes… o próprio Jardim Botânico precisa urgentemente de ser revitalizado, com a melhoria de algumas áreas, precisa de uma estufa em condições… Há lá muitos lapsos na qualidade científica da identificação das plantas… Há um trabalho enorme para fazer”, aponta.

Entre os privados, há também muito trabalho para fazer.

“A Quinta Palmeira é notabilíssima e está num estado tal… poderia ser uma mais valia extraordinária. Na Camacha, a Quinta das Almas; no Santo da Serra, por exemplo, a Quinta do Serrado das Ameixeiras; há de facto património, mas que está profundamente degradado. É fundamental que haja um investimento”, exorta Raimundo Quintal.

Para que a Madeira seja um ‘hotspot’ do turismo de jardins, de grande atractividade, precisa de seis, sete, oito jardins de elevada qualidade e excelência, para atrair as pessoas, sublinha. Porque os paisagistas, botânicos, amantes de jardins, quando vêm a uma localidade, é para ver vários jardins, e não apenas um só.

Quinta Jardins do Imperador, no Monte (Foto Rui Marote)
Quinta Jardins do Imperador, no Monte (Foto Rui Marote)

Conforme o Funchal Notícias noticiou em primeira mão, o Governo Regional não está alheio à importância dos jardins, e por isso mesmo chegou a acordo com Duarte Correia, proprietário da Quinta Jardins do Imperador, no Monte, para desbloquear um imbróglio que se arrastava nos tribunais. É um grande investimento que o Executivo de Albuquerque vai fazer para recuperar aquele espaço de grande interesse turístico. Mas não falta que ache que, nisto do ‘garden tourism’, a Madeira deveria estar a fazer muito mais. A Dorisol, como já dissemos, apostou em cativar os turistas para ficarem nos seus hotéis, mas não tem jardins de grande qualidade (privados) para lhes oferecer. Já outras cadeias hoteleiras possuem, elas próprias, jardins de nível. Entre eles, alguns que, como critica Raimundo Quintal, estão actualmente mal cuidados. Mas estarão essas cadeias hoteleiras a desenvolver suficientes esforços dentro deste nicho de mercado em flagrante crescimento? Fica a dúvida.