“Euro, tu és euro e sobre ti edificaremos a Europa”. Foi desta forma, recuperando, de forma adaptada, de Mateus o que Jesus disse a Pedro sobre a edificação da Sua igreja que, em Dezembro de 1995, António Guterres, no Conselho Europeu, expressou a sua confiança no futuro da Europa e no sucesso da sua construção ao serviço dos povos e da humanidade.
Todos nós, que nos regozijamos com a ousadia da moeda única, sentimos que tinham sido criadas as bases para a indispensável união política da Europa, enquanto espaço multinacional, determinada na sua vontade de assegurar a paz, garantir o desenvolvimento e o progresso, pugnar pela modernidade, ter uma perspectiva afirmativa do seu papel no mundo, de ser solidária e, sobretudo, de ser capaz de manter os cidadãos no centro do debate político, económico e social, integrando-os e colocando-os nos patamares estratégicos de defesa dos seus interesses colectivos e ao serviço desse grande e estimulante desígnio que abraçamos.
As últimas semanas, mais particularmente a que terminou com uma inusitada, – ainda que se tenha vindo a tornar previsível -, manifestação de força, de incompreensão, de intolerância e de prepotência de dezoito países da zona euro contra a Grécia, revelaram-nos, em toda a extensão, o estado a que a Europa, – a do euro, mas não só; também a dos muros, a da segregação, a do racismo, a da xenofobia -, chegou, a sua descaracterização e a perda acentuadamente irremediável (?) das forças que a mantinham coesa no plano institucional, mas principalmente no domínio das relações entre estados e da assunção das suas responsabilidades. O projecto político europeu, afigura-se-me, perdeu-se na voragem dos “mercados” e dos seus porta-vozes governamentais e, devo confessar, entristece-me muito, mas, sobretudo, preocupa-me muito mais.
Há dias, numa televisão, alguém, para recriminar os gregos e o seu governo, lembrava que o projecto europeu havia sido ideia da moderação, do equilíbrio e do bom senso dos que o protagonizaram, bem como das forças políticas envolvidas. Dizendo isto, afastava profilacticamente, aquelas que, segundo o mesmo comentador, se apresentam radicais (?), com proposituras extremadas e, assim, fora do, para ele, aceitável quadro do pensamento a uma só voz que, perigosamente se tem vindo a consolidar. Estranha moderação a que, de forma radical, entendeu tentar destruir um parceiro com origem e existência na democracia.
Cuidado, dizem com hipocrisia, os extremismos estão aí…
E estão.
À esquerda? – Não me parece.
À direita? – Sim.
Na extrema-direita, movimentos neo-nazis, organizações que se reclamam dos ideais (?) racistas, partidos que advogam o tratamento discriminado dos migrantes, propaganda de natureza nacionalista, acções de exibição de violência e intolerâncias várias, etc. Definitivamente alvoroçados se prestarmos atenção aos resultados eleitorais e ao crescimento eleitoral dos partidos de extrema-direita. Em França, é verdade, mas não só. Na Áustria, na Holanda, em alguns países do norte, do centro e do leste europeu, muitos cidadãos procuram a diferença onde ela parece existir como sendo o seu derradeiro espaço de esperança.
Falta, neste quadro, uma “moderação” que não fale em uníssono, com que os cidadãos se identifiquem, que os represente, que os mobilize, que os incentive, que os conquiste.
Os sectores políticos e ideológicos de onde são originários os arquitectos responsáveis pela construção da Europa como ela existe, a democracia cristã e a social-democracia, – os sectores moderados, dir-se-á -, não apresentam, hoje, factores distintivos que abriguem alternativas claras, – abdicaram deles -, que, naturalmente, as pessoas procuram noutras “paragens”. Só a título de exemplo, e de entre muitos outros possíveis, ouçam-se as intervenções públicas da chanceler alemã, democrata cristã, e as do vice-chanceler, social-democrata; em tudo semelhantes, inviabilizam a escolha.
Há bastante tempo já, – dois anos, dois anos e meio -, Freitas do Amaral que não é reconhecido pelo seu incorrigível esquerdismo, numa entrevista na televisão verberava as declarações do Presidente do Goldman Sachs que teria dito, a propósito dos tempos que vivemos a seguir à falência do Lehman Brothers, que “este era o tempo do capitalismo derrotar de vez o socialismo; e que essa era a vontade de deus”; que eloquente manifestação de poder e de desfaçatez.
Será que tão divina inspiração tem condicionado o proverbial esclarecimento e moderação dos comportamentos daqueles que, antes de tudo, têm um compromisso com os cidadãos, com a democracia, com a justiça, com a solidariedade e com o futuro?